Reportagens

Pecuaristas do Pará lançam manifesto contra desmatamento na cadeia da carne

Durante evento voltado para o setor, Governo do Estado anuncia decretos que visam fortalecer a rastreabilidade da cadeia da pecuária no estado

Cristiane Prizibisczki · Fernanda Soares ·
28 de abril de 2022 · 2 anos atrás

Pecuaristas e entidades paraenses envolvidas com a cadeia de produtos de origem bovina no estado lançaram, na noite desta quarta-feira (27), um manifesto contra o desmatamento ilegal na atividade no Pará.

No documento, as entidades se comprometeram a apoiar o governo estadual na aceleração dos processos de regularização fundiária e ambiental, na realização da pesquisa para a intensificação da produção pecuária e no combate ao desmatamento.

Elas também assumiram o compromisso de promover a restauração florestal das áreas com ocorrência de desmatamento, incentivando o plantio de 14,4 milhões de árvores nativas de interesse comercial, como o cacaueiro (Leia abaixo o manifesto na íntegra).

O documento foi lançado durante a abertura do 1º Pecuariando, encontro que reúne produtores, frigoríficos, indústrias do varejo, órgãos públicos, academia e instituições financeiras em prol de uma “pecuária sustentável” em território paraense.

O evento, realizado na cidade de Marabá e que se estende ao longo dos próximos dois dias, tem como tema central: “A pecuária recupera o Pará: resposta do Estado aos desafios da produção sustentável na Amazônia”.

O nome “Pecuariando” faz referência a um programa de iniciativa do Governo do Estado, também lançado nesta quarta-feira, que visa aumentar a produção da pecuária por meio da pesquisa e difusão tecnológica, sobretudo para pequenos e médios produtores.

Segundo o governador do Estado, Helder Barbalho (MDB), o objetivo é que a média de ocupação de cabeças de gado no estado, hoje estagnada em 0,9/hectare, possa chegar a 3 cabeças por hectare. 

“É no pequeno que vai chegar”, disse Barbalho. “Acho que temos a oportunidade, através do Pecuariando, de construir um novo momento, um novo patamar, um novo capítulo na história do agro paraense. Para isso, não podemos fechar os olhos, precisamos fazer uma autocrítica, temos que tomar decisões […] temos que discutir floresta em pé como um ativo das propriedades rurais”, completou o governador.

Rastreabilidade

Gado no pasto em Tailândia, no Pará. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Durante o evento, Barbalho também anunciou que o Governo do Estado vai publicar duas portarias que, segundo ele, serão importantes no processo de construção da rastreabilidade da cadeia da pecuária.

A primeira disciplina o credenciamento e a certificação de plataformas privadas de rastreabilidade, de forma a somar esforços com o Selo Verde – plataforma desenvolvida pelo Governo Paraense e pela Universidade Federal de Minas Gerais com dados abertos que permitem o rastreio da cadeia produtiva de carne bovina.

“Com isso estamos permitindo que não seja apenas a ferramenta estatal, mas que possa haver também o complemento das ferramentas já utilizadas pela indústria da carne”, disse.

A segunda portaria cria o Grupo de Trabalho do Selo Verde no âmbito da Secretaria do Meio Ambiente, chamando a iniciativa privada, a indústria da carne e a Federação da Agricultura para fazerem parte de uma gestão colegiada do Selo.

“Só tem medo de rastreabilidade quem aposta na infração e na omissão do estado ou na ausência do estado”, diz o governador.

Pecuária e desmatamento

Segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) de 2020, divulgada em setembro de 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Pará possui o terceiro maior rebanho do Brasil, com 22,3 milhões de cabeças de gado. Em todo país, são cerca de 218 milhões. 

Historicamente, o Pará sempre esteve nas primeiras posições do ranking de desmatamento da Amazônia. Somente no ano passado, o Estado perdeu 5.257 km² de florestas, o que representou 40% do total desmatado no bioma no período. 

Segundo estudos do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)  e do Projeto Amazônia 2030, 90% da área desmatada no bioma nas últimas três décadas foi convertida em pasto.

MANIFESTO

A Aliança Paraense Pela Carne, movimento de união e trabalho em prol do fortalecimento da cadeia agroindustrial, comercial e de prestação de serviços da pecuária bovídea do Estado do Pará, apresenta o seguinte manifesto, que expressa o pensamento e a vontade de indivíduos e empresas por intermédio das entidades abaixo relacionadas:

Pelo fato de a pecuária bovina ser uma das mais antigas atividades exercidas para a sobrevivência e evolução dos seres humanos;

Pelo fato da proteína obtida a partir do consumo da carne e do leite bovinos ser fundamental ao pleno crescimento das crianças e à nutrição das pessoas em geral;

Pelo fato de a pecuária bovina, desde o descobrimento do Brasil, contribuir para o processo de ocupação, expansão e consolidação de nossas fronteiras;

Pelo fato de ter sido a ambição, a coragem e o trabalho árduo de muitos pecuaristas que ajudaram a desenhar o mapa territorial brasileiro, tornando o nosso país o maior da América Latina e do Hemisfério Sul, o quinto maior do planeta e detentor, dentre outras inestimáveis riquezas, de 60% de toda Amazônia Sul-americana;

Pelo fato de a pecuária bovina ser a responsável pelo nascimento e pela sustentação econômica de boa parte dos municípios do interior do Brasil;

Pelo fato de a pecuária bovina estar presente em mais de 2,5 milhões de propriedades rurais, sendo fonte direta de ocupação e renda para quase 2 milhões de brasileiros de todos os estados;

Pelo fato de a pecuária bovina representar cerca de 7% do PIB nacional e 12,5 do superávit na balança comercial brasileira, apenas com a exportação de carne;

Pelo fato de nos últimos 30 anos, o rebanho bovino brasileiro ter crescido perto de 32%, a produção de carne aumentado em quase 100% e a ocupação de áreas de pastagens diminuído em 16%, liberando, inclusive, espaços para a agricultura, tudo isso graças aos investimentos dos pecuaristas em genética, manejo, nutrição, sanidade e gestão;

Pelo fato de homens e mulheres pecuaristas ajudarem a manter preservada mais de 60% da vegetação natural no Brasil,

Por tudo isso, mas especialmente pelo fato de reconhecer que o desmatamento ilegal é um problema gravíssimo para a pecuária, para o Estados do Pará, para a Amazônia, para o Brasil e para toda humanidade, que a Aliança Paraense pela Carne assume os seguintes compromissos:

– Apoiar os governos para que possam acelerar os processos de regularização fundiária e ambiental, como forma de gerar segurança jurídica para quem não desmata e facilitar a identificação e punição dos desmatadores ilegais;

– Apoiar, no âmbito do projeto Pecuariando, a pesquisa agropecuária pública e privada, validando as tecnologias necessárias aos investimentos para intensificação da produção pecuária, e na sua integração com a agricultura e com a silvicultura, promovendo a inclusão tecnológica de pequenos e médios produtores de pecuária bovídea familiar, e priorizando a reabilitação das áreas já antropizadas e degradadas;

– Promover a restauração florestal das área com ocorrência de desmatamento, através da implantação da ferramenta Sirflor;

– Incentivar, ainda no âmbito do projeto Pecuariando, o plantio de 14,4 milhões de árvores no Estado do Pará, a exemplo do cacaueiro e de outras espécies de grande interesse amazônico;

– Combater e reduzir o desmatamento ilegal no Pará, promovendo investimento em inteligência para atuação preventiva, campanha de esclarecimento e conscientização, identificação e abordagem direta ao proprietário para o convencimento de não desmatar, e apoio público às ações das autoridades de autuação e punição aos desmatadores ilegais.

-Estudar e desenvolver ações para apoiar a bioeconomia, bem como para viabilizar a compensação financeira pelo mecanismo REDD  – Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação – das áreas preservadas nas propriedades, e outras, para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para reduzir o aquecimento global e as mudanças climáticas;

São as entidades abaixo relacionadas:

Acripará – Associação de Criadores do Pará

FAEPA – Federação da Agricultura e Pecuária do Prá

FETRAF – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Pará

SINDICARNE – Sindicato das Indústrias de Carnes Bovinas, Suínas, Aves, Peixes e Derivados

FIEPA – Federação das Indústrias do Estado do Pará

ASPAS – Associação Paraense de Supermercados

*Reportagem: Fernanda Soares, enviada especial a Marabá, e Cristiane Prizibisczki.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

  • Fernanda Soares

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)

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Comentários 2

  1. Paulo diz:

    Primeiro, precisam mostrar o CAR sr. governador do Pará.


  2. Karine diz:

    Esse “Manifesto” é uma aberração de desinformação e mentiras: “Carne e leite de vaca são FUNDAMENTAIS”?? Essa foi a pérola! A pecuária ter sido usada na ocupação de território (em especial da Amazônia) e ser uma atividade antiga talvez sejam as únicas informações consistentes. É antiga, sim. E arcaica, ultrapassada e cruel! Que a produção de alimentos avance para processos que deixem os animais em paz e acabem de vez com essa exploração, que só gera problemas ao meio ambiente! E que o consumidor tome consciência, pois ele pode ser o principal impulsionador dessa mudança ao optar por uma alimentação livre de produtos animais: cada pessoa é capaz de promover a mudança necessária a partir de seu carrinho do supermercado! E quem tiver dúvidas, que realmente assista a documentários e vídeos para informar-se sobre o assunto (saiba o que acontece, por exemplo, com uma vaca e seu bezerro na indústria do leite, os antibióticos, as doenças produzidas pelo confinamento dos animais, especialmente aves e porcos, o gasto de água e alimento para alimentar rebanhos, etc, etc, etc), em vez de dar ouvidos a quem lucra com a exploração. E, empresários, acompanhem as mudanças! Afinal, o capitalismo, que todos vocês abraçam, só conseguiu se sustentar ao longo do tempo, porque soube se adaptar às mudanças e, como diz na música: “O NOVO SEMPRE VEM”. E que o novo venha!