Reportagens

Poluentes de vida curta aumentam nível do mar

Impacto causado por gases como o metano e HFCs pode durar 800 anos, mesmo que esses poluentes permaneçam por poucas décadas na atmosfera, dizem cientistas norte-americanos

Camila Faria ·
10 de janeiro de 2017 · 7 anos atrás
Metade da população mundial vive a 60km ou menos de áreas litorâneas, ameaçadas pelo aumento do nível do mar. Imagem: Max Pixel.
Metade da população mundial vive a 60km ou menos de áreas litorâneas, ameaçadas pelo aumento do nível do mar. Imagem: Max Pixel.

Estudo publicado nesta segunda-feira (09) no periódico PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, aumenta preocupação com gases de efeito estufa de meia-vida curta e seus efeitos de aquecimento no oceano. A publicação afirma que a permanência no oceano de gases como metano e ozônio, cujos tempos de permanência na atmosfera são de dias a anos, e não de séculos a milênios, como o CO2, contribui para o aumento do nível do mar por um tempo muito maior do que o observado em efeitos atmosféricos.

O aquecimento da atmosfera causado pela emissão de gases-estufa transmite calor para as águas e eleva a temperatura dos oceanos, o que faz a água se expandir, contribuindo para o aumento do nível do mar. O efeito é semelhante ao verificado numa chaleira, onde a água sobe de nível à medida que se aquece.

Por causa da inércia térmica, grandes massas de água demoram a esquentar, especialmente em níveis mais profundos. Isso significa que a água continuará a se expandir e seu nível continuará a aumentar por centenas ou milhares de anos, efeito conhecido por cientistas que estudam emissões de CO2. As possíveis consequências catastróficas já estão no imaginário coletivo da humanidade: inundações, abandono de cidades litorâneas, perdas na agricultura e maior vulnerabilidade a tempestades são alguns dos acompanhantes de um aquecimento desenfreado.

O novo estudo, liderado por Kirsten Zickfeld, da Universidade Burnaby, no Canadá, mostra que os gases que possuem um tempo de permanência mais curto na atmosfera também representam aumento de longo prazo no nível do mar. Um cálculo feito por Burnaby e seus colegas Susan Solomon e Daniel Gilford, ambos do MIT, avaliou um cenário no qual as emissões de metano, ozônio e hidrofluorocarbonos (HFCs) seguem no ritmo atual até 2050 e imediatamente param.

Isso bastaria para causar um aumento do nível do mar de 90 centímetros em 800 anos, apesar da meia vida curta dos gases analisados. Em outro exemplo, o estudo afirma que pelo menos metade do aumento do nível do mar devido à temperatura causado pelas emissões de metano (CH4), o segundo maior causador do aquecimento global depois do CO2, deve permanecer por mais de 200 anos, mesmo que as emissões antropogênicas parem, apesar da meia-vida atmosférica de dez anos desse gás.

“Isso ocorre por causa da enorme inércia do oceano na absorção de calor. Não era uma notícia esperada, pois achava-se que a resposta seria muito mais rápida e que gases de meia vida curta não influenciariam em escalas de tempo tão longas, como a de 800 anos apresentada no estudo”, explica o físico Paulo Artaxo, da USP.

“Ações adotadas para reduzir emissões de gases de vida curta podem mitigar séculos de aumento do nível do mar adicional”, escreveram os autores.

O controle da emissão de gases de baixa meia-vida é uma estratégia recente de mitigação da mudança climática. Alguns países, como o México, têm adotado programas para atacar essas fontes de poluição, justamente por elas serem setoriais, mais fáceis de controlar do que o CO2 a baixo custo, e fazerem diferença na temperatura da atmosfera a curto prazo.
Pelo menos uma família desses poluentes, os CFCs (clorofluorcarbonos) já foram objeto de um banimento bem-sucedido. O Protocolo de Montréal, em 1987, determinou a eliminação desses gases, que causavam a destruição da camada de ozônio. Coincidentemente, a americana Susan Solomon, coautora do novo estudo, teve um papel fundamental nisso: foi ela quem descobriu, nos anos 1980, que as reações dos CFCs que destruíam o ozônio ocorriam em nuvens estratosféricas na Antártida.
O revés dessa medida foi sua substituição pelos HFCs, muito presentes em aparelhos de ar condicionado e geladeiras, que não afetam a camada de ozônio, mas possuem impacto maior sobre o efeito estufa, aprisionando milhares de vezes mais calor do que o dióxido de carbono. No ano passado, em Kigali, Ruanda, foi aprovada uma emenda para o Protocolo que prevê a redução dos HFCs a partir de 2019.

“Ações adotadas para reduzir emissões de gases de vida curta podem mitigar séculos de aumento do nível do mar adicional”, escreveram os autores.

 

Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. logo-observatorio-clima

 

Leia Também

O que o iceberg gigante tem a ver com você?

2016 foi mesmo o mais quente, diz agência

Corrente do Golfo pode parar, diz estudo

 

 

Leia também

Reportagens
5 de janeiro de 2017

Corrente do Golfo pode parar, diz estudo

Novo modelo mostra que esteira oceânica que transporta calor à Europa é mais vulnerável ao aquecimento global do que se imaginava, mas só pararia em séculos não de anos; Brasil seria afetado

Reportagens
5 de janeiro de 2017

2016 foi mesmo o mais quente, diz agência

Temperatura no ano passado chegou a 1,3oC acima da média pré-industrial, quase alcançando a meta de 1,5oC de limite “aquecimento seguro” que países se comprometeram a tentar atingir em Paris

Reportagens
9 de janeiro de 2017

O que o iceberg gigante tem a ver com você?

Um pedaço de gelo mais de três vezes maior que a cidade de São Paulo está para se soltar de uma plataforma glacial na distante Antártida. Saiba por que você deveria se preocupar com isso

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.