Enquanto grande parte da atenção da população e da mídia está naturalmente voltada à crise sanitária que assola o Brasil, mudanças importantes continuam ocorrendo nas legislações ambientais pelo país, em todos os níveis de governo. É o caso da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, onde nos últimos meses foram realizadas alterações que diminuíram o nível de proteção ambiental local: a aprovação do uso da licença ambiental por adesão e compromisso e a alteração do Plano Diretor da cidade para permitir a construção de empreendimentos em áreas ambientalmente sensíveis.
No último dia 16 de dezembro, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou, por 24 votos a 10, um projeto de lei proposto pela Prefeitura que autoriza a emissão de Licenças por Adesão e Compromisso (LAC) na cidade em empreendimentos de “pequeno e médio potencial poluidor”. A LAC foi proposta pelo então prefeito Nelson Marchezan Junior (PSDB) já nas últimas semanas de seu mandato e acabou sendo aprovada quinze dias do fim de um ano de pandemia. Esse tipo de licença para realização de empreendimentos também é conhecido como autolicenciamento, pois é emitida somente a partir de uma promessa do empreendedor em respeitar as normativas ambientais vigentes, dispensando a análise prévia do órgão ambiental competente para liberar o início das obras do projeto pretendido.
Para justificar a proposta, Marchezan afirmou, após a aprovação, que “a burocracia tem que servir para dar segurança às ações, mas muitas vezes elas passam dos limites. Dividindo a responsabilidade com o cidadão, vamos ainda incentivar a regularização das empresas e gerar mais desenvolvimento para a cidade”, justificou.
Francisco Milanez, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), rebate o ex-prefeito. Segundo o ambientalista, é importante tornar mais ágil o processo de emissão de licenças, desde que se mantenha o controle da questão ambiental: “De acordo com essa nova aprovação, o empreendedor que for mal-intencionado poderá usar esse novo licenciamento para omitir questões perigosas de poluição para facilitar sua vida e prejudicando a saúde de todos, como já aconteceu em outras ocasiões pelo Brasil, e quem pagará por isso será a população como um todo”, diz.
Beto Moesch, professor de Direito Ambiental, ex-vereador e ex-secretário do meio ambiente de Porto Alegre, foi o principal articulador da criação do antigo código ambiental do Rio Grande do Sul, aprovado em 2000. Para ele, o instituto da Licença por Adesão e Compromisso elimina dois dos principais princípios da proteção ambiental, o da prevenção e o da precaução, que buscam justamente evitar que danos ambientais ocorram antes de sua concretização, e não apenas mitigar o impacto depois que o empreendimento – e o dano – já esteja estabelecido. Nos outros processos de licenciamento ambiental, o papel da análise antes da liberação da licença cabe aos órgãos competentes das secretarias de meio ambiente, que tem por interesse principal zelar pelo bem comum e pela proteção ambiental. Por outro lado, o maior interesse do empreendedor é realizar o seu empreendimento, e mesmo que haja posterior fiscalização do órgão estatal, o estrago, muitas vezes irreparável, já estará feito.
Alteração no plano diretor
Apenas um dia após a aprovação do uso da LAC em Porto Alegre, a Câmara Municipal aprovou, no dia 17 de dezembro, um outro projeto de Lei Complementar que oferece risco à proteção ambiental na cidade. Com 24 votos favoráveis e 11 contrários, foi aprovada uma alteração no Plano Diretor da capital, permitindo a construção de grandes empreendimentos por parte da iniciativa privada em uma área específica na zona sul da cidade, conhecida como Ponta do Arado.
A Ponta do Arado compreende uma extensão de 426 hectares, com uma localização privilegiada às margens do Lago Guaíba. A área é de grande importância ambiental para a cidade. O local abriga banhados, fauna, flora e um sítio arqueológico que são protegidos. Além disso, a região é residência de famílias Mbyá Guarani, que buscam há vários anos a demarcação oficial da área como terra indígena. Ainda, conforme a iniciativa Preserva Arado, que luta pelo cuidado da região, o local cumpre funções importantes em termos ambientais: é uma planície de inundação das cheias do Guaíba, já que a área tem capacidade de absorver aproximadamente um bilhão de litros de água, agindo pela purificação das águas da chuva e do lago por conta da vegetação nativa, e pela purificação do ar e menores temperaturas.
Quando a alteração do plano diretor foi aprovada, antes da votação da matéria principal, um dos vereadores participantes apresentou uma proposta de emenda ao projeto, pretendendo assegurar pelo menos um acesso universal à beira do Guaíba para a população. Entretanto, a emenda foi rejeitada, e o projeto foi aprovado apenas com o intuito de garantir a possibilidade de grandes construções privadas no local, que há anos é cobiçado pela especulação imobiliária.
“Esse projeto beneficia a especulação imobiliária e as construtoras, significando mais prédios e estabelecimentos vazios na mão de alguns poucos endinheirados. Esse é o conteúdo político desse projeto, a continuidade de uma lógica de cidade exclusivista: uma cidade que se desenvolve para quem tem dinheiro, e os pobres, os indígenas, os ambientalistas e os territórios ancestrais são empecilhos que precisam ser deslegitimados”, diz a vereadora Karen Santos (PSOL), que votou contra a proposta.
Leia também
Soja e silvicultura tornam o Pampa o 2º bioma mais ameaçado do país
Substituição da pecuária por outras atividades devastam o bioma. Área degradada no Pampa ao longo de 7 anos área equivale a 23 cidades de Porto Alegre →
Mineradoras se voltam para o Rio Grande do Sul com quatro grandes projetos
O projeto mais avançado fica em área de alta vulnerabilidade ambiental junto ao oceano. Perto de Porto Alegre, a maior mina do carvão do Brasil tenta se instalar →
Novo código ambiental do RS é aprovado sem passar pela Comissão de Meio Ambiente
O projeto que altera cerca de 500 pontos do código anterior foi aprovado em 75 dias e após uma única audiência pública. Autolicenciamento é o ponto mais polêmico →
"…onde nos últimos meses foram realizadas alterações que diminuíram o nível de proteção ambiental local…"
Essa correlação foi feita pelo jornalista e pelos comentários da matéria. Mas, enquanto não se provar, isso ainda não passa de uma falácia. Alterar a norma não significa diminuir a proteção, já que as regras tem que ser seguidas do mesmo jeito. Tendo licença x ou y, procedimento a ou b, o problema é quem não segue a regra, não a regra em si.
Este é o problema sr. Geraldo.
Olhando para trás e constatando em anos de acompanhamento, que a cultura do brasileiro é a do "jeitinho", se "ninguem ver, passa".
Aí quando a lambança já foi feita, não adianta lamentar. Não existe termo de ajustamento de conduta que reverta.
Tem que chegar antes da lambança feita, não adianta chegar depois .