Reportagens

Povos indígenas discutem gestão ambiental e territorial no Maranhão

Protetores da maior porção de floresta nativa no estado, representantes de 12 povos indígenas realizam oficina para avançar com a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena

Cassio Bezerra ·
1 de outubro de 2024

Representantes de 15 territórios indígenas do Maranhão e de mais dois territórios do norte do Tocantins participaram, nos dias 18, 19 e 20 de setembro, em São Luís, da II Oficina de Governança Regional da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI). O objetivo foi discutir quais são os passos necessários para difundir essa política indigenista nos estados e municípios e para que ações previstas em diversas áreas, efetivamente, cheguem às Terras Indígenas. 

Especificamente sobre o Maranhão, foi definida a criação, ainda em outubro, de uma comissão para a estruturação da governança da PNGATI, que será formada por representações indígenas, organizações da sociedade civil e órgãos da Administração Pública. Um dos desafios será montar uma agenda de articulação de apoios interinstitucionais, assim como definir estratégias para o financiamento da política nos territórios.

A PNGATI traz perspectivas importantes para os povos indígenas em relação à pautas como proteção territorial e ambiental das Terras Indígenas, uso sustentável dos recursos naturais em iniciativas produtivas, recuperação de danos ambientais, proteção dos saberes, práticas e conhecimentos indígenas, entre outras, dispostas nos eixos ou objetivos específicos dessa política. 

Construída com ampla participação e protagonismo dos povos indígenas, a PNGATI foi instituída pelo Decreto Nº 7.774, assinado pela presidente Dilma Rousseff, em 5 de junho de 2012, e abandonada nos dois governos seguintes. O Estado Brasileiro somente retomou essa política no atual governo, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que reestruturou o Comitê Gestor da PNGATI e iniciou a realização das Oficinas de Governança Regional. 

Secretária nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do MPI, Ceiça Pitaguary. Foto: DEryck Johnnatan/MPI

“É importante observar como um texto de 2012 continua atual e como as pautas dos povos indígenas continuam sendo debatidas de forma muito precisa, como demarcação, proteção e gestão dos territórios. Então, tem tudo isso na PNGATI. E esse é um marco, um momento histórico que estamos vivendo: a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a retomada das políticas indigenistas”, afirmou a secretária nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do MPI, Ceiça Pitaguary, que é da Terra Indígena Pitaguary, no estado do Ceará.

Lei maranhense

No Maranhão, a Lei Estadual 11.638, de dezembro de 2021, que instituiu o Estatuto Estadual dos Povos Indígenas e criou o Sistema de Proteção aos Indígenas, favorece a efetivação da PNGATI. A Lei 11.638 define mecanismos importantes para o planejamento e execução de ações nos territórios indígenas, como a elaboração de um Plano Decenal Estadual de Políticas Públicas; a nomeação de um Conselho Estadual de Articulação de Políticas Públicas para Povos Indígenas no Maranhão (CEAPI) e a instituição do Fundo Estadual de Apoio aos Povos Indígenas (FEAPI) e da Secretaria Adjunta dos Direitos dos Povos Indígenas do Maranhão.

Secretária de Estado Adjunta dos Direitos dos Povos Indígenas, Rosilene Guajajara. Foto: DEryck Johnnatan/MPI

A Secretaria Adjunta dos Direitos dos Povos Indígenas foi criada no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Maranhão (SEDIHPOP). A secretária adjunta, Rosilene Guajajara, da TI Caru, foi quem propôs a realização da II Oficina Regional da PNGATI no Maranhão. “Essa oficina vai fortalecer ainda mais nosso trabalho, porque a gente não implementa política pública sem recursos. O objetivo é, justamente, mapear os parceiros e puxar a responsabilidade tanto dos municípios como do Estado para fazer a política pública chegar lá na ponta, na população indígena”, afirmou

A própria organização interna dos povos indígenas, em torno da proteção e conservação de seus territórios, também foi apontada como um fator favorável à PNGATI no Maranhão. Exemplos disso estão no trabalho de grupos de proteção territorial, como os Guardiões e as Guerreiras da Floresta, em territórios de grupos Tupi, nas Terras Indígenas Caru, Rio Pindaré, Awá e Alto Turiaçu; e os Agentes Ambientais das Terras dos Povos Timbira, como Krikati, Governador e Apinajé.

Esses grupos fazem expedições de monitoramento dos territórios e comunicam às autoridades quando identificam madeireiros, caçadores e outros invasores  além de realizarem pesquisas, etnomapeamentos, diagnósticos e levantamentos que subsidiam suas estratégias de gestão territorial e ambiental. 

“A gente sempre praticou boa parte do que está previsto nos eixos da PNGATI, principalmente, com a ajuda de parceiros: proteção territorial, monitoramento e vigilância dos territórios, combate aos incêndios, criação das brigadas, grupos de mulheres. Tudo isso já vem sendo feito nos territórios e há muito tempo. O que falta é fortalecer essa política, tanto da parte do próprio Poder Público, de destinar mais recursos para as ações dentro dos territórios, como tornar a PNGATI conhecida. Poucas pessoas a conhecem”, disse a assessora técnica do ISPN, Arlety Guajajara, que é da Terra Indígena Rio Pindaré. 

Na verdade, embora a PNGATI esteja sendo retomada agora pelos órgãos governamentais, durante esse hiato de cerca de seis anos, organizações da sociedade civil, especialmente, as indígenas e indigenistas, permaneceram adotando essa política como norteadora de suas ações. “A PNGATI é uma política de articulação em vários níveis e sempre contou, desde sua elaboração, com os esforços institucionais de setores de governo, mas também da sociedade civil organizada e, sobretudo, dos povos indígenas. Neste sentido, mesmo nos recentes tempos sombrios da política nacional, muitas ONGs, em aliança com os povos indígenas, mantiveram a PNGATI ativa, por meio de seus projetos e estratégias políticas e institucionais”, afirmou João Guilherme Cruz, coordenador do Programa Povos Indígenas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), durante o seminário.

Próximos passos

Um dos principais encaminhamentos resultantes da II Oficina Regional da PNGATI é garantir o aporte de recursos para que as ações previstas nos objetivos específicos, ou eixos dessa política, sejam realizadas. Um caminho é a regulamentação do Fundo Estadual de Apoio aos Povos Indígenas (FEAPI), já instituído no Estatuto Estadual dos Povos Indígenas do Maranhão. 

Também será instaurada uma Comissão de Acompanhamento da PNGATI no Maranhão, a partir da articulação entre órgãos governamentais, instituições parceiras e representações indígenas até a segunda quinzena de outubro de 2024. Uma reunião do Conselho Estadual de Políticas Públicas para os Povos Indígenas no Maranhão deve ocorrer até dezembro deste ano para estruturar a governança e discutir a transformação da Secretaria Adjunta de Direitos dos Povos Indígenas do Maranhão em Secretaria de Estado dos Povos Indígenas do Maranhão.

Desmatamento

A aplicação da PNGATI também promete reflexos significativos no combate ao desmatamento do Cerrado e da Amazônia, já que essa política pretende fortalecer aqueles que protegem esses biomas. No Maranhão, quase tudo que resta da Floresta Amazônica está dentro das Terras Indígenas.

O avanço do desmatamento é, hoje, a principal fonte de preocupação das lideranças indígenas maranhenses. O cacique da Aldeia Turizinho, da Terra Indigena Alto Turiaçu –  território que tem sofrido também com queimadas – Iracadju Ka’apor  destaca que os povos indígenas já atuam na proteção territorial e no manejo sustentável dos recursos naturais, mas critica a falta de apoio do Poder Público. A expectativa é de que a discussão da PNGATI facilite o diálogo com o Estado e municípios. 

“Hoje, as terras indígenas estão atuando na proteção do território, mas a gente vê que as instituições públicas não estão dando apoio para os povos indígenas. E a gente, como liderança, vê isso com grande preocupação. O desmatamento hoje está acelerando muito. A gente está vendo isso na mídia, na rede social, mas na prática também. A gente que está combatendo isso na prática, realmente. Então, eu acho que essa discussão pode abrir margem para dialogar com a instituição pública, para a gente ter mais apoio também”, explica.

A leitura do cacique aponta para a necessidade de mobilizar órgãos governamentais, co-responsáveis pela proteção territorial, gestão ambiental, saúde, e outras áreas, para que conheçam e adotem, na prática, a PNGATI, como também ressalta a coordenadora regional da FUNAI no Maranhão, Edilena Krikati. “A PNGATI é orientadora de como devemos proceder. O desafio está nas instituições, nos órgãos que também executam política de proteção e gestão, em compreender, entender e conseguir realmente implementar. Esse é o ‘X’ da questão”.

PGTAs

Para a coordenadora geral da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA), Marcilene Liana Guajajara, a PNGATI traz a expectativa da criação de um PGTA para cada território. “A PNGATI é um instrumento muito importante para os territórios indígenas, para os povos indígenas. Com essa rediscussão, novamente, trazendo isso para os povos indígenas, eu acho que vai facilitar a construção de um plano de gestão de cada território”, avalia.

Os PGTAs são ferramentas de planejamento importantes porque são documentos elaborados pelos povos indígenas para definir estratégias de gestão dos seus territórios em diversos aspectos, como a recuperação de áreas degradadas, a proteção territorial ou mesmo produção sustentável de alimentos. 

De 17 territórios demarcados no Maranhão, existe um PGTA das Terras Timbiras, que abrange seis territórios e há mais dois planos que estão em fase de elaboração, da Terras Indígenas Caru e Rio Pindaré, com apoio do ISPN, por meio do Projeto Aliança (CTI/ISPN/Coapima/Amima/Wyty Catë e apoio USAID). A TI Alto Turiaçu está em fase de elaboração de seu Plano de Vida, outra ferramenta de gestão que dialoga com a PNGATI, em parceria com a Flacso. 

O antropólogo e coordenador executivo do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Jaime Siqueira, destaca que  os PGTAs são referências importantes para a implementação de ações da PNGATI nos territórios, além de outros instrumentos de gestão, como diagnósticos e levantamentos. “Todas as terras sempre têm algum outro instrumento de gestão, além da própria vivência e conhecimento dos povos indígenas. O que falta é os governos apoiarem isso mais claramente”.

Assessora técnica do ISPN, Arlety Guajajara entrega para a secretária Rosilene Guajajara um exemplar do Diagnóstico Participativo para Elaboração do PGTA da Terra Rio Pindaré, produzido pelas comunidades em parceria com o ISPN. Foto: Eryck Johnnatan/MPI.

Durante a II Oficina Regional da PNGATI, João Guilherme Cruz distribuiu para  representações governamentais, indígenas e indigenistas exemplares do Portfólio de Micro e Pequenos Projetos Indígenas, publicação que reúne resultados do Projeto Gestão Ambiental e Territorial Integradas de Terras Indígenas na Amazônia Oriental – micro e pequenos projetos para melhoria da qualidade de vida e da conservação ambiental de territórios indígenas do Maranhão e do norte do Tocantins. 

A COAPIMA, ISPN e CTI, que atuam junto a povos indígenas, apoiaram a realização da II Oficina de Governança Regional da PNGATI. Ao todo, 12 povos indígenas do Maranhão e Tocantins estiveram representados na II Oficina de Governança da PNGATI, em São Luís.

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