A Comissão de Agricultura (CRA) do Senado aprovou na terça-feira (20) a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. O PL 1.818/2022, do Poder Executivo, teve parecer favorável do senador Paulo Rocha (PT-PA) e segue agora para votação na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
Aprovado pela Câmara dos Deputados em outubro do ano passado, o projeto teve como relatora a deputada Rosa Neide (PT-MT), que apresentou um substitutivo após ouvir pesquisadores em 30 audiências públicas.
A política prevê uma série de medidas para substituir gradativamente o uso do fogo no meio rural, promover a utilização das queimadas de forma controlada, principalmente entre comunidades tradicionais e indígenas, e aumentar a capacidade de enfrentamento aos incêndios florestais.
O projeto também regulamenta o uso do fogo na vegetação, com manejo realizado por técnicas preventivas autorizadas pelos órgãos ambientais.
O texto aprovado cria o Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, para articular, propor medidas e mecanismos, monitorar e estabelecer as diretrizes para execução da política. O comitê deverá ter, no mínimo, um terço da sua composição formada por representantes da sociedade civil.
“Às vezes um fogo pequeno numa pequena propriedade invade uma floresta e dá prejuízos terríveis para tudo, para a própria natureza, emitindo gases de efeito estufa, trazendo problemas de toda ordem. E nós só vamos superar isso quando, de fato, o governo e os países interessados puderem nos ajudar. Sem tecnologia, sem acesso a um tratorzinho pelo menos, a agricultura familiar, os ribeirinhos, as populações tradicionais, os quilombolas e os índios vão continuar botando fogo, não é? O fogo ainda é um grande aliado da agricultura familiar na Amazônia, e isso tem trazido sérios prejuízos”, afirmou o senador Zequinha Marinho (PL-PA).
Embora a narrativa defendida pelo senador tenha rastro na realidade das comunidades e populações citadas, tem também semelhança com a ideia propaganda pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) que, ainda em campanha em busca da reeleição, chegou a negar a gravidade do aumento das queimadas na Amazônia e em outros biomas, como Pantanal e Cerrado, afirmando que a maioria dos focos de incêndio não tinham fins criminosos por parte de proprietários de grandes fazendas, mas eram, na verdade, resultantes das práticas ancestrais dos habitantes dessas regiões.
“Pega fogo, né?”
As queimadas, sobretudo na Amazônia, foram uma pauta importante para o governo Bolsonaro. Em 2019, um aumento drástico de focos de incêndios na região amazônica divulgados pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Aeroespaciais) levou à exoneração do diretor do Instituto, Ricardo Galvão, um dos mais renomados cientistas do mundo.
A tentativa de Bolsonaro de descredibilizar as informações divulgadas pelo INPE não foi suficiente para evitar a pressão internacional em relação à política ambiental brasileira.
Apenas em 2022, de acordo com informações divulgadas pelo INPE em 31 de novembro, o bioma Amazônia acumula 101.215 focos de calor. Ainda que, historicamente, os anos eleitorais sejam marcados pelo aumento da incidência de focos, o número é 14% maior do que a média para o período e o maior em 11 anos.
O Pantanal também ardeu sob a gestão Bolsonaro. Em 2020 o bioma enfrentou a pior queimada de sua história. Segundo dados do Instituto SOS Pantanal, 29% do bioma foi atingido pelo fogo durante o período da seca, trazendo consequências catastróficas para os serviços ecossistêmicos e para a fauna da região. À época, o atual mandatário minimizou o ocorrido em conversa com apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.
“Pega fogo, né? O índio taca fogo, o caboclo, tem a geração espontânea. Lá na Amazônia, no Pantanal, a temperatura média é 43 graus. Ano passado, quase não pegou fogo, sobrou uma massa enorme de vegetais bons para isso que está acontecendo agora”, afirmou.
Cerrado em risco
Responsabilizar as populações tradicionais e minimizar as queimadas é um equívoco, de acordo com o dossiê Brasil em chamas: o poder político no rastro dos incêndios, publicado pela organização Agro É Fogo, no último mês de outubro. O levantamento utilizou dados do INPE e do IBGE, além de análises realizadas em campo no ano de 2021 e concluiu que os incêndios estão atrelados a contextos mais amplos ligados à expansão do agronegócio como invasões, desmatamento ilegal e grilagem.
Embora, de acordo com os dados do IBGE utilizados, os conflitos envolvendo fogo ocorram em todos os biomas, o Cerrado contínuo e suas zonas de transição acumularam 54% de todos os conflitos com fogo no país em 2021 – não por acaso, onde se concentra a importante frente de expansão da fronteira agropecuária conhecida por Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
De todos os conflitos ocorridos na Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal, 19% ocorreram apenas nas áreas de transição com o Cerrado, expandindo o potencial conflitivo que se alastra dele para as regiões ecológicas contíguas.
Os povos indígenas aparecem com maior número de ocorrências de ataques com fogo nos conflitos no campo (39%), seguidos pelas comunidades quilombolas e tradicionais (21%) seguidos por assentados da reforma agrária (14%), posseiros (11%) e trabalhadores rurais sem terra (9%).
Desta forma, é possível verificar que, ao contrário de serem os causadores do aumento dos focos de calor nos biomas brasileiros, as populações originárias e tradicionais, ainda que utilizem o fogo em suas práticas agrícolas, são na verdade as que sofrem de forma concreta a violência que é desferida com a queima de seus territórios por agentes externos.
Métodos de controle
O PL que segue para a Comissão de Meio Ambiente do Senado indica métodos de controle como a necessidade de autorização de queima controlada, que poderá ser dispensada caso a área a ser queimada não ultrapasse dez hectares e a queima seja realizada de acordo com as diretrizes do comitê nacional de manejo.
A norma define os tipos de queimada como controlada e prescrita. A primeira é a usada para fins agropecuários em áreas determinadas, e a segunda ocorre com planejamento e controle do fogo para fins de conservação, pesquisa ou manejo dentro do plano integrado.
As queimas prescritas serão permitidas com o procedimento regulado pelo órgão ambiental competente e de acordo com o plano de manejo integrado do fogo, observadas as diretrizes estabelecidas pelo Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
Se a queimada for para agricultura de subsistência exercida por povos indígenas, povos quilombolas e comunidades tradicionais, conforme seus costumes e tradições, o projeto não exige autorização, mas coloca algumas condições, como queima em épocas apropriadas, acordo prévio com a comunidade residente e comunicação aos brigadistas florestais temporários responsáveis pela área quando houver.
A implementação da política de manejo integrado nas terras dessas populações deverá ser feita pelo Ibama, em parceria com a Funai, com a Fundação Cultural Palmares, com o Incra e com a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União. Está prevista ainda cooperação técnica e operacional.
A elaboração do plano deve contar com a participação e concordância dessas populações e observar os protocolos comunitários, além de considerar os conhecimentos e práticas locais.
Quando o órgão ambiental autorizar a queima controlada em áreas limítrofes a terras indígenas ou territórios quilombolas e nas zonas de amortecimento de unidades de conservação, deverá informar aos órgãos gestores respectivos.
As brigadas voluntárias e particulares deverão se cadastrar junto ao corpo de bombeiros militar do estado em que atuarão. Caberá ao Ministério do Meio Ambiente a organização de um cadastro nacional de brigadas florestais.
A atuação do corpo de bombeiros militar nessas áreas ocorrerá de forma coordenada com os respectivos órgãos competentes por sua proteção ambiental, cabendo a esses órgãos a coordenação e direção das ações.
O controle dos incêndios florestais pressupõe a adoção de medidas preventivas e reativas, para minimizar os potenciais danos a serem causados a vidas humanas, fauna, flora, ecossistemas, patrimônio privado, entre outros.
Para 2023, de acordo com dados orçamentários divulgados pela equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os investimentos em combate e prevenção a incêndios passaram de R$54 milhões para insuficientes R$38 milhões. Apenas desde a vitória de Lula nas eleições, em 30 de outubro, houve um aumento de 1200% nos focos de incêndio na região amazônica.
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