Reportagens

Projetos aprovados no Congresso obrigam municípios a considerar as mudanças climáticas

Aprovados nas últimas duas semanas, projetos de lei que estabelecem diretrizes para planos de adaptação climática e resiliência urbana vão à sanção presidencial

Gabriel Tussini ·
24 de junho de 2024

Dois projetos aprovados recentemente pelo Congresso, e que agora dependem apenas da sanção presidencial para virarem lei, colocam a adaptação às mudanças climáticas obrigatoriamente no radar de todas as prefeituras do Brasil. Enquanto o PL 4129/21 estabelece parâmetros mínimos para planos de adaptação às mudanças do clima em nível local, municipal, estadual, regional e nacional, o PL 380/23 – o PL das Cidades Resilientes – muda o Estatuto das Cidades para determinar que todos os municípios adotem medidas que aumentem a resiliência das cidades às mudanças climáticas.

O primeiro deles foi aprovado na quarta-feira retrasada (12). O PL 4129/21, proposto pelos deputados e deputadas Tabata Amaral (PSB-SP), Nilto Tatto (PT-SP), Joenia Wapichana (REDE-RR), Alessandro Molon (PSB-RJ), Camilo Capiberibe (PSB-AP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), estabelece que os planos de adaptação devam identificar “efeitos adversos atuais e esperados” das mudanças climáticas no território, bem como estabelecer medidas e prioridades para enfrentar desastres, com objetivo de diminuir a vulnerabilidade e a exposição dos “sistemas ambiental, social, econômico e de infraestrutura, em áreas rurais e urbanas”.

Os investimentos realizados pelo poder público, de acordo com o texto aprovado, deverão ser feitos de forma coordenada, com base nos graus de vulnerabilidade identificados em estudos de análise de risco climático. As políticas públicas em todos os níveis deverão ser feitas em concordância com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, visando a diminuição de emissões de gases de efeito estufa – o que inclui a obrigação de estimular a diminuição de emissões na agropecuária –, e com a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. 

O texto prevê ainda a priorização, em cada plano, para as áreas de infraestrutura urbana e direito à cidade – a exemplo de ações nas áreas de habitação, áreas verdes, transportes, saneamento e segurança alimentar e hídrica –, infraestrutura nacional estratégica – como as de comunicações, energia, transportes, entre outras – e soluções baseadas na natureza, que integram, simultaneamente, “ações de adaptação e mitigação da mudança do clima”. Todas essas áreas deverão necessariamente considerar a adaptação às mudanças climáticas em seus projetos.

A elaboração dos planos deverá ser feita com a participação da sociedade civil – incluindo as populações mais vulneráveis às mudanças do clima e o setor privado, “compatibilizando a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico”. Revisões deverão ser realizadas a cada 4 anos, junto com os Planos Plurianuais dos governos federal, estaduais e municipais. Cada esfera de governo deverá disponibilizar os seus planos de adaptação na íntegra, pela internet, e eles poderão ser financiados pelo Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC).

Senador Alessandro Vieira (MDB-SE) foi relator do PL dos planos de adaptação no Senado. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Apesar dos pontos positivos, o texto aprovado pelo Senado – após o projeto já ter sido aprovado na Câmara, no fim do ano passado – ainda acabou enfraquecido ao ser novamente analisado pelos deputados. Isso porque dois dispositivos que previam a consideração de fatores de “etnia, raça, gênero, idade e deficiência” na análise de vulnerabilidades, incluídos pelo relator do projeto no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), acabaram sendo retirados pelo relator dessas alterações na Câmara, o deputado Duarte Junior (PSB-MA).

Como detalhou o Instituto Socioambiental, Duarte Junior chegou a apresentar um relatório inicial recomendando a aprovação total do texto do Senado, mas retirou os trechos mencionados após pressão de parlamentares da extrema-direita. Dessa forma, o foco no combate ao racismo ambiental – a forma como os efeitos das mudanças climáticas atingem de forma desigual populações racializadas – não será mais, necessariamente, uma obrigação dos governos.

Já o PL 380/23 – também conhecido como PL das Cidades Resilientes –, proposto pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e aprovado nesta quinta-feira (20), modifica o Estatuto das Cidades para incluir, entre as diretrizes gerais das políticas urbanas, a “adoção de medidas integradas” de adaptação às mudanças climáticas e “a mitigação dos seus impactos, de forma a garantir a resiliência das cidades a essas mudanças, com prioridade para contextos de vulnerabilidade”. Essas ações deverão ser tomadas pelos municípios com base em “estudos de análise de riscos e vulnerabilidades climáticas”.

Preparação dos municípios

Uma audiência pública realizada nesta quinta – mesmo dia da aprovação do PL das Cidades Resilientes –, na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, tratou de ações que os municípios podem adotar para melhorar sua adaptação às mudanças climáticas. Na sessão, o presidente da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Mário William, apresentou 17 orientações aprovadas pela instituição para “ações de segurança e resiliência em caso de desastres naturais”, informou a Agência Câmara.

Entre as normas mencionadas por William estão as que tratam de “salas de crise” para monitoramento climático e gestão de desastres, a exemplo do Centro de Operações Rio, criado no Rio de Janeiro em 2010, após grandes inundações atingirem a cidade. “Em uma das previsões de tempestades, foi decretado ponto facultativo. E realmente houve invasão do mar nas ruas, houve inundações. Isso ajudou a prevenir graves situações”, disse o presidente da ABNT. “Então, essa é a função dessa norma: orientar com antecedência a população a tomar os devidos cuidados de proteção”, completou.

O deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que solicitou a audiência, afirmou que vai protocolar um projeto de lei que visa tornar a criação desses centros de operações obrigatória em todo o país.

Mário William mencionou ainda outras normas, como as que tratam de “diretrizes para a gestão de incidentes, continuidade de negócios e retomada de atividades pós-desastres e certificação de ‘cidades sustentáveis’”, segundo a Agência Câmara. De acordo com o convidado, apenas as cidades de São José dos Campos e Jundiaí, ambas no estado de São Paulo, têm a certificação de “cidades sustentáveis” atualmente.

A citada Jundiaí, por sinal, também mostra estar atenta às discussões sobre planos climáticos que ocorrem a nível federal. Com auxílio da plataforma Diários do Clima, que filtra normas ambientais publicadas nos diários oficiais municipais de 395 cidades brasileiras, a reportagem encontrou a publicação do PL 14366/24, proposto pelo prefeito Luis Fernando Machado (PL), já aprovado pela Câmara Municipal e que agora depende apenas da sanção do prefeito para virar lei.

Entre as diversas modificações que o projeto traz ao Plano Diretor da cidade está a criação da Política Municipal de Mitigação das Mudanças Climáticas – que cita, entre outros objetivos, “ações de defesa contra as consequências das mudanças climáticas ou os eventos meteorológicos e climatológicos extremos”, “identificar ações de combate às causas das mudanças climáticas, ou da crescente elevação da temperatura média do planeta”, e a participação social nas ações de adaptação e a cooperação com municípios vizinhos.

Vista aérea de Canoas, Rio Grande do Sul, em 5 de maio de 2024. Foto: Reuters/Folhapress

O projeto prevê a criação de um inventário de emissões de gases do efeito estufa resultantes de atividades humanas e um plano com detalhamento de ações “essenciais” para a redução, no município, de 50% dessas emissões até 2030. Também deverão ser detalhadas as vulnerabilidades climáticas da cidade, com identificação das ameaças de eventos extremos e, como parte de um plano de adaptação e mitigação, a elaboração de um cronograma para implementação de ações que fortaleçam a resiliência climática da cidade.

O projeto também determina a ampliação e aprimoramento de uma série de ações ambientais por parte da prefeitura, como a arborização urbana, o aumento da permeabilidade do solo, desassoreamento de rios, monitoramento da qualidade do ar e um programa de hortas urbanas, entre outras.

Essa está longe de ser uma realidade para todas as cidades brasileiras atualmente, inclusive nas capitais. Um levantamento divulgado no mês passado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) revelou que, das 27 capitais brasileiras, 15 não têm qualquer plano de enfrentamento às mudanças climáticas.

Segundo o instituto, ainda não tem esse plano as cidades de Aracaju (SE), Belém (PA), Boa Vista (RR), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Goiânia (GO), Maceió (AL), Macapá (AP), Manaus (AM), Natal (RN), Palmas (TO), Porto Velho (RO), São Luís (MA) e Vitória (ES), além de Porto Alegre (RS), que sofre até hoje com as consequências dos grandes alagamentos registrados no mês passado – de acordo com o instituto, a capital gaúcha está com o documento “em processo de elaboração”, assim como Manaus (AM), Belém (PA) e Vitória (ES).

Porém, após a sanção dos dois projetos de lei aprovados no Congresso, todos os municípios brasileiros deverão incluir a agenda de adaptação às mudanças do clima em suas políticas públicas. Eles terão, para auxiliar na elaboração desses planos, diretrizes mínimas estabelecidas em lei federal e oportunidades de financiamento para a implementação de seus planos de adaptação.

  • Gabriel Tussini

    Estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redator em ((o))eco e interessado em meio ambiente, política e no que não está nos holofotes ao redor do mundo.

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