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Publicado originalmente por Amazônia Vox
A bacia do rio Caeté é fonte de vida para seis municípios do Pará. Desde que nasce, em Bonito (PA), forma uma área com pouco mais de 2.100 km², e percorre um caminho de 149 quilômetros até chegar na cidade de Bragança e se deparar com o litoral amazônico, onde a água doce se mistura com a água salgada do oceano Atlântico. Para esse ponto de encontro das águas de Bragança, se dá o nome estuário, e é nesta zona do Rio Caeté e da praia de Ajuruteua que, em fevereiro de 2022, Ubiratan Pinheiro e Moisés Abbade fundaram a Muiraquité com a iniciativa de unir a prática da canoagem ao lazer, em um esporte de pura conexão com a natureza.
Não demorou para que o clube seguisse o fluxo natural da relação que os remadores têm com o ecossistema e a biodiversidade do lugar. Ubiratan, professor, uniu sua vocação pelo ensino à prática esportiva para mobilizar as pessoas no cuidado com o meio ambiente. Apaixonados por esportes aquáticos, os dois usaram o clube como uma organização para promover a preservação dos manguezais e realizar projetos educativos com as comunidades locais.
O nome faz referência aos amuletos de proteção indígenas e a missão do grupo é fortalecer o cuidado com a biodiversidade local, a educação ambiental, e incentivar a prática de atividades físicas e hábitos saudáveis. Para eles, o esporte traz uma nova percepção sobre o meio ambiente e o papel das pessoas na sua conservação.
“Quando você consegue entender essa conexão da água, da natureza com o esporte, você passa a viver e se sentir parte dessa natureza. Você começa a entender que é um animal pertencente ao espaço em que vive e não o espaço que pertence a você. Eu acho que essa virada de chave é muito importante e é o esporte que te coloca nessa situação” afirma Ubiratan.
A Amazônia dos mangues e dos oceanos, desconhecida por boa parte dos brasileiros, tem grande importância ecológica para a biodiversidade marinha e são fundamentais para o desenvolvimento da vida na região. Os manguezais são áreas de transição entre o mar e a terra, e funcionam como berçário para diversas espécies de animais e plantas, criando condições únicas de alimentação e reprodução, além de desempenhar um papel essencial na captura de CO2, formando reservatórios de carbono fundamentais para frear a crise do clima.
Entendendo a importância desses ecossistemas, o Muiraquité começou a direcionar seus esforços para projetos educativos com instituições de ensino. “A gente começou a direcionar os nossos projetos para essa educação. Então, nós já fizemos projetos com escolas de ensino fundamental e médio, com o IFPA [Instituto Federal do Pará], com a UFPA [Universidade Federal do Pará]… agora [tem parceria] com projetos ambientais em coleta de água, para ver a quantidade de microplásticos que tem nessa região da Amazônia Atlântica”, informa o fundador.
A canoagem foi a responsável por reconectar Cristiane Martins com a natureza. Depois que começou a praticar o esporte, os momentos de maior felicidade da bióloga e remadora são dentro d’água. Navegar em uma região tão única fez despertar nela o cuidado com a preservação do local e mobilizar os moradores de Bragança para a conscientização. “Então, existe preocupação de fazer ação com as escolas, com os estudantes, de promover a educação ambiental, de usar o rio como um meio de ensino mesmo, sabe? Essa prática esportiva acaba sensibilizando o nosso olhar, dando uma outra lente, uma outra perspectiva de mundo mesmo.”, explica a bióloga.
Diferente de boa parte da costa brasileira, os manguezais da região Norte são os mais preservados do mundo, além de serem os mais extensos. A conservação se deve à baixa densidade populacional e à presença de unidades de preservação, como as Reservas Extrativistas, onde vivem comunidades ribeirinhas que ajudam a manter esse bioma vivo e dele tiram sua alimentação e renda.
Um estudo do Laboratório de Ecologia de Manguezal da Universidade Federal do Pará (UFPA) aponta que as áreas amazônicas com mais moradores são as que enfrentam os maiores índices de degradação desses ecossistemas. Bragança é o maior município da bacia hidrográfica do rio Caeté, com cerca de 120 mil habitantes, segundo oInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, por isso, os esportistas aquáticos assumem um papel valioso de agentes da conservação. Kelly Crisiane, membro da Associação de Velejadores da Região Bragantina, é uma dessas agentes.
A velejadora conta que a organização promove mutirões de limpeza na praia de Ajuruteua e nos rios que cortam a cidade para envolver a população em ações de preservação, fazendo a comunidade entender o peso das suas ações na natureza. “Eu fico muito triste quando, às vezes, a gente vai velejar ou fica perto do mangue, e consegue ver garrafas, lata de cerveja, as pessoas jogando cerveja pela janela do carro… é uma sensação ruim porque a gente, poxa vida, a gente está aqui”, desabafa.
Mais do que uma atividade física, a canoagem na região se tornou um meio de resgatar a relação das pessoas com a natureza e sensibilizá-las para a importância da preservação do ecossistema.”Nos últimos anos, os momentos que eu estou mais feliz são dentro d’água”, compartilha a bióloga Cristiane, ecoando o sentimento de muitos que se conectam ao ecossistema local por meio do esporte. “Essa região é, de fato, muito única; Então existe uma preocupação que a gente tem de manter o rio limpo, […] de usar o rio como um meio de ensino mesmo, sabe? Essa prática esportiva acaba sensibilizando o nosso olhar, dando uma outra perspectiva de mundo mesmo.” A canoagem, para ela, foi um caminho de reconexão com a natureza.
Letícia Santos, remadora e fotógrafa, reforça como a prática esportiva proporciona um despertar da relação humana intrínseca ao ambiente que nos cerca.“Quando vai para a água, pelo menos para a gente que tem muito esse contato com o mar, com o rio, toca a gente de uma maneira muito singular. Estar perto do mar, remar no mar, remar no rio, nos proporciona essa consciência. A gente precisa ter, para poder navegar, e não só navegar, mas ter amor e zelo por aquilo que é nosso”, esclarece Letícia.
Através do esporte, comunidades inteiras são mobilizadas a cuidar daquilo que as sustenta, inspirando um ciclo virtuoso de proteção ambiental. Em um momento crítico para o clima e a biodiversidade global, cada ação local, como a remoção de um plástico das águas ou a participação em mutirões de limpeza, faz toda a diferença. “Você é lindo, você é lindo [Oceano]. E nós precisamos ficar juntos, precisamos nos cuidar”, afirma Kelly, ressaltando a interdependência entre a humanidade e o meio ambiente. A conexão proporcionada pelo esporte nos lembra que não somos o centro, mas parte de um todo maior, e que preservar o meio ambiente também é preservar o futuro da nossa sobrevivência na Terra.
Com reportagem de Larissa Noguchi, texto de Vitória Faria, edição de Alice Martins e fotos e vídeos de Márcio Nagano. Publicado originalmente por Amazônia Vox.
A reportagem recebeu apoio do 4º Edital Conexão Oceano de Comunicação Ambiental 2024, da Fundação Boticário realizado em cooperação com a UNESCO, em sintonia com a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável.
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