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Rio Grande do Sul perdeu 22% de sua cobertura vegetal nas últimas décadas

Levantamento exclusivo de ((o))eco mostra que o passivo de Reserva Legal e APP no estado chega a quase 400 mil hectares. Vegetação ajuda a controlar enchentes

Cristiane Prizibisczki ·
17 de maio de 2024

Há pouco mais de dois meses, a empresa de extensão rural do Rio Grande do Sul, Emater, anunciou estimativa de aumento de 71% na produção de soja no estado, com um aumento de mais de 20 mil hectares na área plantada. Considerando também o arroz, feijão e milho, somente entre 2022 e 2023, mais de 70 mil hectares foram convertidos em monoculturas em terras gaúchas. Agora, o estado paga o preço dessa conversão. 

Segundo levantamento do MapBiomas, ao qual ((o))eco teve acesso, entre 1985 e 2022, o Rio Grande do Sul perdeu 22% de sua vegetação nativa – o equivalente a uma área de 3,6 milhões de hectares de florestas, campos nativos e áreas pantanosas que foram convertidos em áreas antropizadas, principalmente para a plantação de soja.

Mudança da cobertura vegetal no RS entre 1895 e 2022. Em verde, as áreas vegetais. Em bege, as antropizadas. Imagem- ((o))eco, com dados do MapBiomas

Quando considerada somente a área mais atingida pelas enchentes que agora assolam o estado, a perda da cobertura vegetal é ainda maior. Na Bacia Hidrográfica do Guaíba, 1,3 milhão de hectares de vegetação nativa foram destruídos entre 1985 e 2022, o que corresponde a 26% da região.

“Um dos serviços ecossistêmicos prestados pela vegetação nativa é o de assegurar uma boa infiltração da água da chuva no solo e a consequente diminuição do escorrimento superficial, evitando, com isso, o rápido acúmulo de água nos riachos e rios”, disse o MapBiomas em sua análise.

Passivo Ambiental

A maior parte da vegetação nativa ainda existente em terras gaúchas está nas mãos de particulares. De acordo com dados do governo do estado, são cerca de 500 mil imóveis rurais cadastrados, que ocupam aproximadamente 90% do território do estado. 

O Código Florestal – lei aprovada em 2012 que instituiu as regras gerais sobre onde e de que forma a vegetação nativa do território brasileiro pode ser explorada – determina que, no Rio Grande do Sul, 20% da área de cada imóvel rural precisa ser preservada, além de beiras de rios e topos de morros. Mas não é isso que vem acontecendo. 

Segundo levantamento realizado com exclusividade para ((o))eco pelo Observatório do Código Florestal (OCF), hoje o estado possui cerca de 400 mil hectares de passivo de Reserva Legal e Área de Proteção Permanente (APP), cerca de 10% do total.

São áreas que, por lei, precisariam estar preservadas, mas não estão. E que não devem ser regularizadas tão cedo. Isso porque, segundo apontou o OCF, o Rio Grande do Sul é o único estado da região sul do país e um dos cinco em todo o Brasil que ainda não regulamentou seu Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Imagem: Gabriela Güllich/((o))eco, com dados do Observatório do Código Florestal

“No Brasil a implementação do Código Florestal enfrenta uma série de desafios, principalmente devido à falta de regulamentação em diversos estados. O Rio Grande do Sul, por exemplo, além do histórico de alteração da sua legislação ambiental de uma forma negativa e com mudanças que têm efeitos gravíssimos, não avançou na implementação da norma”, diz Jarlene Gomes, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), organização integrante do Observatório.

Dentre as mudanças no arcabouço ambiental citadas por Jarlene Gomes estão as alterações promovidas por Eduardo Leite (PSDB) no código ambiental do estado. A pedido do governador, a Assembleia do Rio Grande do Sul aprovou em 2020 um novo código, alterando 480 normas ambientais

Em janeiro deste ano, por pressão do agronegócio, os deputados aprovaram uma lei que permite obras de irrigação e geração de energia em Áreas de Proteção Permanente.

Marcelo Elvira, assessor em advocacy e políticas públicas do Observatório do Código Florestal, lembra que as APPS têm, dentre outras funções, o objetivo fundamental de preservar recursos hídricos, as paisagens, a estabilidade geológica e proteger o solo, já que ela armazena a água e a encaminha gradualmente para os rios.

Já a Reserva Legal tem como função auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, podendo também exercer papel importante em termos de infiltração de água, de forma a garantir mais estabilidade hídrica.

“É inegável, portanto, que tanto a APP quanto a RL são fundamentais para combater eventos extremos como os que estão acontecendo no Rio Grande do Sul, pois desempenham papel fundamental no regime das águas e para o equilíbrio ecológico. Quanto mais o Código Florestal estiver implementado e essas áreas protegidas, maior a capacidade do ecossistema reagir positivamente a eventos extremos. A falta de regulamentação do PRA, por exemplo, mostra o total descaso com a agenda ambiental e a real percepção sobre o tamanho do problema”, diz Elvira.

Até a noite de quinta-feira (16), as enchentes no RS já haviam deixado 151 mortos, 806 feridos, 104 desaparecidos e 540 mil desalojados, segundo dados da Defesa Civil no estado

As perdas na produção de grãos ainda não foram contabilizadas, mas estimativas preliminares calculam cinco milhões de toneladas de redução de oferta.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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Comentários 3

  1. Prezada Cristiane
    Parabéns pelo texto, mas você não incluiu a Lei da Mata Atlântica, que é específica para esse Bioma e mais restritiva do que o Código Florestal, ou seja, as florestas do Rio Grande do Sul que estão sendo desmatadas têm a proteção desta lei, que vai além de proteger APP e de reserva legal.


  2. paulo Issa diz:

    Boa Tarde Cristiane
    Ultra Realista o que os gaúchos deixaram acontecer ,durante decádas , em seu Estado onde a ecologia não é levada a serio , com a real destruição do meio ambiente em prol de agronegócio , ganancioso e sem limites . E a Mãe Natureza vem assistindo , até perder a paciência.
    Tomara que caia a ficha …
    Parabéns pela Matéria


    1. Realista? Quall é a base cientifica para associar as enchentes ao desmatamento? Em 1816 ocorreu a maior catástrofe ambiental nos EUA, ano em que não aconteceu verão somente chuvas frio e nevascas as estação toda.
      Tres mil anos antes de cristo, o Nilo secou completamente tamanha foi a seca. NUNCA na historia o Nilo havia secado;
      Em 1941 houve enchente parecida com a atual aqui no RS.

      A PARGUNTA É? QUAL O DESMATAMENTO, OU POLUIÇÃO AMBIENTLA QUE HAVIA NESSAS EPOCAS?

      Entao, catastróficas são essas conclusões sem amparo cientifico. Os antigos sacerdotes faziam algo parecido. Quando queriam amedrontar o povo e conseguir sua obediência, ate um simples raio era usado lhe atribuindo castigo de deus.