Reportagens

Sai a floresta, entra o pasto: Amazônia (des)protegida

Mesmo dentro de unidades de conservação que deveriam impedi-las, as pastagens avançam e gado chega ao mercado de carne

Duda Menegassi ·
22 de dezembro de 2022 · 2 anos atrás

A agropecuária é o maior vetor de desmatamento da Amazônia brasileira. Nenhuma novidade. Enquanto a floresta cai e queima, a estratégia de “colonizar” através do boi não respeita nem mesmo os limites das áreas que, pelo menos no papel e na letra da lei, deveriam manter de pé a vegetação nativa. As unidades de conservação deveriam ser áreas a salvo desse avanço da pata do boi. Entretanto, um levantamento exclusivo realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) a pedido de ((o))eco revelou a presença das pastagens dentro de unidades de conservação da Amazônia Legal, inclusive de caráter mais protetivo, como reservas biológicas e parques.

Para fazer esta análise, foi feita a coleta das bases de dados de unidades de conservação (UCs) da Amazônia Legal disponíveis em domínio público pelo órgão federal (ICMBio) e estaduais (nas respectivas secretarias). Para as informações sobre pastos, o levantamento utilizou a base de dados já consolidada do Atlas das Pastagens, do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG). A partir dessas informações foi feito o cruzamento entre as áreas de pasto e os limites das UCs e, com isso, feito o cálculo da extensão das pastagens dentro dela, em tamanho total e proporcional em relação à unidade.

Apesar da investigação considerar todas as UCs nos nove estados que compõem a Amazônia Legal, para esta análise foi feito um recorte das áreas protegidas inseridas no bioma Amazônia.

O levantamento completo você acessa nesse mapa interativo:

Em extensão, a unidade de conservação amazônica com maior presença de pastagem foi a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no sul do Pará, onde foram constatados 442.629 hectares de pasto. A pastagem corresponde a 26% do território da APA e representa quase três cidades de São Paulo somadas.

Não à toa, a APA foi identificada este ano como a área protegida mais pressionada pelo desmatamento na Amazônia em um levantamento trimestral realizado pelo Imazon. Sobreposta ao Arco do Desmatamento, a unidade de conservação de uso sustentável foi criada em 2006 e é administrada pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas-PA).

((o))eco entrou em contato com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas-PA), mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.

Outras duas APAs completam o pódio das unidades de conservação com maiores áreas de pastagem: Baixada Maranhense (MA), com 381,8 mil hectares de pasto; e Lago de Tucuruí (PA), com 119,9 mil hectares. As áreas equivalem a 22% e 21%, respectivamente, dos limites das UCs.

Já em termos proporcionais, as unidades de conservação mais tomadas por pastos são três vizinhas, todas “Florestas Estaduais de Rendimento Sustentado”, localizadas em Rondônia: Araras, Mutum e Periquito, com 81, 77 e 72% de pastagem dentro dos seus perímetros, respectivamente.

As unidades são uma variação da tradicional categoria de “Floresta”, prevista pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). De acordo com os decretos que criaram as três UCs rondonenses – todos de 1996 – , elas são destinadas à “aplicação de sistemas silviculturais em florestas, objetivando a produção auto sustentada dos recursos naturais renováveis e a condução da regeneração natural do povoamento remanescente, de modo a garantir a capacidade produtiva da floresta com o mínimo de alteração dos ecossistemas”. 

Alvo de uma batalha judicial por seus limites desde o ano passado, a Reserva Extrativista Jaci-Paraná, também em Rondônia, tem 98.801 hectares de pasto, o equivalente a metade do seu território.

A reportagem procurou a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam-RO) para comentar a situação das UCs, mas não obteve nenhuma resposta. O espaço segue aberto.

Até mesmo unidades de conservação de proteção integral, a classe que, por lei, exige a maior preservação, dividem suas fronteiras de floresta com pastagens. Nesta lista particular, lidera o Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Mato Grosso. O parque, criado em 1997, possui cerca de 158 mil hectares de extensão, dos quais mais de 30 mil são pastos, o que equivale a 19% da unidade.

Outro parque mato-grossense na lista é o Cristalino II, em limbo jurídico há mais de três meses, enquanto aguarda decisão sobre seu futuro. Quase 8 mil hectares do parque, cerca de 6% do total, estão cobertos de pastagem.

A Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso esclareceu que nos parques estaduais Cristalino II e Serra Ricardo Franco, “a criação das Unidades de Conservação ocorreu após áreas particulares já estarem consolidadas. Estas áreas consolidadas podem permanecer em uso, mas não devem ser ampliadas”. 

“No caso da Serra Ricardo Franco, há mais de 50 decisões judiciais autorizando que os proprietários continuem com a criação de gado na Unidade de Conservação até que seja feita a indenização destas áreas de uso consolidado”, acrescenta a nota da Sema-MT (leia a resposta na íntegra). 

Nem mesmo as reservas biológicas, a categoria de UC mais restritiva de todas, escapam do avanço dos pastos. Dentro da Reserva Biológica do Gurupi, no Maranhão, estão 22.268 hectares de pastagem, o que representa 8% da área protegida. Na Reserva Biológica Nascentes Serra do Cachimbo, no Pará, dos 342 mil hectares, mais de 21 mil são pasto, cerca de 6%.

Gado de áreas protegidas ainda chega no mercado

Onde tem pasto, tem boi e a produção de gado dentro de áreas protegidas foi destaque de um estudo publicado na Conservation Letters em outubro deste ano. O artigo considerou unidades de conservação e Terras Indígenas nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia.

A pesquisa compilou as principais bases de dados para identificar e rastrear gado produzido em propriedades pelo menos parcialmente dentro de áreas protegidas nos três estados, que é vendido para frigoríficos e chega no mercado, mesmo com origem provavelmente ilegal.

De acordo com a pesquisa, entre 2013 e 2018, um total de 3,3 milhões de cabeças de gado foram produzidas dentro de áreas protegidas nos três estados. Essa cifra representa apenas 5% do total abatido nos estados.

A maior parte desses bois (72%) foi criada em propriedades sobrepostas às unidades de conservação de uso sustentável como Áreas de Proteção Ambiental e Reservas Extrativistas. Outros 20% foram produzidos nas de proteção integral, como Parques e Reservas Biológicas, e 8% sobreposto a Terras Indígenas.

Desses 3,3 milhões, os maiores fornecedores, diretos ou indiretos, que conseguiram levar seus bois aos frigoríficos vieram de dentro de três Áreas de Proteção Ambiental: Triunfo do Xingu (33%) e Lago de Tucuruí (8%), ambas no estado do Pará, e Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, com 6%. 

O resultado confirma os dados sobre onde estão as maiores áreas de pastos identificadas pelo levantamento do Imazon feito em parceria com ((o))eco. A APA de Chapada dos Guimarães, com 61.498 hectares de pasto, não foi considerada por estar inserida no bioma Cerrado.

A Floresta Nacional de Jamanxim, também no Pará, aparece em quarto no “ranking” com 6% do total. O levantamento do Imazon mostra a presença de 109.885 hectares dentro da UC, o equivalente a 6% da Flona.

Entre as UCs de proteção integral, quem mais produziu gado foram as propriedades sobrepostas ao Parque Estadual Serra Ricardo Franco (MT), com 10%; seguido pela Reserva Biológica Nascentes Serra do Cachimbo (PA), com 3%; e o Parque Nacional dos Campos Ferruginosos (PA), com 2% do total.

Entre as Terras Indígenas, no topo da lista estão os territórios Kayabi (2%), habitada pelos povos Apiaká, Kawaiwete e Munduruku, entre os estados de Mato Grosso e Pará; Kayapó (2%), onde vivem os Isolados do Rio Fresco e os Mebêngôkre Kayapó, no Pará; e Batelão (1%), habitada pelos Kawaiwete, em Mato Grosso.

Rastrear é preciso

Por questões sanitárias, todas as transações de gado são registradas através das Guias de Trânsito Animal (GTA). Os pesquisadores cruzaram essas guias com a base de dados de mapas disponíveis – Cadastro Ambiental Rural (CAR), assentamentos do Incra e os limites das áreas protegidas. A análise considerou o período de 2013 a 2018, recorte para o qual os dados de GTA estavam disponíveis nas bases de dados dos três governos estaduais mapeados.

Ao todo, o estudo identificou 19.782 propriedades sobrepostas pelo menos parcialmente com alguma categoria de área protegida nos três estados. Dessas, 9.150 (46%) tinham mais de 25 hectares de pastagem em 2018, “o que sugere que eles podem ter produzido gado em algum momento”, alertam no texto. Entretanto, apenas 3.878 propriedades, cerca de um quinto do total, puderam ser conectadas à transações registradas por GTAs no período. 

“Nós baixamos os registros de trânsito de gado e os limites de propriedades e conectamos esses dados usando ciência de técnica da computação. Isso nos permitiu seguir o fluxo de gado através da Amazônia. O gado normalmente é movido por duas a três fazendas antes da venda pros frigoríficos, o que significa que é crítico rastrear toda a cadeia de abastecimento de carne, ao invés de apenas o elo final da venda para os frigoríficos”, explica a pesquisadora Holly K. Gibbs, do Nelson Institute for Environmental Studies, da Universidade de Wisconsin-Madison, e uma das autoras do artigo. 

Segundo as estimativas conservadoras dos pesquisadores, pelo menos duas vezes mais bovinos criados em áreas protegidas chegaram aos frigoríficos por meio dos fornecedores indiretos (os que vendem bezerros e bois para engorda), do que pelos diretos.

“A maior exposição dos frigoríficos ao gado ilegal vem de fornecedores indiretos. Identificamos 3.061 propriedades, de 53 UCs de uso sustentável, 23 de proteção integral e 39 de terras indígenas, que venderam gado para 6.315 fazendas de engorda localizadas fora das UCs, que por sua vez venderam gado para 375 frigoríficos”, revela a pesquisa. 

De acordo com o estudo, essas fazendas de engorda venderam 9 milhões de cabeças para frigoríficos, das quais os cientistas estimam que quase um quarto – 2,2 milhões – foram pelo menos parcialmente produzidas dentro de áreas protegidas. 

“Em última análise, o Brasil precisará de rastreabilidade no nível do animal para banir a lavagem e o aumento do desmatamento em outras áreas e biomas. É importante impulsionar esses esforços e garantir que o Brasil caminhe em direção a esse objetivo fundamental. Nesse ínterim, no entanto, o GTA fornece um caminho fundamental para começar a impedir que mais desmatamento entre nas cadeias de abastecimento de gado. Temos rastreado as cadeias de abastecimento de gado por quase 15 anos, e está claro que o desmatamento simplesmente se deslocou para a parte indireta das cadeias de abastecimento pelos produtores, que mudaram seu papel ou simplesmente sua papelada. O Brasil precisará fazer mudanças significativas para atender às crescentes demandas da União Europeia por carne bovina e couro sem desmatamento”, avalia Holly.

Em conversa com ((o))eco, a pesquisadora conta ainda que apesar do estudo considerar as transações apenas até o ano de 2018, eles continuam o monitoramento, com atenção especial ao território paraense. “Nós rastreamos a produção contínua dentro de unidades de conservação e Terras Indígenas no estado do Pará e observamos vendas e desmatamento contínuos. As tendências são semelhantes às dos anos anteriores. Em breve teremos um estudo mais detalhado focado no estado”, adianta.

Foto: Marcio Isensee e Sá.

TACs da Carne

Justamente o estado do Pará foi o primeiro a assumir um compromisso para livrar a cadeia da pecuária do desmatamento ilegal através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com os frigoríficos a partir de 2009. Dos 49 estabelecimentos com volumes relevantes de venda no estado, apenas 13 ainda não assinaram o TAC – dentre elas a gigante Marfrig.

Os acordos, chancelados pelo Ministério Público Federal (MPF) dentro do programa Carne Legal, foram ampliados para todos os estados da Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A fiscalização do cumprimento dos termos se dá por auditorias periódicas cujos resultados são avaliados pelo próprio MPF.

Os compromissos, entretanto, ainda não mostraram a força suficiente para livrar a cadeia do desmatamento e da produção de gado em área ilegal. De acordo com o estudo publicado na Conservation Letters, nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia, frigoríficos que assinaram o TAC compraram 0,86 milhão de cabeças de gado de propriedades em áreas protegidas entre 2013 e 2018.

“Enquanto os acordos inicialmente proibiram (ou pelo menos limitaram) a compra de gado de qualquer área protegida, o gado pode ser criado legalmente em uma fazenda dentro de certas UCs de uso sustentável. Ainda assim, 27% do gado que chegou aos frigoríficos compromissados foi vendido diretamente por propriedades localizadas dentro de UCs de proteção integral ou terras indígenas no período de nosso estudo”, aponta trecho da pesquisa.

“A criação de pastos ilegais tem continuado através das últimas décadas. É desafiador interromper este processo em parte porque essa é uma das estratégias usadas por invasores que tem visto repetidamente que eles serão recompensados no final e suas reivindicações legitimizadas, independentemente de quão descaradamente eles violarem as leis brasileiras”, conclui a pesquisadora Holly Gibbs, de Wisconsin.

O pesquisador sênior do Imazon, Paulo Barreto, acrescenta que, mesmo quando se trata de um grileiro, ou seja, um invasor na área protegida, é um custo fazer a remoção e “tem uma tradição política de não remover”, o que gera um imbróglio.

“Outro cenário é que já tinha a área protegida e houve ocupação ilegal, houve fiscalização, multa, mas a pessoa não paga, acaba ficando lá e consegue comercializar o gado. Antes vendia direto para frigorífico, e depois do embargo se especializaram na venda indireta, com bezerros e a venda para as fazendas de engorda. E tem o que chamamos de lavagem. A pessoa está numa área ilegal, mas reúne papéis como se fosse de uma área legal. Tem uma rede ali que acaba beneficiando que a pessoa lucre com a produção dessas áreas irregulares”, contextualiza Barreto. 

“O TAC da Pecuária, os acordos que os frigoríficos fizeram, não deram conta disso porque ainda não há controle efetivo dos chamados fornecedores indiretos, que são esses. Os frigoríficos disseram que vão concluir isso até 2025, que está muito longe, e enquanto isso eles continuam vendendo”, pondera. 

Áreas (des)protegidas

Existem diferentes cenários que abrem brecha legal para presença de pastos e até produção de gado dentro de uma unidade de conservação. No caso das áreas de uso sustentável, a depender do tipo, é possível ter atividade produtiva na sua área, desde que esta não seja uma restrição prevista no seu ato de criação ou nos instrumentos que definem o seu uso, como zoneamento, plano de uso e plano de manejo. 

Em UCs que exigem o domínio público do território, ou seja, a desapropriação de eventuais proprietários particulares, enquanto o governo – no âmbito correspondente – não realiza a indenização pela posse da terra, as atividades podem continuar, desde que não sejam ampliadas, como explica o especialista em áreas protegidas, Cláudio Maretti.

“Criando qualquer unidade de conservação que preveja domínio público e você não desapropria, e a propriedade é legítima – porque muitas vezes na Amazônia não é – o que acontece? Você mantém as atividades, mas pode aplicar restrições na ampliação e no dano. Você não pode inviabilizar a agropecuária que existia, mas você não pode permitir que ela gere novos desmatamentos ou que ela faça uma poluição intensiva dos rios. Normalmente você aplica a lei, mas com um caráter mais rigoroso e uma visão de não ampliação. Mesmo sem desapropriar a área. Então a atividade pode continuar, mas se adequando às regras e sem poder ser ampliada. Para recuperar essa área tem que desapropriar”, explica Maretti.

O predomínio das Áreas de Proteção Ambiental – na sigla APAs – no topo do ranking das pastagens e produção de gado dentro de UCs reflete o fato da categoria ser a mais permissiva ao uso e historicamente a de proteção mais frágil. “Ninguém leva a sério APA no Brasil”, avalia o especialista em áreas protegidas.

Por definição, as APAs são áreas com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos naturais e culturais importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, com objetivo de proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.  

Maretti explica, entretanto, que, de acordo com critérios estabelecidos pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), atividades de maior impacto como a pecuária intensiva não deveriam ocorrer dentro de nenhuma unidade de conservação brasileira, nem mesmo numa APA. 

“Como ninguém trata bem as APAs, as pessoas vêm com essa lógica de que na APA eu não posso exigir nada que não exija fora da APA, aí é uma estupidez, na minha interpretação. Porque se é APA ela é uma unidade de conservação, tem um regramento baseado na Constituição por uma lei nacional de aplicação nos três níveis – federal, estadual e municipal – e eu posso sim implicar em restrições na propriedade. No caso de uma APA o nível de restrição tem que ser brando, mas eu posso ampliar a obrigação de proteção de vegetação nativa, por exemplo”, explica o ex-presidente do ICMBio.

Tiro ao alvo: UCs na mira

Um padrão percebido entre as unidades de conservação com maior área de pasto e gado é outra presença: a de conflitos, como é o caso dos parques estaduais Cristalino II, Serra Ricardo Franco e da Reserva Extrativista Jaci-Paraná, que já foram ou são alvo de processos judiciais ou legislativos para redução ou extinção, como já mencionado.

Outro exemplo é a Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, em Mato Grosso. O território destinado às comunidades tradicionais tem sofrido com invasões e a extração ilegal de madeira, como já detalhado em reportagem de ((o))eco.

De acordo com o levantamento realizado com exclusividade pelo Imazon, dentro da Resex há 9.125 hectares de pastagem, o equivalente a 6% de toda a área protegida.

De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), foram identificadas seis áreas ocupadas ilegalmente dentro da Resex no final de 2021 e os responsáveis foram notificados. Além disso, um Grupo de Trabalho foi criado este ano para planejar as ações de proteção da Resex em articulação da Sema com diferentes entidades, entre elas o próprio Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea).

Fazenda de gado em Ruranópolis, no Pará. Foto: Mauro Pimentel/AFP.

“São realizadas fiscalizações in loco pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente, em parceria com as Forças de Segurança, prioritariamente nas Unidades de Conservação estaduais, para coibir a prática de crimes ambientais. O Estado monitora em tempo real todo o território por imagens de satélite de alta resolução, que geram o alerta de desmatamento para qualquer mudança de vegetação. O sistema cruza os dados com as autorizações de desmate, e sendo ilegal, as equipes se deslocam para impedir a continuidade do dano ambiental. Ao flagrar o desmatamento ilegal é feita a remoção do maquinário e outros objetos utilizados, detenção de suspeitos, e caso seja uma propriedade particular, o embargo para a regeneração da vegetação”, afirma a nota da Sema-MT. “No entanto, não houve remoção de gado nas UCs nos últimos cinco anos, conforme a Coordenadoria de Unidades de Conservação”, completa.

Questionada sobre políticas estaduais para evitar que o gado produzido ilegalmente em UCs ou terras indígenas seja comercializado, a Sema-MT respondeu apenas que o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) fiscaliza o trânsito dos bois, do ponto de vista sanitário, por meio das GTA.

Para onde vai o “boi invasor”?

Na problemática equação de bois dentro de áreas protegidas, resta ainda uma dúvida: o que fazer com o gado que está onde não deveria? O pesquisador sênior do Imazon, Paulo Barreto, afirma que há duas formas de fazer a retirada, uma mais e outra menos conflituosa. Uma alternativa é dar um prazo de 30 dias para retirada do gado da área protegida, sem confiscar. 

“A forma mais “pacífica” seria dizer ‘tirem o gado, se não eu vou lá tirar de vocês’. Mas se o governo tiver que confiscar, aí o jeito é confiscar e vender, como foi feito na operação Boi Pirata, ou doar”, aponta Barreto.

Depois de retirado o rebanho, caberia ao órgão responsável restaurar a vegetação nativa na área protegida, seja através de parcerias ou compensação.

“Outra coisa é dizer pros frigoríficos que eles não vão comprar gado oriundo dessas áreas. E o próprio governo pode fazer essa análise, porque ele tem a informação de onde está o gado, cruzar os dados e ver quem são as fazendas que estão comprando gado dessas áreas. O governo sabe, porque tem os dados do GTA. E algumas dessas fazendas são gigantes que compram gado de outras áreas. Se você fizer isso com um ou outro grande, rapidamente eu acredito que os outros vão querer regularizar, senão não vão conseguir vender”, completa o pesquisador.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. F.Raeder diz:

    Sugiro dar uma checada nos dados, começando por Rondônia…no mapa interativo, indicaram como “pasto” as escarpas da Serra da Cutia e campos naturais na REBIO Guaporé.