O pavilhão oficial brasileiro na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que começou neste domingo (6) no balneário de Sharm-El-Sheikh, Egito, estampa em letras brilhantes o slogan “Brasil – Energia Verde”. Este será o tema principal a ser apresentado pela delegação do governo de Jair Bolsonaro no evento. Para especialistas, no entanto, a presença de representantes do Executivo Federal não deve ganhar atenção. O mundo quer saber do outro Brasil, o da explosão no desmatamento e crimes ambientais, que deve ser apresentado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e – talvez – pelos governadores da Amazônia Legal nos dias que se seguem.
“Acho que o pessoal da delegação brasileira, o Joaquim Leite [ministro do Meio Ambiente], está indo lá para fazer um pavilhão, não para abrir uma agenda diplomática de negociação. O que vai acontecer é que ele vai ficar acuado em um pavilhão esvaziado, porque ninguém vai querer ir lá conversar com eles”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
O Brasil “não oficial” ganha destaque em dois lugares diferentes na COP-27: o pavilhão montado pelo Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, que reúne os governadores dos estados amazônicos, e o Brazil Climate Action Hub, espaço das não-governamentais.
“Em Glasgow [onde a Conferência de 2021 foi realizada], a participação do Hub mantido pelas não-governamentais já foi mais ativa do que no espaço do governo brasileiro e eu acho que dessa vez vai ser ainda pior, porque temos um governo completamente deslegitimado. O pessoal está brincando que vai ser igual ao deserto do Saara, não vai ter ninguém. Porque quem vai lá assistir o que o governo Bolsonaro tem pra mostrar, não faz sentido”, complementa Suely Araújo, especialista Sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima.
Segundo ela, mesmo que o governo brasileiro, em um esforço final, tente mudar o discurso para algo diferente do negacionismo apresentado durante os últimos quatro anos – o que é improvável –, não haverá tempo para implementação.
Lula na COP
Para o pavilhão do Consórcio Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, já estão confirmadas as presenças de seis dos nove governadores de estados inseridos no bioma: Gladson Cameli, reeleito no Acre pelo PP, Mauro Mendes, reeleito no Mato Grosso pelo União Brasil, Helder Barbalho, reeleito pelo MDB no Pará, Marcos Rocha, reeleito pelo União Brasil em Rondônia e Wanderlei Barbosa, reeleito pelo Republicanos no Tocantins.
Destes, apenas Helder Barbalho não apoiou Bolsonaro nas últimas eleições, mas é esperado que o discurso apresentado pelos seis representantes estaduais seja mais realista que a esquizofrenia do governo brasileiro. A agenda de cada um deles ainda não foi confirmada, já se sabe, no entanto, que todos devem estar reunidos no próximo dia 14 para um evento conjunto.
Caso eles não mostrem o Brasil real, certamente Lula o fará. Sua vitória tirou o país da posição de pária global que Bolsonaro havia colocado. Desde o primeiro discurso, Lula fez diversos acenos sobre a agenda climática, que promoveu a prioridade de sua política externa.
Na última semana, ele foi convidado pelo presidente do Egito, Abdul Fatah Al-Sisi, para comparecer à COP-27 e sua presença está confirmada para a segunda semana da Conferência.
O comparecimento de Lula e a mudança de discurso do quinto maior emissor do planeta nas negociações tem tudo para ser destaque em Sharm-El-Sheikh. Além do nome do(a) novo(a) ministro do Meio Ambiente, também é esperado que o presidente eleito faça ao menos um aceno em relação às metas de redução de emissões brasileiras, no sentido de aumentar sua ambição.
“A COP é um espaço de sinais políticos, mais do que de decisões de fato e, nesse sentido, o que mais importa são as sinalizações que vão ser feitas pelo governo eleito, de estabelecer novas relações. O que vale agora são os sinais de reconstrução para o futuro”, explica Natalie Unterstell.
Agenda diplomática
A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas deste ano tem uma agenda difícil, que inclui financiamento climático – sempre um tema evitado pelos países desenvolvidos, que não querem abrir o bolso – e perdas e danos, que envolve a discussão sobre como ajudar os países que não conseguem mais se adaptar às mudanças trazidas pelo aquecimento do clima na terra.
Tais discussões acontecem a portas fechadas, pelos negociadores responsáveis pela chamada agenda diplomática da Conferência. Para as especialistas ouvidas pela reportagem, o posicionamento brasileiro nesse segmento também não deve mudar.
“Nós teremos os mesmos negociadores dos outros anos, tanto do Itamaraty quanto dos ministérios, e eles estão com as instruções que valeram para os últimos anos, então eu não espero nada diferente, não tem nenhuma quebra de posição a essa altura do campeonato”, diz a presidente do Instituto Talanoa.
Mas será que nesse contexto, o Brasil não poderia boicotar as negociações em curso, só para tornar a reconstrução da agenda climática prometida pelo próximo presidente ainda mais difícil? Suely Araújo acha difícil que isso aconteça.
“Acredito que o Brasil não tenha força política mais para isso. Ele virou uma espécie de pária nessas negociações e acho que sozinho ele não consegue, porque precisaria levar outros países junto”, explica.
De qualquer forma, o modo como o país vai se apresentar ao mundo na COP-27 só vai ser conhecido nos próximos dias, quando esses “dois Brasis” realmente ficarão cara a cara.
Esta reportagem foi produzida como parte do Climate Change Media Partnership 2022, uma bolsa de jornalismo promovida pela Internews´ Earth Journalism Network e pelo Stanley Center for Peace and Security.
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