Referência em conservação ambiental, o arquipélago de Fernando de Noronha está localizado no meio do Atlântico sul, a quase 400km da costa brasileira. Ainda assim, as águas do santuário ambiental também sofrem com a poluição plástica. A constatação é resultado de uma pesquisa de cooperação internacional para estudar os efeitos da poluição plástica em profundidades subaquáticas nos oceanos Índico, Pacífico e Atlântico. Ao todo, foram analisados 84 ecossistemas de recifes, alguns a 150 metros de profundidade, localizados em 14 países.
O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Academia de Ciências da Califórnia, nos Estados Unidos, da Universidade de Oxford e da Universidade de Exeter, ambas na Inglaterra. No Brasil, além de Noronha, os cientistas avaliaram as condições do arquipélago de São Pedro e São Paulo, situado a cerca de mil quilômetros do litoral do Rio Grande do Norte.
Segundo o brasileiro Hudson Pinheiro, um dos coordenadores do estudo e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), cerca de 75% dos resíduos encontrados têm origem no manejo da pesca, como cordas, redes e linhas. “Esses equipamentos, quando abandonados, descartados ou esquecidos no mar, continuam pescando e danificando os ambientes recifais, um impacto conhecido como pesca fantasma. Como esse material pode demorar centenas de anos para se decompor, compromete a saúde dos recifes de corais e coloca em risco todo o equilíbrio da vida marinha associada a esses ecossistemas”, explica Pinheiro.
Os 25% restantes dos poluentes marinhos vêm de detritos gerados pela indústria de consumo, como garrafas plásticas e embalagens de alimentos. É aí que o membro da RECN considera que o modelo de preservação de Fernando de Noronha pode servir de exemplo. “A administração do arquipélago tem tentado acabar com o uso de descartáveis, coletando plásticos de uso único já no aeroporto”, lembra ele. Ainda assim, Pinheiro reforça que o setor de alimentos pode contribuir muito mais, com ações como evitar o uso de matérias-primas prejudiciais ao meio ambiente na produção de embalagens.
A gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, Janaína Bumbeer, afirma que o estudo é importante porque traz uma visão global da poluição marinha, problema que não respeita fronteiras geopolíticas e atinge inclusive regiões mais afastadas. A Fundação contribuiu com a pesquisa acadêmica principalmente nos levantamentos de dados relacionados aos recifes mesofóticos – localizados entre 30 e 150 metros de profundidade, onde chega pouca luz – do Brasil.
“Dados surpreendentes indicam, por exemplo, que os recifes profundos são ainda mais impactados que os recifes rasos, mais próximos da fonte de poluição”, conta Janaína. “Isso tudo reforça a importância de uma mobilização global em torno da poluição do plástico nos oceanos, conforme discussão proposta pela ONU. O Brasil deve se posicionar para que um acordo ambicioso seja implementado por todos”, destaca a gerente da Fundação Grupo Boticário.
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