Pilar central da matriz elétrica brasileira, a hidroeletricidade é comumente rotulada como uma fonte de energia livre de gases de efeito estufa (GEE). Entretanto, diversos estudos publicados nas últimas duas décadas contradizem essa concepção. Reservatórios – que são usados também com outras finalidades, como abastecimento e controle de enchentes – emitem fundamentalmente gás carbônico, metano e óxido nitroso, subprodutos do metabolismo de microrganismos aquáticos. Um novo artigo de revisão global sobre a emissão de GEE por reservatórios foi publicado esse mês na revista acadêmica BioScience, trazendo novos ingredientes para esse debate.
Resultados publicados anteriormente indicaram que reservatórios artificiais são fontes significativas de emissões antropogênicas de GEE no âmbito global, com a maior fatia das emissões sendo atribuída a reservatórios tropicais. Os estudos passados revelaram também que os reservatórios da Amazônia destacam-se pelas mais altas taxas de emissão.
O novo estudo foi liderado por Bridget Deemer (Washington State University, EUA) e conta com o pesquisador brasileiro Nathan Barros (Universidade Federal de Juiz de Fora) na co-autoria. Ele demonstra que, ao contrário do que se acreditava, as emissões de GEE por reservatórios tropicais, inclusive os amazônicos, não são significativamente maiores do que em outras regiões do planeta. Isso se deve a uma revisão para cima das taxas de emissão em reservatórios subtropicais e temperados, possibilitada pelo surgimento de metodologias mais eficazes para medição de gases.
Um dos pontos chave deste trabalho foi mostrar que as emissões de metano – maior responsável pelas emissões de GEE por reservatórios – são mais elevadas em reservatórios eutróficos. Reservatórios eutróficos são aqueles enriquecidos com nutrientes como nitrogênio e fósforo, derivados principalmente de efluentes agrícolas e urbanos. Em outras palavras, são aqueles mais afetados pelas atividades humanas. Eles são particularmente abundantes no Brasil. A eutrofização resulta em proliferação excessiva de algas, cuja decomposição acontece tipicamente nas partes mais profundas e desoxigenadas da coluna d’água, favorecendo a produção de metano.
É amplamente sabido que a eutrofização causa perda de biodiversidade e deterioração da qualidade da água, podendo comprometer a vida aquática e o uso da água para abastecimento e recreação humana. A potencialização da emissão de GEE em reservatórios eutróficos adiciona mais um elemento ao rol de efeitos adversos da eutrofização de corpos d’água. Há, portanto, mais um motivo sério para aprimorar as políticas públicas de controle da eutrofização.
Panorama no Brasil
O Brasil é o segundo maior produtor de hidroeletricidade do mundo. Além dos reservatórios de hidrelétrica, há muitos reservatórios para abastecimento de água no país. Atualmente, as emissões por reservatórios ainda são desprezadas nos relatórios do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. A tendência, contudo, é que eles passem a ser integrados. É importante que seja construído um entendimento sólido sobre o cenário de emissão de GEE em reservatórios brasileiros.
No Brasil, os estudos existentes indicam que reservatórios amazônicos emitem mais GEE do que reservatórios do Cerrado. No entanto, muitos reservatórios eutróficos existem no Brasil, particularmente em regiões onde não existem muitos estudos. Esse é o caso da região Nordeste, por exemplo, onde há diversos reservatórios, principalmente para abastecimento da população. Um outro estudo, publicado no início desse ano, encontrou elevadas taxas de emissão de GEE em um reservatório eutrófico da Caatinga, reiterando que ambientes aquáticos nordestinos requerem maior atenção.
Emissões por energia gerada
Para os reservatórios de hidrelétricas, existe uma pergunta chave a ser respondida do ponto de vista do planejamento energético: quão altas são as emissões de GEE por unidade de energia gerada da hidroeletricidade em comparação com outras fontes?
A razão entre emissão de GEE e a quantidade de energia gerada é conhecida também como fator de emissão. Em média, as hidroelétricas possuem fatores de emissão inferiores aos de usinas termelétricas, mas superiores aos de outras renováveis, como usinas solares e eólicas. Entretanto, alguns projetos hidrelétricos, quando mal planejados, podem emitir mais GEE por energia gerada do que termelétricas a carvão, as mais poluentes. Esse é o caso das hidrelétricas de Três Marias (no rio São Francisco) e de Samuel (na Amazônia), conforme apontado em um estudo publicado em junho desse ano por pesquisadores do Programa de Planejamento Energético da COPPE/Universidade Federal do Rio de Janeiro. As hidrelétricas amazônicas existentes apresentam, em geral, fator de emissão mais próximo ao das termelétricas.
Do ponto de vista do impacto no clima, os resultados mais atuais indicam que a maior parte das hidrelétricas brasileiras são alternativas menos poluentes do que as usinas termelétricas. Alguns argumentam que a comparação com termelétricas é equivocada, pois elas são o que há de mais poluente, e, portanto, a comparação deveria ser com outras fontes renováveis. Outros argumentam que a comparação se justifica, pois as hidrelétricas são ainda a fonte mais segura e competitiva à queima de combustíveis fósseis. De qualquer maneira, é fundamental que os erros do passado sirvam de lição. Hoje, é possível predizer, com certa confiabilidade, as emissões de futuros reservatórios com base em dados existentes, como indica um estudo publicado no ano passado, que estimou as emissões futuras das hidrelétricas planejadas na Amazônia.
Análises preditivas podem ajudar a determinar quais os locais mais favoráveis à construção de reservatórios quanto à emissão de GEE. Entretanto, a emissão de GEE não é a única contrapartida socioambiental da hidroeletricidade. Isso significa que, por exemplo, a alocação de um reservatório em uma determinada região pode minimizar as emissões de GEE por um lado e potencializar os efeitos adversos na biodiversidade por outro. O grande desafio é conseguir colocar em uma balança as emissões de GEE e os outros impactos causados por reservatórios, como os impactos sociais, as alterações na qualidade da água e a perda de biodiversidade.
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A eutrofização sempre foi desconsiderada nos programas estratégicos envolvidos com emissão de gases. O pior de tudo é que não se trata de apenas questões energéticas. A eutrofização "arrasa" com a biodiversidade dependente de ecossistemas aquáticos com boa oxigenação. Se considerarmos a astronômica quantidade de "esgotos" urbanos não-tratados, e das áreas rurais lançados nas 12 bacias hidrográficas do Brasil, dá para se ter uma ideia do tremendo impacto ambiental causado. Viver na "roça" foi uma afirmação do passado. Atualmente, as "roças" estão se transformando em áreas urbanizadas (entenda-se, poluídas). Onde não há água tratada e distribuída por alguma empresa e nem esgoios recolhidos. a dessedentação de animais e o cultivo de plantas em geral, vem dos córregos serranos e nascentes, sendo que boa parte dessas fontes estão secando assustadoramente. Os "sumidouros" estão comprometendo os lenções freáticos. Rios sujos e putrefatos, cheio de espécies exóticas são comuns no noroeste fluminense (RJ) região de tristes paisagens desmatadas e abandonadas quanto à conservação de suas matas nativas. Quem conserva água são as florestas e não os reservatórios. O nome já diz, são reservas de água para uso humano e não para a manutenção dos serviços ecossistêmicos. A falta desta compreensão e relevância quanto aos serviços da natureza está esgotando nossas reservas naturais e já representa sérios prejuízos econômicos para o país. É um absurdo comparar hidroelétricas com termoelétricas. É como se procurasse medir a maldade de alguém a partir de exemplos piores e não de exemplos nobres de bondade. Bom senso! Óh bom senso ! Onde estás que não respondes?
Otimo artigo! Que quebra as pernas de muitas premissas que viraram politica publica
Excelente matéria!
Parabéns, Rafael!