Marcada para começar neste fim de novembro, a conferência sobre mudanças climáticas de Paris faz crescer a expectativa por um acordo que trace o caminho para um futuro mais seguro para todos. Nesse sentido, é indiscutível o papel da Amazônia na regulação regional e global dos mecanismos do clima, e também no da conservação da biodiversidade. Mas, não se pode fechar os olhos para outros biomas* e para outras agendas socioambientais.
Discursos e ações oficiais, do setor privado e até do não governamental têm centrado esforços políticos e investimentos na floresta tropical, enquanto na prática e junto à opinião pública se minimiza a função climática, de conservação da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos de outras formações naturais.
Exemplos recentes, o Fundo Global para o Meio Ambiente anunciou US$ 115 milhões para gestão sustentável e corte de emissões de carbono, na Amazônia. As metas que o Brasil levará à conferência de Paris têm entre seus carros-chefes zerar o desmatamento ilegal até 2030, na Amazônia. E há poucos dias, recursos públicos foram usados para que o Governo Federal promovesse, em Londres, um… Dia da Amazônia, para apresentar nossa “política ambiental”.
Todavia, a Amazônia não é uma ilha. Ela não sobreviverá sozinha ao jogo das mudanças climáticas globais, ainda mais se persistir como alvo de projetos desenvolvimentistas que vêm lhe entregando fartamente hidrelétricas, rodovias e desmatamento. Quase 30 barragens para geração de energia estão planejadas para a região. O desmatamento cresce fortemente no entorno de canteiros de obras, como da polêmica usina de Belo Monte. Discurso e prática em conflito.
Enquanto isso, do Cerrado, chamado de caixa d´água do país e reconhecido como a savana mais rica em vida do planeta, já se consumiu a metade, especialmente para pastagens e monoculturas, como de soja. Apenas 20% do Cerrado ainda não viraram uma grande colcha de retalhos de matas, e menos de 3% dele estão efetivamente protegidos em parques nacionais e espaços semelhantes. Algo grave para uma região cujas águas ajudam a manter vivo o Pantanal e são responsáveis por boa parte da eletricidade que chega a nossas casas.
Além disso, as emissões de gases estufa por perdas de Cerrado já rivalizam com as oriundas do desmatamento e queimadas na Amazônia.
Riquezas naturais e humanas de outros biomas e dos ambientes costeiros e marinhos caíram no quase total ostracismo
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Riquezas naturais e humanas de outros biomas e dos ambientes costeiros e marinhos caíram no quase total ostracismo, tornando-os alvos fáceis do incessante desmatamento e de modelos de desenvolvimento que poderão decretar sua extinção. Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa se tornaram “biomas de segunda categoria” em termos políticos, científicos e de investimentos para sua conservação frente à atenção nacional e internacional focada na Amazônia.
O Brasil assinou e ratificou uma séria de convenções e acordos internacionais destinados à manutenção da vida em suas infinitas formas, à preservação de áreas úmidas, à proteção de ambientes marinhos, à contenção da poluição e à conservação de ecossistemas terrestres, por exemplo. Tais contratos não fazem distinção entre nossos biomas, e corretamente cumpri-los exigirá do Poder Público um olhar mais abrangente sobre o território brasileiro. Antes que seja tarde.
Nosso sistema de parques nacionais e outros tipos de “unidades de conservação” é francamente concentrado na Amazônia. Ponto para a floresta. Enquanto isso, os demais ecossistemas têm graves falhas em proteção oficial, especialmente frente às metas internacionais que demandam o abrigo de 17% das formações terrestres e 10% das zonas costeiras e marinhas, até 2020. Nesse quesito, Pampa e ambientes marinho costeiros detêm o maior déficit de proteção.
Proteger e conservar adequadamente todas essas formações naturais não atenderá apenas à sobrevivência de plantas e animais, muitos ameaçados de extinção, mas também ajudará a oferecer clima adequado, espaços de lazer, turismo e geração de renda, água para geração de energia, agricultura e abastecimento público, meios de sobrevivência para populações tradicionais e um futuro realmente mais sustentável para todos os brasileiros.
Se o Brasil seguir tocando um samba de um bioma só, todos iremos dançar.
*O termo mais correto seria domínio biogeográfico, mas bioma está na boca do povo.
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"Nosso sistema de parques nacionais e outros tipos de “unidades de conservação” é francamente concentrado na Amazônia."
OK, mas a extensão da área ocupada por vegetação nativa remanescente na Amazônia também é. A necessidade de um melhor planejamento da conservação de áreas em outros biomas é indiscutível. Mas defendê-la a partir da oposição direta entre ela e a necessidade de se preservar grandes áreas de floresta amazônica não é a melhor abordagem se pretendemos alertar o público e instigar autoridades a propor soluções. Cada "bioma" mencionado é muito distinto em termos de extensão geográfica, clima, hidrografia, biomassa, em endemismos e em complementariedade da biota e, principalmente, em relação à matriz de uso da terra na qual as áreas remanescentes se inserem. Assim, o planejamento da conservação de cada um deveria atender a objetivos e metas específicos, através de métodos específicos. Antagonizar a conservação de um bioma e a conservação do outro é uma simplificação muito perigosa.
Parece questionamentos do sexo dos anjo, desculpe a franqueza. O que importa se é A ou B !, importa é que temos que impedir a detonação destes biomas , ecossistemas ou outro nome que queiram srs e sras. O poder público é omisso e adora uma cortina de fumação para esconder as suas responsabilidades.
Aqui em Manaus tá maior fumação mesmo kkkkk
Nossos Biomas precisam ser preservados, temos que unir forças em prol de causa.
Mar, então, nem existe…
Monotemático vc!
Oi gente, quanto aos biomas, tanto o Pantanal como o Pampa tem fisionomia e especies vegetais distintas. Olhando a Lista de Especies da Flora do Brasil da para a gente ter uma ideia melhor. Por exemplo no Pampa o predominio e de familias totalmente distintas das de outros biomas brasileiros. E por ai vai. Na verdade o Pampa apenas esta brasileiro (sua maior distribuicao na argentina e no uruguai) enquanto o Pantanal ocorre tambem no Paraguai e na Bolivia.
Mas essa foi uma resposta padrão, retirada de qualquer livro-texto de biogeografia. Se tem diferença na biota até entre duas bacia hidrográficas vizinhas, é claro que vai ter entre os biomas oficiais. Mas até que ponto as diferenças e similaridades justificam separar ou juntar ambientes num bioma?
É uma reflexão interessante. Entretanto, a dinâmica de alagação, apresentada pelo pantanal é bastante peculiar, o que, poderia sim, justificar uma separação do cerrado como outro bioma. Mas indubitavelmente oa biomas brasileiros não são ilhas.
Não seria essa dinâmica equivalente àquela da várzea do Solimões, com a diferença de ser distribuída ao longo da calha do rio, enquanto no Pantanal é concentrada num "buraco"?
Sem discordar da questão abordada no artigo, mas aproveitando o tema para lançar uma reflexão essencialmente técnica, já considerando que a definição de bioma não é natural, e sim uma convenção: seriam o Pantanal e o Pampa biomas em si? Sem demérito algum, não poderíamos considerar o primeiro um Cerrado que alaga sazonalmente, e o segundo uma formação aberta de Mata Atlântica?
Pois é… É o caso da savana amazônica.