Ninguém conhece, realmente, o valor econômico da fauna selvagem. Mas, potencialmente, seu valor é enorme. O economista Robert Constanza (1997) calculou o valor da riqueza biológica mundial em trilhões de dólares, então se pode estimar o valor da fauna brasileira em pelo menos centenas de bilhões de dólares. Na prática, os valores não significam grande coisa, pois é quase impossível transformar esse potencial — em sua imensa maioria constituído por invertebrados, sendo que muitos deles também ocasionam prejuízos sob a forma de pragas e pestes — em benefícios diretos e tangíveis para a sociedade. De fato, apenas uma ínfima fração desses recursos beneficia, no dia-a-dia, os brasileiros. Embora se trate de benefícios muito consideráveis.
Com efeito, a caça, em especial a comercial, mobilizou e ainda mobiliza enormes quantias de dinheiro. Mas a caça sem manejo raramente é sustentável, logo sua duração é curta. Por isso, nesta coluna se falará exclusivamente dos benefícios econômicos que se pode esperar da caça, fruto da aplicação de planos de manejo. Nestes casos é evidente que a rentabilidade econômica é menor em curto prazo, pois requer investimentos prévios, mas a médio e longo prazos o retorno financeiro pode ser muito grande. De todas as formas de manejo da fauna selvagem, a que tem por objetivo a caça amadora é a aquela que maiores benefícios econômicos pode trazer, tanto direta como indiretamente e, por isso, insiste-se nela.
A caça foi uma atividade dominante durante a maior parte da história da humanidade. Apenas durante os últimos séculos ela têm regredido de forma gradual, especialmente como conseqüência da redução da superfície dos ecossistemas naturais onde se pratica e do aumento da produção de alimentos provenientes da agricultura e da pecuária. A caça esportiva sempre existiu, em paralelo com outras formas de caça (para sobrevivência e comercial) mas, à medida que a sociedade se desenvolveu, esta deixou de ser praticada só pelas elites e popularizou-se muito. Não disponho de dados recentes sobre caça esportiva na Europa, mas em fins da década de 80 existiam mais de 6,1 milhões de caçadores na Europa Ocidental. O número de pessoas que praticavam somente a caça nos Estados Unidos, em 1996, foi de 14 milhões. Naquele ano, existiam ainda 35 milhões de praticantes da pesca e 40 milhões que se declararam caçadores e pescadores. No total, os americanos maiores de 16 anos gastaram acima de US$ 100 bilhões de dólares em atividades na natureza. Os caçadores-pescadores gastaram US$ 72 bilhões, e os que são só caçadores gastaram US$ 5,2 bilhões em viagens de caça, US$ 11,3 bilhões em equipamento e US$ 4,8 bilhões em autorizações, licenças e contribuições diversas. De 1991 a 1997, o número de caçadores e pescadores se manteve estável, mas seu gasto tem aumentado consideravelmente.
Como se percebe, mais importante que o gasto direto dos caçadores é o efeito cascata de sua atividade na economia e na geração de empregos, no estabelecimento e funcionamento de restaurantes, mercados, alojamentos, criação e aluguel de cães e cavalos, serviço de guias e transporte. De outra parte, na fabricação e venda de equipamentos de campismo, de combustíveis, de pneus, de veículos e embarcações, de motores, de armas de fogo e cartuchos, de cutelaria, de equipamento fotográfico, de binóculos e miras telescópicas, de vestuário, de sapatos, de publicações, de souvenirs, de licenças de caça, de seguros diversos e etc. Trata-se de um impacto altamente significativo, mesmo para economias enormes como as dos Estados Unidos e da Europa Ocidental.
No ano de 1983, um estudo feito no estado americano do Wyoming revelou que a caça gerava um ingresso de US$ 223 milhões nos cofres estaduais, na forma de licenças e cobrança de outros direitos. Esta arrecadação, em um só estado, é maior que o orçamento anual do Ibama, órgão que administra todos os recursos naturais renováveis do Brasil. Outro estudo indica que no ano 1996 os caçadores injetaram US$ 436,5 milhões na economia do estado de Idaho e garantiram mais de seis mil empregos permanentes, abatendo apenas duas espécies, o elk e o cervo de rabo branco. Muitos estados brasileiros têm um potencial cinegético comparável ao do Wyoming ou ao de Idaho que, aliás, nem são os estados que mais se beneficiam da caça esportiva naquele país. A população da fauna submetida à caça, nestes como em outros estados, é mantida nos níveis que convém a cada espécie e ao ecossistema. Os recursos advindos do manejo da fauna e da caça que deriva dele são aplicados no manejo das espécies e em ações de conservação da natureza.
As estatísticas anteriores referem-se a espécies abundantes ou comuns. Na Baja Califórnia, no México, a caça de uma espécie rara de carneiro de montanha é permitida sob condições muito especiais. As paupérrimas comunidades locais, com apoio de entidades ambientalistas, oferecem um exemplar desse animal por ano a caçadores amadores pelo exorbitante preço de 1 milhão de dólares. Com esse dinheiro, a comunidade se desenvolve e pode restaurar o ecossistema degradado e permitir a recuperação da população do carneiro e das outras espécies próprias do lugar. Apesar do preço exorbitante, existe entre os caçadores uma longa lista de espera para obter o troféu. Essa situação se repete, em um grau ou em outro, em diversos países e com muitas espécies. Por exemplo, a caçada do carneiro bighorn, na província de Alberta, no Canadá, pode custar mais de US$ 400 mil, mais as despesas com licenças, viagem, guia e outros. Os caçadores amadores de espécies raras como onça-pintada, cervo andino, cervo do Pantanal, tigre, elefante, rinoceronte, impala cara branca, entre tantas outras, pagam somas que variam de três a quatro dígitos em dólar. A raridade da espécie aumenta proporcionalmente seu valor, pois sua conservação requer maiores cuidados e tem custos de manejo muito mais elevados.
Os aspectos técnicos do manejo da fauna selvagem, dependendo da sua intensidade, podem ser complexos, mas não oferecem dificuldades insanáveis. De fato, desde a antigüidade, mas em especial durante o último século, são numerosas as espécies, principalmente as de importância cinegética, que estão sendo manejadas. Como foi mencionado antes, o manejo da fauna vem sendo aplicado, com maior ou menor intensidade, em todo o território dos Estados Unidos e Canadá, em toda Europa Ocidental, Austrália, Nova Zelândia, em grande parte da Europa Oriental e, também, sob condições especiais, em vários países da África.
A dificuldade principal para o manejo da fauna nos países menos desenvolvidos é a questão da disciplina social. É praticamente inviável fazer manejo da fauna se não existe, na sociedade, a consciência de que o direito pessoal termina onde começa a prejudicar os outros. Para manejar a fauna é preciso que pelo menos uma parte significativa da sociedade compreenda que ela é um bem comum, que lhe pertence e que, por isso, quem deseja usufruir desse bem deve fazê-lo ressarcindo aos que não caçam e respeitando as regras que permitirão que a população da fauna selvagem seja mantida ou aumentada. O controle social é essencial, pois nenhum sistema puramente fiscalizador pode evitar a caça furtiva ou ilegal. Desde os tempos lendários de Robin Hood, até agora, a atividade dos caçadores furtivos é grande até em países muito desenvolvidos. Mas, de outra parte, as probabilidades de sucesso de manejo são maiores onde a autoridade florestal ou ambiental é mais bem estruturada e onde o controle é mais eficiente.
De uma parte deve existir um mecanismo gerenciador do recurso qualificado o suficiente para aplicar o manejo e, de outra, deve existir um corpo de técnicos e de guardas de caça (ou polícia florestal) bem equipados e preparados. Assim, o manejo da fauna, como o manejo florestal ou da pesca, repousa sobre um tripé composto do controle social ativo (gerado através da educação e da informação), do adequado gerenciamento do recurso pela agência responsável (baseado na legislação, na ciência e na tecnologia) e da fiscalização eficiente no campo com sanções justas, embora severas para infratores.
Essas condições têm sido raras na América Latina e, por isso, o manejo da fauna na região ficou limitado a algumas espécies de alto valor, manejadas em todas suas fases (até o desfrute) diretamente pelo Estado. Como nos casos das aves guaneras e da vicunha no Peru. Ou as espécies manejadas em propriedades privadas, com a capivara na Venezuela, que também tem todas suas etapas controladas. As agências públicas florestais ou ambientais não têm recursos nem capacidade técnica para instaurar um sistema de manejo de fauna extensivo, muito menos intensivo. Na verdade, nem conseguem outorgar licenças de caça e controlar o resultado, significando que não têm controle sobre o impacto da caça na população das presas. A arrecadação por conceito de licenças, como no Chile e Peru, nem sempre é suficiente para ressarcir os custos da administração devido ao fato de abarcar apenas uma fração do universo da caça. O controle social é mínimo, os caçadores não respeitam as regras e raramente são denunciados. A polícia florestal se limita a exercer um controle eventual e, de fato, não tem treinamento, nem capacidade para exercer uma fiscalização medianamente eficiente da caça amadora. A policia florestal apenas consegue, de forma limitada, reprimir a caça comercial.
Em conclusão, até hoje os países latino-americanos, salvo exceções para o caso de algumas espécies em certos países, não têm sido capazes de implantar o manejo da fauna de uma forma consistente e coerente. O resultado é que nesses países se pratica caça de modo ilegal e depredador, pondo em risco a sobrevivência do recurso e, pior ainda, desperdiçando também uma excelente oportunidade de praticar desenvolvimento econômico, social e ecologicamente sustentável.
Na ultima parte desta série sobre o manejo da fauna selvagem se discutirá as possibilidades de manejo da fauna no Brasil, os problemas existentes e os benefícios que poderia trazer para a conservação de espécies e ecossistemas na base de evidencias recolhidas em muitos países.
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