Como bem se sabe, nuvens negras sobre a Amazônia é fato comum. Elas pressagiam tormentas e chuvas pesadas. Porém, agora há outras nuvens, bem mais densas e certamente muito mais perigosas. Fala-se da intenção de abrir a Amazônia ao cultivo de cana de açúcar para fabricação de álcool combustível e da obviamente bem articulada arremetida da presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária contra as terras indígenas e as áreas protegidas. Mas não é só isso. Após vários anos falando sobre os horrores da exploração informal de ouro no Peru, fica bem claro que a situação é pior no Brasil. E tem mais.
Como sempre, poucas semanas após as declarações triunfalistas do governo sobre a diminuição do desmatamento na Amazônia do Brasil surge o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), demonstrando que, após a calmaria do ano passado, o desmatamento teve em maio deste ano, uma alta de aproximadamente 370% em relação ao mesmo período de 2012 e que, desde agosto passado, a perda florestal alcançou 2.337,78 km², ou seja, 35% a mais do que no período anterior. É um ritual que se repete há décadas e, queiram ou não, com inflexões para baixo e outras para cima, o desmatamento continua em alta. Nada de novo. Apenas cabe ao governo ser mais prudente e ponderado nas suas declarações.
Congresso quer permitir cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia
À primeira vista pode-se acreditar no argumento “ambientalista” de que só se usariam áreas previamente desmatadas e de savana. Mas o argumento é tão velho quanto falacioso.
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De todas as nuvens carregadas que se concentram sobre a Amazônia, a pior, sem dúvida, é a intenção de reabrir a Amazônia Legal para o cultivo industrial da cana. Esta, que nunca prosperou muito na região, foi proibida durante o governo anterior, mas, agora, possivelmente em consequência das noticias pouco alentadoras sobre a possibilidade técnica e econômica de explorar o Pré-Sal, os interesses do setor agropecuário encontraram o momento propício para voltar à carga contra a Amazônia. Com efeito, a Comissão de Meio Ambiente do Senado, em absoluta contradição com o que dela se espera, aprovou a proposta de autorizar a plantação “em zonas desflorestadas ou de savana” embora excluísse ocupar áreas com floresta nativa. O argumento foi que há necessidade de aumentar a produção de cana para atender as demandas futuras de etanol e açúcar e “garantir o desenvolvimento da Amazônia”.
À primeira vista pode-se acreditar no argumento “ambientalista” de que só se usariam áreas previamente desmatadas e de savana. Mas o argumento é tão velho quanto falacioso. Se, por exemplo, para plantar cana se aproveitam áreas previamente usadas para a pecuária cabe perguntar aonde vai o gado que existia nelas. A resposta é elementar. Irá para áreas frescamente desmatadas, legal ou ilegalmente. O mesmo acontece com a agricultura tradicional pré-existente que é simplesmente empurrada sobre a mata. Existem dúzias de estudos que demonstram esse processo com terras previamente usadas em agricultura ou em pecuária. O tema das savanas, na verdade formações de cerrado dentro da selva, é igualmente um truque já que, em termos de salvaguarda da diversidade biológica, elas são tão ou mais importantes que a mata nativa.
Em apoio a essa intenção apareceu, com muita publicidade, a afirmação feita pela presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária que, para assustar a todos, entre outras asseverações esquisitas, diz que “Se continuarmos aumentando essas áreas (unidades de conservação e terras indígenas), a exemplo dos governos anteriores, diminuiremos a área de produção do país em quase 50 milhões de hectares. Mantendo essa média, em 2031 o país terá perdido todas as áreas de produção agrícola e em 2043 todo o território nacional seria ocupada por unidades de conservação e terras indígenas” gerando, sempre segunda ela, perdas bilionárias.
Em primeiro lugar, ela lança uma especulação fora da realidade. Embora ainda seja preciso ampliar as terras indígenas e as áreas protegidas, não existe nenhuma previsão, bem ao contrário, de que se mantenha nos próximos 20 anos a média de estabelecimento das décadas anteriores. Além do mais, não está proibido fazer agricultura nas terras indígenas, nem em muitas das unidades de conservação de desenvolvimento sustentável, como nas “áreas de proteção ambiental”. A afirmação tampouco parece levar em conta que grande parte das áreas protegidas e reservas indígenas se estabelecem em terras que não têm capacidade agriculturável. Pior ainda, essa diatribe esquece que as áreas protegidas são indispensáveis para conservar as fontes de água e a diversidade biológica, inclusive a de interesse agropecuário e que, as terras indígenas são um ato de justiça social. Enfim, isso mais parece terrorismo verbal e é óbvio que está orquestrado em apoio à iniciativa de abrir a Amazônia ao cultivo de cana de açúcar. Igualmente é parte da mesma campanha a declaração da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) de que nos próximos oito anos o aumento da demanda determinará a necessidade de construir pelo menos 100 novas usinas.
Uma nuvem chamada garimpo
Embora a situação no rio Madre de Dios, no Peru, é ruim, ela se apresenta por igual e multiplicada por muitas vezes em toda a Amazônia do Brasil.
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Outra nuvem negra é a do crescimento desmedido, bem pouco comentado por ser tão corriqueiro, do garimpo de ouro de aluvião. Contudo, para nos despertar, foi divulgada recentemente a informação de que cerca de três mil garimpos clandestinos ameaçam unidades de conservação, reservas indígenas e rios apenas na região do Tapajós, no Sul do Pará. Em cada um, trabalham de dez a cem homens, mas alguns chegam a ter 500. Só num trecho de dois quilômetros, há 63 dragas cavando o leito do rio Tapajós em busca de ouro. Isso é apenas um exemplo que lembra a todos que, embora a situação no rio Madre de Dios, no Peru, é ruim, ela se apresenta por igual e multiplicada por muitas vezes em toda a Amazônia do Brasil.
Pior ainda, além da construção de grandes centrais hidroelétricas em quase todos os rios importantes da Amazônia Legal, como no caso de Belo Monte, no Xingu, agora parece que vai ser licenciada a implantação do projeto Volta Grande, da transnacional Belo Sun, muito perto da barragem, cuja energia obviamente aproveitará. Volta Grande poderá ser a maior exploração de ouro a céu aberto da Amazônia que, em 11 anos de exploração, deve revirar umas 38 milhões de toneladas de minério. Não há dúvida que terá menos impacto que os mineradores informais, entretanto os impactos se somam.
Terras-raras, a nova corrida do ouro
E vem mais: Depois de abandonar a produção dos metais de terras-raras em meados da década de 1990, o governo viu os preços dispararem no mercado mundial e voltou a investir no setor. Anunciou recentemente investimentos iniciais de 11 milhões de reais em quatro anos para a exploração de terras-raras. O valor inclui o mapeamento das jazidas, os estudos de viabilidade da exploração e a capacitação de técnicos. E esse valor ainda pode aumentar. Mas, grande parte dos depósitos está em unidades de conservação e reservas indígenas ou em terra coberta de florestas e, sua extração pode gerar material radioativo, o que tem sido alvo de protestos de ambientalistas pelo mundo.
O que o povo e o governo do Brasil decidam fazer, finalmente, com as novas situações descritas é fundamental para o seu próprio futuro e, também, para o da Amazônia como um todo. O Brasil é o exemplo mais seguido pelos demais países da região. Uma vez mais, se insiste em que não se trata de não fazer, mas, de fazer bem, com juízo e prudência, e de transformar a ameaça dessas nuvens negras em uma a mais dessas simples e frescas chuvas que todos, na Amazônia, gostam.
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