Abandonado no seu berço esplêndido de mata, cachoeiras e encostas atlânticas, o Parque Nacional da Serra da Bocaina é o segundo em tamanho e talvez o primeiro em diversidade geográfica, biológica e bagagem histórica dentre os Parques da região Sudeste. Com o recente término do seu plano de manejo, está tentando sair do marasmo e avançar na luta para ser totalmente implantado. O plano de manejo é o marco fundador da administração de qualquer Parque e pré-requisito para abri-lo à visitação pública.
Esse documento parte de um levantamento ambiental da situação em que se encontra o Parque e estabelece as diretrizes que delineiam como será a sua administração. Desde a forma de proteção do sistema ecológico e patrimônio histórico, razão maior da criação de uma área protegida, até os locais e trilhas que serão abertos à visitação do público. Sua finalização também permite buscar parcerias que complementem, no caso da Bocaina, os parcos R$ 40 mil que o IBAMA disponibilizou este ano para manter o Parque (fora salários). Sem plano de manejo, um parque nacional não passa de uma delimitação territorial e sua administração fica imobilizada.
“Considerando que sobraram 7% da Mata Atlântica original, o interesse que a sociedade parece demonstrar pela preservação dessa área substancial, representada pelo Parque da Bocaina, parece ínfimo”, desabafa Walter Behr, analista ambiental do IBAMA e um dos fundadores da ONG Pró-Bocaina. Criado em fevereiro de 1971, Parque Nacional da Bocaina precisou de mais de 30 anos para ultrapassar essa etapa. Em 1996, o IBAMA decidiu viabilizar o plano que daria nova vida ao Parque: fez uma parceria com a Pró-Bocaina, que mobilizou para o trabalho um time do Departamento de Planejamento Ambiental da Unicamp. Ainda assim, entre idas e vindas, a equipe levou seis anos para confeccionar o plano de manejo.
Não foi só a Bocaina que emperrou por falta do precioso documento. Dos 53 Parques Nacionais brasileiros, 24 estão fechados à visitação por não terem plano de manejo. E embora isso não seja exatamente ilegal, vai contra o espírito da lei 9.985, de julho de 2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC. De acordo com ela, além da proteção ecológica, um dos propósitos dos parques é prover oportunidades de lazer e contato com a natureza para a população.
Com seus 110 mil hectares, o Parque Nacional da Serra da Bocaina é o segundo maior da região Sudeste. Só perde para o Parque da Canastra, em Minas Gerais, de 200 mil hectares. Mas é um gigante comparado aos mais próximos. Seu vizinho mais imediato e famoso, o Parque Nacional de Itatiaia, com 30 mil hectares, é três vezes menor. Comparado com os 11 mil hectares do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, também no Rio de Janeiro, o da Bocaina ganha por um múltiplo de dez. E bate por 30 vezes o Parque Nacional da Tijuca, de 3.200 hectares.
Não é só tamanho, é riqueza no sentido amplo da palavra. Sua área se esparrama entre os estados do Rio e São Paulo. Permeia seis municípios: Angra dos Reis, Paraty, Ubatuba, Cunha, São José do Barreiro e Areias. O Parque vem desde a baixada do Vale do Paraíba, sobe as cristas da Serra do Mar e culmina a 2.088 metros, no pico do Tira Chapéu. Daí, escorrega por encostas verdes, pontuadas de cachoeiras que chegam a 200 metros de queda d’água, até chegar à Baía da Ilha Grande, costeando suas margens pelos 70 km entre Angra dos Reis e Paraty. Não se acanha e adentra o mar, englobando as praias de Trindade (inclusive a ilha de mesmo nome), muito procuradas por turistas. Seu clima acompanha o relevo. Vai desde o tropical úmido, recebendo as maiores quantidades de chuva do Brasil, em torno de Paraty, até temperaturas serranas perto de zero grau.
Uma das principais atrações do parque é a trilha do ouro, um caminho aberto por índios e que foi mais tarde usado por tropeiros, desde o século XVII, para carregar ouro de Minas Gerais aos portos da Baía da Ilha Grande. Aliás, bocaina significa “baixada entre vales”, nome que a serra mereceu pelas passagens relativamente fáceis para se chegar ao litoral.
Devido à variedade geográfica e seus 2.000 metros de desnível, o Parque da Bocaina abriga uma fantástica biodiversidade. Segundo os especialistas, uma enorme parte ainda é desconhecida. A flora, nas encostas baixas, é dominada por espécies da Mata Atlântica. Lá se encontram, entre muitas outras, maçaranduba, pitanga, canela e manacá-da-serra. Nas partes altas existem araucárias e pinheiros-bravos. Diferentes espécies de orquídeas e bromélias estão por toda a sua extensão. Do Vale do Paraíba, contornando a Serra do Mar e 15 picos com mais de 1.800 metros, até, do outro lado, as costas do Atlântico. Entre as espécies importantes da fauna local estão o veado mateiro, porco-do-mato, suçuarana e o tamanduá-mirim. O muriqui, maior macaco das Américas e em risco de extinção, também vive lá. O parque abriga 400 espécies de pássaros, o que o torna potencialmente um atraente destino para bird watching, passatempo, em geral, de turistas estrangeiros endinheirados.
Mas ser gigante e ao mesmo tempo pobre só gera problemas igualmente imensos. Para o parque ser considerado implantado é necessário que toda a sua extensão passe a ser controlada pelo governo federal. Falta muito para isso. Dos seus 110 mil hectares, apenas 26 mil preenchem esse requisito. O resto ainda não tem nem um levantamento fundiário consolidado. A falta de recursos torna-o vulnerável à favelização de suas encostas, tráfico de drogas em suas estradas e caça ilegal nas suas matas, para citar apenas alguns dos problemas que enfrenta.
Tudo isso pode mudar, caso o Parque encontre meios de se tornar, pelo menos parcialmente, auto-sustentável. No caso da Bocaina, esse sonho não parece impossível. Ao contrário. Localizado na região mais rica do país, a meia distância das suas duas maiores capitais, com um longo trecho de litoral numa das costas mais badaladas do Brasil, tem tudo para obter recursos sem precisar do IBAMA. Como comparação, o Parque de Itatiaia, com um terço do tamanho e uma variedade menor de atrações, atrai mais de 100 mil visitantes por ano, o que se traduz numa arrecadação de R$ 400 mil. O Parque da Bocaina também poderia fazer bonito e, com isso, proteger melhor suas riquezas. Pelo menos, plano de manejo ele já tem.
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