Já está virando rotina. Em várias regiões do país, o Ministério Público não se cansa de mostrar que o avanço na defesa ambiental muitas vezes depende apenas de bom senso e organização. Depois do Núcleo de Promotorias do Pantantal e do trabalho em defesa da Bacia do São Francisco em Minas Gerais, agora vem do Paraná a boa notícia. Desde dezembro, estão sendo criadas Promotorias de Meio Ambiente para atuar nas áreas das bacias hidrográficas do estado.
Conforme explica Saint-Clair Santos, procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Meio Ambiente, a divisão administrativa do MP por bacias vai dar mais agilidade ao trabalho dos promotores, que não ficarão mais vinculados a comarcas. “Sem os limites da divisão judiciária, artificial, fica mais fácil fiscalizar e ter o diagnóstico dos problemas ambientais”, afirma Saint-Clair.
Doze promotorias vão cobrir todas as bacias hidrográficas do Paraná: Tibagi, Piquiri, Ivaí, Paranapanema, Paraná, Iguaçu, Cinzas e Litoral. Em dezembro passado, entraram em operação as duas primeiras: a Promotoria do Rio Pirapó e Paranapanema IV e a Promotoria do Baixo Rio Tibagi e Paranapanema II e III, ambas no Norte do estado, abrangendo a região de Maringá e Londrina. A idéia é que as demais sejam instaladas ainda neste primeiro semestre. “Se uma indústria polui o rio Pirapó, que nasce em Apucarana, e prejudica o abastecimento de água do município de Maringá, agora ela será fiscalizada por uma única promotoria”, exemplifica Saint-Clair.
Segundo o procurador, a partir do funcionamento efetivo das novas promotorias, o Ministério Público quer elaborar um diagnóstico mais preciso dos problemas ambientais de cada bacia. De antemão, já se sabe que as prioridades são a recuperação de matas ciliares, a diminuição da poluição industrial e por agrotóxicos e o tratamento de esgoto. “A legislação ambiental estabelece a necessidade de planejamento tendo a bacia hidrográfica como referência, e o MP quer dar sua contribuição nesse sentido”, diz o procurador.
Apesar da iniciativa do Ministério Público, a gestão dos recursos hídricos no Paraná anda a passos lentos. A Política Nacional de Recursos Hídricos foi instituída por lei federal em 1997. O Paraná foi um dos últimos estados a criar legislação própria, em 1999. Naquele ano foi criado o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, ainda no governo Jaime Lerner. Após a posse do governador Roberto Requião, em janeiro de 2003, o Conselho só voltou a se reunir em maio do ano seguinte e isso graças a uma ação civil pública que obrigou o Estado a reativar o órgão.
O advogado Rafael Filippin, especialista em recursos hídricos, é o representante da sociedade civil no Conselho e conta que, apesar de as reuniões terem sido retomadas com regularidade (a cada seis meses), ainda não foi elaborado um plano estadual para os recursos hídricos, como determina a lei. Nem mesmo todos os Comitês de Bacia foram formados. Regiões importantes como Alto Iguaçu (muito poluída pelo lixo da região metropolitana de Curitiba) e Vale do Ribeira ainda não se mobilizaram.
Mesmo sem contar com o diagnóstico local, que deve ser feito pelos comitês, o Conselho de Recursos Hídricos começa a esboçar um plano para o Paraná. “O Conselho está funcionando de cima para baixo, que é o contrário da idéia da lei. As comunidades mobilizadas nos comitês de bacia é que devem determinar o que precisa ser feito”, afirma Fillipin.
Nas pautas das reuniões do Conselho persistem três propostas cuja discussão vem sido seguidamente adiada pelo governo estadual: a regulamentação da construção de barragens, a cobrança de taxas da agroindústria pelos agrotóxicos lançados nos rios e o repasse de parte da verba do Fundo Estadual dos Recursos Hídricos para o financiamento de unidades de conservação, já que Parques e reservas ambientais públicas e particulares preservam as fontes de água limpa.
Filippin vê com bons olhos a organização da área ambiental do Ministério Público por bacias hidrográficas e defende que as demais áreas do Poder Judiciário façam o mesmo, mas acha que o impacto dessa medida será pequeno para mudar a realidade do estado. A jornalista Teresa Urban, especialista em meio ambiente, tem a mesma opinião. Ela lembra que o Paraná é um dos principais produtores de energia elétrica do país, e por isso seus rios tiveram os ecossistemas profundamente alterados pela construção de barragens. Além da poluição industrial, agrícola e urbana, a situação é agravada pela falta de sinalização adequada nas pontes localizadas nas rodovias que cortam o estado. “Os acidentes que resultam em cargas despejadas nos rios são freqüentes e não existem lagoas de contenção”, explica Teresa. “Somados todos os riscos, o quadro é extremamente grave e não se vê uma decisão do governo estadual para implantar a lei”.
Se o governo não vai até a lei, agora a lei pode bater à sua porta. As novas promotorias do Ministério Público estão aí para isso mesmo.
* Romeu de Bruns Neto é jornalista formado pela UFPR. Foi repórter especial da Gazeta do Povo. Vencedor do Prêmio Esso Regional Sul 2000, atualmente trabalha como free-lancer.
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