Após mais de 80 anos sem ser vista na cidade do Rio de Janeiro e considerada extinta localmente, a onça-parda voltou a habitar os dois maiores remanescentes florestais cariocas. São seis registros confirmados coletados nos últimos 15 anos, que incluem pegadas, arranhões em árvores para marcar território e, o principal, um vídeo de uma câmera de segurança aos pés do Parque Estadual da Pedra Branca. Ainda é incerto, entretanto, quantos indivíduos fazem parte dessa nova “população” de felinos em solo carioca.
As evidências que confirmam o reaparecimento da onça-parda, também conhecida como suçuarana (Puma concolor), foram reunidas e analisadas por um time de seis pesquisadores em artigo publicado na última terça-feira (28/09) na revista científica Check List.
Os seis registros foram coletados entre 2007 e 2020 e se concentram nos dois maiores blocos florestais do município: ao norte, na região do Gericinó-Mendanha, remanescente protegido por dois parques, um estadual e outro municipal; e próximo ao litoral, na Reserva Biológica de Guaratiba e no Parque Estadual da Pedra Branca.
“Apesar de comentários anedóticos sobre o reaparecimento de P. concolor no Rio de Janeiro, nos dois maiores fragmentos florestais nos maciços Gericinó-Mendanha e Pedra Branca, nenhum registro inequívoco (por exemplo, fotografias, pegadas) estava disponível até agora. Aqui, confirmamos a presença atual de P. concolor na cidade do rio de janeiro”, sentencia o artigo.
O mais recente registro da onça-parda no município foi feito ao acaso, por câmeras de segurança do Sítio Burle Marx, localizado no sopé do Parque Estadual da Pedra Branca, em julho de 2020, enquanto o felino encarava o portão de entrada da propriedade. Até agora este é o único registro visual comprovado da onça-parda em território carioca.
Um dos autores do artigo, o biólogo Jorge Antônio Lourenço Pontes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que independente do vídeo, as pegadas encontradas já eram uma prova irrefutável da presença do felino nas matas cariocas, porque suas pegadas possuem características muito próprias como o tamanho e a disposição dos dedos.
“É um bicho muito esguio, sorrateiro, até para achar a pegada dele é difícil, só quando o substrato ajuda, quando está mole e calha que as pegadas ficam. Tanto é que as que a gente achou foram em situações assim. Geralmente é manguezal na maré baixa ou áreas de mata depois de chuva, e fora isso foi lá no Mendanha, uma marca de garra no tronco, porque elas [as onças-pardas] arranham para marcar o território”, descreve o biólogo em conversa com ((o))eco.
Apesar da ampla distribuição em todo o território brasileiro, as populações de onça-parda na Mata Atlântica, em especial na porção sudeste, estão em franco declínio devido principalmente à perda e fragmentação de habitat, à caça e ao atropelamento. No estado do Rio de Janeiro, a espécie é considerada Vulnerável. Já nos limites da capital fluminense, a espécie foi considerada extinta na lista municipal de espécies ameaçadas do Rio de Janeiro, publicada em 2000. A última informação sobre a presença de onça-parda na cidade data de 1936, em citações no livro “Sertão Carioca”, de Magalhães Corrêa.
“Quando você tem mais de 20 anos sem registro confirmado da espécie, ela pode ser considerada extinta numa localidade. E a onça-parda era. Tanto é que as listas oficiais e outros artigos científicos já davam ela como extinta oficialmente. Havia mais de 80 anos que não tinha nada. Aí começaram a aparecer esses registros, o primeiro foi em 2007, uma pegada que eu achei em Guaratiba [na Reserva Biológica]. Depois, conversando com outros pesquisadores, vieram outros registros e, no ano passado, teve esse flagrante que pegaram ela lá no portão do Sítio Burle Marx com a câmera de segurança”, conta o pesquisador.
O Parque Estadual da Pedra Branca ocupa uma área de 12.492 hectares, na zona oeste do Rio, próxima à Reserva Biológica de Guaratiba, com outros 3.360 hectares litorâneos que mesclam áreas de manguezal, restinga e floresta. No limite norte do município estão o Parque Estadual Mendanha, com 4.398 hectares, o Parque Natural Municipal Serra do Mendanha, com outros 1.444 hectares, e a pequena Reserva Particular do Patrimônio Natural Bicho Preguiça, vizinha aos parques. Apesar de possuir apenas 1,73 hectare de extensão, na RPPN estão dois dos registros da onça-parda: pegadas identificadas em 2019 e marcas de garra em troncos de árvores em 2020.
“Nós acreditamos que elas vieram de outras regiões, Tinguá, Serra dos Órgãos… provavelmente a via de entrada foi a região serrana. E de lá pro Mendanha e do Mendanha para o Pedra Branca, via Camboatá. Por isso que a gente ressalta a importância desses fragmentos, ainda que dispersos, no meio urbano, como a Floresta do Camboatá. Provavelmente elas vieram de fragmento em fragmento. Porque eles se esgueiram, até atravessando ruas e avenidas de noite, de madrugada, com tempo chuvoso; ou por vales e rios, mesmo que poluídos, mas que são mais sossegados e às vezes têm alguma vegetação que encobre o animal. E assim chegaram em fragmentos maiores, como é o caso do Mendanha, que é todo isolado praticamente, e o Pedra Branca”, continua o biólogo.
A ocorrência da onça-parda na cidade do Rio de Janeiro reforça a importância de conservar os remanescentes florestais e a necessidade de manter e aumentar a conectividade entre esses fragmentos, destaca o artigo.
“A conservação da P. concolor e outras espécies de mamíferos ameaçadas na cidade do Rio de Janeiro depende de políticas públicas estadual e municipal voltadas para estas espécies, incluindo a adequada gestão e fiscalização, especialmente no Parque Estadual Mendanha e Parque Estadual Pedra Branca. Entretanto, a proteção de áreas de reserva menores, tanto municipais quanto privadas (como a RPPN Bicho Preguiça), assim como de áreas naturais desprotegidas, como a Floresta do Camboatá, também são importantes. Estas pequenas áreas podem funcionar como degraus para o trânsito da P. concolor e outras espécies”, afirmam os pesquisadores.
Sobre a possível presença do felino no outro maciço florestal remanescente da cidade, onde está o Parque Nacional da Tijuca, que possui uma área de 3.953 hectares, o pesquisador explica que até o momento não há nenhuma confirmação do animal por lá, apesar do grande volume de pesquisas feita no parque.
Ele acrescenta, entretanto, que o reaparecimento da onça-parda no município fez os pesquisadores intensificarem os estudos para ver se encontram a espécie em outros lugares ou se conseguem flagrantes melhores.
Outra pergunta ainda a ser respondida é quantos indivíduos exatamente compõem essa população carioca. Por enquanto, afirma Jorge, é possível apenas especular. “O de Guaratiba e o da base da Pedra Branca, pode ser o mesmo indivíduo, mas pela época, o do Mendanha não é o mesmo de Guaratiba porque o intervalo entre os registros é muito próximo. Então com certeza tem mais de um. Devem ser poucos, muito poucos, mas não dá para afirmar quantos”. As onças-pardas são animais territorialistas e que vivem naturalmente em baixas densidades populacionais.
Jorge acredita que a espécie de fato estava extinta no município e lembra conversas que teve com caçadores aposentados que relataram nunca ter visto onça – nem a parda, nem a pintada (Panthera onca) –, mas ressalta que nunca houve muito volume de pesquisa nas áreas dos registros, tanto no Pedra Branca como no Mendanha, então é impossível ter certeza.
O biólogo cita o exemplo da redescoberta do caititu ou porco-do-mato (Pecari tajacu), que também era considerado extinto no município do Rio de Janeiro e foi redescoberto no ano passado na Serra do Mendanha. “Caçador dizia que nunca tinha visto porco-do-mato lá, era dado como extinto. E à medida que o estudo foi se intensificando, nós temos visto grupos maiores. Antes era um ou outro indivíduo, agora são grupos de 6, 7… e com filhotes. A gente vai estudando e vai vendo”, reforça.
Ele explica ainda que a presença dos caititus deve ter ajudado a atrair e manter a população de onças-pardas, porque são presas típicas do felino.
A preocupação dos pesquisadores é que, com o holofote sobre ela, o predador se torne a presa para um outro animal implacável: o ser humano. Apesar do felino não ser um alvo comum de caça no estado do Rio, o artigo lembra que em abril de 2019 uma onça-parda foi morta (e fotografada como prêmio) por um caçador na região da Serra dos Órgãos. “Eventos como esse ameaçam a existência de animais que ocorrem na fragmentada Mata Atlântica, especialmente em áreas densamente povoadas como a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde caça ainda é uma prática comum, apesar de ilegal”, alertam os cientistas.
“Alguns amigos meus, mais céticos, acham ruim divulgar [os registros da onça-parda] porque isso poderia atiçar caçadores, mas divulgando, você atiça também os outros a ficarem de olho no caçador. Você tem que chamar atenção e agora vamos ver se com essa política do município, sai alguma coisa boa para cuidar da fauna”, completa Jorge.
Proteção de espécies ameaçadas no Rio
A política municipal a que se refere o pesquisador é o decreto da Prefeitura do Rio, publicado no início de setembro, que cria o Programa de Proteção e Conservação da Fauna Silvestre e Flora Nativas no município. A iniciativa pode representar uma aliada para garantir a sobrevivência das onças-pardas cariocas e evitar que elas desapareçam uma vez mais dos limites da cidade.
De acordo com o Decreto municipal nº 49.374/2021, o programa tem como objetivos: elaborar o arcabouço teórico e operacional (diretrizes, projetos e ações específicas no âmbito de pesquisa, conservação, manejo e gestão), visando à conservação de populações viáveis de espécies nativas da fauna e da flora do Município do Rio de Janeiro; criar, regulamentar e manter um Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS); elaborar e atualizar periodicamente os Planos de Ação Municipais – PAM, para conservação da fauna e flora ameaçadas de extinção com ações in situ (na natureza) e ex situ (cativeiro); e monitorar a implantação dos PAM e do estado de conservação das espécies.
Além disso, o programa tem como meta reconhecer publicamente e atualizar periodicamente as listas de espécies da fauna e da flora, de ocorrência natural e de exóticas invasoras no município – a última lista municipal de espécies ameaçadas data de 2000.
“A onça-parda, assim como outras espécies consideradas ameaçadas, terão atenção especial no futuro programa, com ações específicas. O primeiro passo de nosso programa é a montagem de uma Comissão de Acompanhamento, que envolverá órgãos ambientais públicos e entidades de ensino e pesquisa. Vale lembrar que a onça-parda e a pintada já fazem parte de um programa de ação nacional, a cargo do ICMBio”, explica a assessoria de comunicação da Secretaria de Meio Ambiente da Cidade do Rio de Janeiro (SMAC) em nota enviada em resposta à reportagem de ((o))eco.
A SMAC acrescenta que “o monitoramento vem sendo realizado por pesquisadores, na tentativa de novos registros” do felino. Questionada se há ações de educação ambiental previstas para evitar conflitos da população local com o predador, a Secretaria respondeu que as mesmas estão previstas no Programa de Proteção à Fauna do município do Rio de Janeiro de acordo com o decreto recém-publicado.
De acordo com Jorge Pontes, não há nenhum episódio comprovado de predação de onça-parda em animais domésticos, como gatos e cachorros, ou de criação, como galinhas. O pesquisador explica que a espécie é versátil em sua alimentação e cardápio de presas e portanto não exclui a possibilidade de que possa haver a predação eventual de animais domésticos, “mas tendo presas de porte típicas, como o porco-do-mato, melhor ainda”.
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EU acabei de ouvir uma onça agora aqui no meu sítio no Mendanha. Eram por volta das 4 da tarde, eu só estou relatando agora isso agora porque voltei pra casa pra pesquisar sobre e acabei achando essa matéria
até agora eu estou em êxtase pois nao consegui identificar direito pois estava a noite e vi um casal de felinos(não sei se foi onças ou gato do mato -nao sei se por aqui no rio tem gato do mato). Foi numa APA aqui em Nova Iguaçu wm cima do morro agudo em ponto chic um bairro daqui de nova Iguaçu. Quando me viram elas sairam correndo só deu pra ver os olhos brilhando pelo visto eram filhotes. Foi no mês de agosto antes de uma queimada que fizeram. Agora tem que colher depoimentos de moradores da região se realmente foi. Em Tingua sempre soube que tem pois como é uma região proxima de interligação possa ser que estava atrás de alimentos.
daqui a pouco chega na floresta da tijuca
daqui a pouco estao chegando na floresta da tijuca