Que o Rio de Janeiro é a capital nacional da malandragem, todo mundo sabe. Mas até com esse título é de surpreender que edificações irregulares às margens do rio Rainha, na Gávea, não tenham sido demolidas nesta quinta-feira graças à ação de um falsário.
Ele atende pelo nome de Oscar Aníbal Chiappano e chegou cedo à travessa Madre Jacinta para tranqüilizar os moradores e os funcionários das oficinas que seriam removidas pela prefeitura. Apresentando-se como juiz federal, ameaçou prender quem tirasse um só tijolo das construções. Enfim desmascarado, foi levado para a delegacia, detido por falsidade ideológica, mas, mesmo assim, cumpriu sua promessa. Evitou a demolição.
No dia e no horário marcados, cerca de dez pessoas aguardavam a chegada de tratores e autoridades públicas. Uma semana antes, haviam recebido uma notificação informando-lhes de sua situação ilegal e anunciado a retirada dos barracos e da oficina para o dia 31 de março. Além de não terem a posse do terreno, as oficinas e as casas estão na beira do rio e não são ligadas à rede de esgoto do município. Os dejetos vão, é claro, parar nas águas. Tem mais. Trata-se de uma zona residencial, onde serviços de oficina são proibidos, principalmente os daquelas, que fazem pintura de automóveis a céu aberto, poluindo o ar e, muito possivelmente, também a água.
Como álibi, os moradores dizem que as oficinas funcionam há 20 anos e que não foram erguidas casas novas. Do lado de dentro do portão semi-aberto, tudo parecia tranqüilo. Roupa na corda, criança chegando da escola e o pessoal das oficinas limpando os carros estacionados. Do lado de fora, apesar de um fio de apreensão, os funcionários estavam seguros de que seriam protegidos pela intervenção de um juiz federal. Da Subprefeitura, o falso magistrado passava informações por rádio para os moradores. A cada toque, euforia. “O juiz é federal, minha gente. Ele vai prender todos da prefeitura que quiserem nos tirar daqui”, anunciou um dos funcionários.
“Somos pessoas de bem. Nunca houve problema com a nossa presença entre os ‘bacanas’”, argumentavam. Eles garantem que têm “o máximo de cuidado” com lixo e esgoto, mas reconhecem que não contam com saneamento. “Cansamos de pedir para a prefeitura realizar as ligações sanitárias”, justificou uma moradora. “Até comemos peixes e camarão que encontramos no rio, pra você ver como ele é limpo nesse trecho”, acrescentou. Os moradores se dizem vitimas do interesse imobiliário. As direções do colégio Teresiano e da PUC, que fazem fronteira com a invasão, estariam pressionando a prefeitura para fazer daquele lugar um enorme estacionamento. Mal sabem eles que a intervenção foi motivada por razões ambientais.
O engenheiro ambiental Carlos Gabaglia, morador do bairro, cansou de denunciar a invasão na beira do rio. Atesta que recentemente foram construídas mais casas no terreno público, que deveria ser protegido como Área de Preservação Permanente. Em dezembro, Gabaglia entregou uma carta ao secretário municipal de urbanismo, Alfredo Sirkis, alertando sobre o problema. “Mas as primeiras denúncias sobre as oficinas foram feitas há cerca de cinco anos”, diz. Para ele, é preciso acabar com a cultura do jeitinho no Brasil. “A gente sempre vai olhar para o lado e ver que tem alguém fazendo muito pior, mas isso não justifica o crime, por menor que ele seja”. Na sede da Subprefeitura, o engenheiro bateu boca com o suposto juiz. “É um absurdo que a Justiça apareça aqui para defender os criminosos”, indignou-se, antes de descobrir que a Justiça não estava presente.
A Secretaria de Meio Ambiente informou que, apesar frustrada a tentativa, a área está interditada. A Subprefeitura da Zona Sul anunciou que a demolição deve ocorrer em um prazo de 30 dias, tempo suficiente para os moradores arranjarem um lugar para ir. Ou descolarem um juiz de verdade.
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