Análises

Como prevenir incêndios florestais na maior planície alagável do planeta

Incêndios no Pantanal e uma perspectiva para prevenção e combate visando salvaguardar a vida silvestre e o sistema produtivo tradicional

Catia Nunes da Cunha · Alexandre Ebert ·
31 de maio de 2022 · 3 anos atrás

O incêndio catastrófico que ocorreu no Pantanal em 2020 queimou uma área de 31.860 km², sendo cerca de 21.940 km² no Mato Grosso e 12.380 km² no Mato Grosso do Sul, atingindo fortemente a região nordeste do Pantanal, principalmente ao longo do Rio Paraguai e o Pantanal Norte. Este incêndio matou cerca de 17 milhões de vertebrados e foi responsável pela emissão de 524.453 toneladas de partículas finas (aerossóis) prejudiciais para saúde (PM2.5). Os danos recaíram sobre a paisagem, as infraestruturas existentes e na perda de animais de criação e de plantações de centenas de pessoas.

O efeito dos períodos plurianuais mais úmidos e mais secos como drive na dinâmica da vegetação do Pantanal vem sendo acompanhado por cientistas do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU-CPP-UFMT) desde 2004. Para nossa geração, o marco histórico no Pantanal ocorreu em 1974, com a grande cheia daquele ano, que provocou desastres econômicos e ecológicos na região. A produção de conhecimento científico para o bioma deu início após esse período.

O mapeamento da Série Temporal (MapBiomas 2020), que retrata a superfície de água no Pantanal, detectou que houve uma redução de 1.3 Mha nos últimos 36 anos. Entre os anos 1985 até 1993, o alagamento que durava cerca de 6 meses (dezembro/maio), nos anos posteriores foi decrescendo até chegar em cerca de 2 meses, culminando com a grande seca de 2020.

Períodos de secas extremas acompanhados por grandes incêndios sempre aconteceram nas áreas úmidas brasileiras, com impactos severos para flora e fauna. Estes acontecimentos, porém, eram raros para o Pantanal. A flora e a fauna tinham tempo suficiente para voltar ao ritmo normal com secas e inundações moderadas.

Secas e ciclos

Durante o ano de 1967, houve grandes incêndios resultando em uma reestruturação da vegetação, abrindo grandes áreas para macrohabitats dominados por vegetação herbácea, os campos nativos. Depois deste período, muitas décadas de ciclos anuais moderados de enchentes e secas permitiram a volta da vegetação lenhosa, que gradualmente proliferaram pelos campos naturais do Pantanal.

Para não perder áreas de pastagens, os fazendeiros reagiram a este desenvolvimento tentando rebater o avanço demasiado da vegetação lenhosa. Diante disso, criou-se uma reivindicação do setor pecuarista relatando a perda de capacidade produtiva das pastagens nativas, em especial das áreas de campos inundáveis, que estariam acumulando material combustível em excesso, resultando em um grande acúmulo de biomassa e, consequentemente, em maior susceptibilidade aos incêndios florestais. 

Com o período final das chuvas, a vegetação do Pantanal fica verde novamente, o que pode dar uma falsa impressão às pessoas com menos experiências que o pesadelo dos incêndios florestais na região é assunto do passado. Porém, isso é uma forma equivocada de se perceber o problema. Não tenhamos dúvida: Incêndios florestais ocorrerão com a mesma certeza da sazonalidade climática – e junto ao período de estiagem intensa, como fora previsto cientificamente através de modelos matemáticos. E quando eles chegarem, os seus efeitos poderão ser mais devastadores do que o incêndio de 2020. Isso demonstra que devemos nos preparar, de modo que resulte em uma prevenção mais efetiva e em respostas ao combate dos incêndios em tempo hábil, percebendo o fogo e seus efeitos nos cenários ecológico, social e econômico durante a seca.

 A prevenção permitirá a elaboração e implementação de métodos de manejo mais eficientes diante dos cenários do clima mais seco, prognosticado para a próxima década.

Resistências e fragilidades

Ao longo da Estrada-Parque Transpantaneira, no Pantanal Norte, áreas atingidas pelo fogo tiveram impactos negativos diferentes. As áreas mais altas, de pouca inundação e cobertas com vegetação do cerrado – tais como os campos de murundus, cordilheiras de cerrado sensu stricto, campos de macega e fura bucho – foram queimadas e parece ter se recuperado sem maiores problemas, pois são resistentes ao fogo. Por outro lado, a reincidência de incêndios pode influenciar nessa resiliência e causar mortalidade de indivíduos e consequente perda de biodiversidade.

Já nas áreas em que a inundação é mais frequente e que apresenta vegetação com espécies adaptadas à inundação, a situação é diferente. Toda vegetação atingida pelo fogo foram substituídas por ervas de baixo valor forrageiro, como o algodoeiro malva-do-brejo, malva-roxa e mata-pasto. 

Um fator de preocupação são as manchas de florestas atingidas pelo fogo, porém muitos indivíduos mortos permaneceram em pé, fornecendo material combustível para novos focos de calor e incêndios futuros. Por ocasião da altura dessa biomassa seca, o fogo poderá atingir as copas das árvores próximas ainda vivas e facilitar a sua destruição.

A seca pronunciada dos últimos 3 anos estressou demasiadamente as espécies adaptadas à inundações, levando-as à morte. As secas severas promovem o esgotamento da umidade do solo e trazem danos às plantas, por isso pode influenciar na distribuição natural das espécies e na produtividade biológica.

Contudo, o que mais chamou a atenção no incêndio de 2020 foi a morte dos grandes animais. As consequências destas perdas ainda não podem ser avaliadas, mas podemos imaginar efeitos na diminuição de insetos polinizadores, por exemplo, na frutificação de muitas espécies de plantas. E também é de se esperar que os nichos ecológicos esvaziados pelo fogo serão, no começo, ocupados por espécies de rápida reprodução, similar àquela observada nas plantas herbáceas, com consequências imprevisíveis para as redes alimentares.

Gestão ineficiente

Uma política mais eficaz para o Pantanal deve considerar aspectos importantes voltados à sustentabilidade, numa percepção ampla entre parâmetros sociais, culturais, econômicos e ambientais e atribuir posições inovadoras, mas que preservem aspectos importantes a uma melhor gestão para a região.

A criação de espaços voltados à conservação ambiental definiu a importância ecológica para a conservação dos ambientes naturais e de seus serviços ecossistêmicos correlacionados. Contudo, a ausência de plano de manejo para essas unidades não permite uma gestão eficiente, tanto das áreas quando de seus entornos, deixando de evitar eventos negativos recorrentes.

A exemplo, a Rodovia MT 060, que se refere a uma unidade de conservação do grupo de uso sustentável na modalidade Estrada-Parque, criada através do Decreto Estadual nº 1028 de 26/07/1996. Considerando que a estrada-parque é o principal acesso a inúmeras propriedades rurais, pousadas e unidades de conservação, e que essa estrada ainda não possui, desde a sua criação, o plano de manejo, sendo esse um documento essencial ao zoneamento e as ações relacionadas à conservação, entende-se que essa condição viabilizaria as propostas que visem a prevenção e combate aos incêndios florestais.

Desta forma, para quaisquer estruturas que sejam necessárias ao controle, prevenção e combate aos incêndios florestais e salvaguarda da vida silvestre por uma questão de logística que demandem serem criadas ao longo da Transpantaneira, necessitaria então da elaboração de seu plano de manejo e inclusive de todas as unidades de conservação que ainda não o possuem, em caráter de urgência.

No tocante a infraestrutura combinada com o plano de manejo baseamos a nossa análise e as nossas recomendações nas observações pessoais de atores que atuaram durante o combate dos incêndios e nas suas experiências prática da lida no pantanal

Um dos problemas principais encontrados durante o combate foi a falta de água, em ocasião de que todos os tanques de água, corixos e riachos ao longo da estrada estavam secos. Apesar da contratação de caminhões pipa, estes tiveram de percorrer longos trajetos entre a fonte de água até na estrada e fazendas onde se fazia necessário o uso de água para um combate mais eficaz. Todo esse processo era demorado e reduziu dramaticamente a eficiência dos esforços dos bombeiros aos combatentes do incêndio.

Como solução a este problema propomos a criação de infraestrutura ao longo da Estrada Parque Transpantaneira, para garantir a disponibilidade de água em caso de incêndios, tanto para ações de combate aos incêndios como para a dessedentação dos animais silvestres. Em locais estratégicos, ao longo da rodovia, e em pontos de beleza paisagística relevante, escavar 10 “corixos artificiais”, a exemplo da obra realizada no km 47, com pelo menos 2.000.000 de litros d’água e de forma perpendicular à Rodovia Transpantaneira. Estes seriam conectados a poços artesianos com bombas d’água para enchê-los durante o pico da seca. Estima-se custos para estas obras em torno de BRL 250 mil reais por conjunto com as bombas. A comparação destes gastos com aqueles criados pelo transporte de água por longas distâncias durante os últimos incêndios comprova a viabilidade custo/benefício desta abordagem.

A posição dos corixos antrópicos em pontos de beleza paisagística significa uma atração turística, que permite a observação dos animais silvestres. Os pontos deverão ainda receber infraestrutura de informações a fim de contribuir para a educação ambiental dos visitantes. Estes benefícios adicionais aumentam o valor deste sistema de apoio para o combate dos incêndios ao longo da Transpantaneira.

Outra abordagem necessária para controle de biomassa com finalidade de evitar incêndios trata-se do manejo em áreas de propriedades rurais privadas onde a pecuária extensiva é a forma de uso da terra tradicionalmente desenvolvida na região. A lei estadual nº 8830, de 21 de janeiro de 2008, trouxe em seu escopo a permissão para a realização da limpeza de pastagens para fins de pecuária extensiva com a supressão de espécies lenhosas com características de colonizadoras dos campos, porém a regulamentação foi aplicada recentemente pelo governo do estado, através do Decreto Estadual n° 785, em 18 de janeiro de 2021, que dispõe sobre as atividades de restauração das formações campestres na planície inundável do bioma Pantanal. Não é possível ainda definir quais os efeitos positivos e negativos sobre o ecossistema, nem uma posição mais precisa sobre os aspectos produtivos relacionados à melhoria de pastagens nativas após a retirada das espécies lenhosas, que permita avaliar os possíveis efeitos da restauração.

Desta forma entende-se que para implementação dos dispositivos legais e técnicos que definem práticas de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal demandam de uma eficaz e mais ágil gestão pública, e da elaboração dos planos de manejo para as unidades de conservação inseridas no bioma Pantanal. 

Manter água no Pantanal será o grande desafio para o futuro e qualquer ação que atue contra esta exigência, seja ela a construção da hidrovia, que aumenta a descarga do Rio Paraguai, ou a drenagem de áreas pantanosas, deveria ser estritamente interditada.

As consequências das novas constelações climáticas não vão agradar a muitos pesquisadores, políticos, administradores e moradores, mas quanto mais rápido nos adaptamos à nova situação, tanto melhor podemos lidar com os seus efeitos colaterais negativos. Se não fizermos isso em tempo hábil, as secas e os incêndios nos forçarão a agir dessa forma e o preço da remediação será alto em função de nossa incompetência em prevenção ou de nossa resistência aos fatos.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Catia Nunes da Cunha

    PhD em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCAR e Pós-doutora em Ecologia de Áreas Úmidas no Max-Planck Institut für Limnology, Tropical Ecology Group.

  • Alexandre Ebert

    Engenheiro florestal com Mestrado em Ciências Florestais e Ambientais, Doutorando em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela UFMT.

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