Já o disse Monteiro Lobato: um país se faz com homens e livros. Com crianças e livros infantis também, digo eu, que me nutri com o sabugo de milho inteligente, o saci, a tia Nastácia e a boneca-gente. Monteiro Lobato era o máximo de literatura infantil que chegava nos rincões brasileiros onde cresci. Hoje, com uma indústria editorial mais fornida que a de antigamente, dá para dispor de uma infinidade de livros que ajudam a criançada a ler o mundo com muito mais apetite, já que graficamente cada livro infantil é um espetáculo mais saboroso do que o outro. Sem falar no conteúdo.
Entre os livros que têm me chegado às mãos, estão alguns que levam as crianças a pensarem um pouco a respeito dos bichos brasileiros. Abre-se aí um bom filão editorial que muito pode colaborar para que nossos filhos não cresçam achando que zebra, leão ou girafa fazem parte da fauna nacional. Nada contra tais animais, que são lindíssimos, aliás. É que garantir espaço para a fauna brasileira no imaginário infantil é uma atitude de se aplaudir.
Soa até – me perdoem a expressão – como “resistência”. Mas boa resistência. Veja o caso de Chapeuzinho Vermelho e o Lobo-Guará (Editora Melhoramentos), do escritor mineiro Ângelo Machado. Delicioso, do começo ao fim. Em 63 páginas ele conta a história de um lobo-guará (quantas crianças sabem que tem um lobo no Brasil e que ele é vermelho – guará, em tupi?) alucinado por frutas, em especial pelas jabuticabas. O enredo é assim: Anhangá, o espírito do mal, perambula pelo Cerrado em busca de quem queira substituir o lobo-mau na floresta, já que o legítimo regressou para a Europa para seguir carreira de devorador de crianças e vovós. Ele encontra o lobo-guará e tenta fazer dele o discípulo da maldade. Será que o lobo-guará vai aceitar?
Só nessa introdução, quanta novidade para os leitores mirins acostumados ao lobo-mau europeu, às maçãs da Branca de Neve, à neve, a anões e todas as referências que, a despeito de serem importantes para a compreensão da cultura dos outros povos, ficam muito acima da linha do Equador e não aproximam as crianças brasileira da realidade delas. Além da bela narrativa, o livro de Ângelo Machado traz uma série de informações que servem para iniciar as crianças no universo da ecologia. E este é um grande mérito.
Na mesma linha, acaba de chegar ao mercado A menina que queria ser gambá, do escritor brasiliense Marco Miranda. O texto conta a história da menina que não queria tomar banho (quem tem filho sabe muito bem o que é isso). Sujinha, acaba atraindo a companhia dos gambás, detestados justamente pelo mau cheiro. O livro explica a função do odor para os gambás e abre portas para os pais conversarem sobre ecologia, e banhos, com os filhos. O livro ainda brinda o público com ilustrações do pernambucano Tico Magalhães.
Marco Miranda é publicitário, mas confessa que o que gosta mesmo é de escrever para crianças. Já publicou três livros e tem mais seis no prelo. O próximo é Nonato carrapato chato, sobre as desventuras de um carrapato que quer convencer os bichos da floresta a levá-lo como “carona”. Nessa lenga, Nonato dialoga com a paca, a cutia, o tamanduá, o lobo-guará (olha ele de novo) e acaba por apresentá-los aos leitores.
A nova safra de Marco Miranda terá também A árvore e o preguiça, e chega ao mercado dentro da coleção Chapéu Grande, idealizada por ele e publicada pela LGE Editora, de Brasília.
Das Minas Gerais, pelas mãos da Editora Leitura, de Belo Horizonte, vem Saci, o amigo da Floresta. A história conduz o jovem leitor a um intrigante e instrutivo passeio pela Floresta Amazônica tendo como guia o diabrete do gorro vermelho. Tupiniquim total.
Os brasileirinhos, da Cosac Naify, vai pelo caminho explícito de mostrar bichos nativos, mas o faz de modo elegante, com boas construções poéticas e ilustrações de primeiríssima qualidade, além do requinte gráfico.
Na linha mais poética, as seções infantis das livrarias oferecem uma pérola para a criançada: Bem-te-vi e outras poesias, trabalho conjunto de Lalau e Laurabeatriz, pela Companhia das Letras. O livro, em formato pequeno, fala de passarinhos, abelhas, formigas e vaga-lumes sem apelar para o didatismo. Além de iniciar os pequenos na poesia, ainda informa sobre a bicharada que nos ronda. Uma leitura primorosa que se inicia com uma citação do compositor Adoniran Barbosa: “Olha o sol. Parece um remendo branco na calça azul do céu”. Já é um bom começo de conversa.
* Jaime Gesisky é jornalista catarinense radicado em Brasília. Há cinco anos, dedica-se a estudar e escrever sobre a biodiversidade brasileira.
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