Reportagens

Tolerância zero

Excesso de visitantes já começa a mostrar efeitos danosos ao meio ambiente em Bonito (MS). O Ministério Público se meteu na jogada e interditou o rio Sucuri.

Andreia Fanzeres ·
20 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Por duas semanas, um dos destinos ecoturísticos mais procurados do país ficou sem uma de suas maiores atrações. Quem viajou para Bonito (MS) em abril com a intenção de apreciar a beleza e a limpidez do rio Sucuri teve que trocar de passeio porque o local ficou interditado por ordem judicial.

Como naquele paraíso o meio ambiente é assunto de vital importância para a economia do município, todos entram em alerta ao menor sinal de agressão. Por exemplo, as alterações no fundo do rio por causa do movimento de barcos e visitantes. Depois de uma perícia feita por biólogos da região, esses danos fizeram as empresas pararem.

Para se ter uma idéia, quem entra nas águas geladas dos rios e lagos de Bonito é orientado a vestir coletes salva-vidas simplesmente para evitar tocar os pés no fundo. Todo esse cuidado é quase em vão quando se verifica o movimento de barcos levando cerca de 130 turistas diariamente para o Sucuri.

Por isso, quando uma das operadoras de turismo notou um aumento da atividade da concorrente com os barcos rio acima, tomou a dianteira e chamou o Ministério Público Estadual (MP). Foi um tiro no pé. Ela também estava irregular e teve que paralisar suas atividades.

As picuinhas entre as duas únicas operadoras que exploram o Sucuri não vêm de hoje. Segundo a juíza Luciane Buriasco de Oliveira, que suspendeu o ecoturismo no rio, elas vinham brigando há anos sobre a culpa das agressões ao Sucuri. Quando o MP começou a investigar o caso, constatou que a empresa Rio Sucuri Ecoturismo Ltda levava os turistas para descerem o rio de barco com uma licença ambiental vencida desde 2001. Por sua vez, a concorrente Barra do Sucuri fazia passeios rio acima, mas também não tinha uma licença que garantisse suas atividades. Além disso, até agora ambas não apresentaram Estudo nem Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima), como exigido pelo MP. Aliás, apesar da aparência ecologicamente correta dos passeios ecoturísticos de Bonito, é difícil encontrar alguma agência que opere de acordo com esse tipo de laudo.

Para voltar a funcionar no local, a empresa Rio Sucuri Ltda conseguiu agilizar a renovação da licença ambiental junto à Secretaria do Estado de Meio Ambiente (Sema), mas como não encomendou o Eia/Rima teve que parar de trabalhar com o barco. Agora, só promove “flutuação”, ou seja, passeios com colete ao sabor da correnteza. Para Barra do Sucuri, essa opção não é viável. “Como não tenho a propriedade das terras do entorno do rio, só posso levar os turistas até a nascente por barco”, argumenta o dono da empresa, Eduardo Soares de Sena Madureira. Ele conta que graças à baixa temporada os prejuízos diários variam de 800 a 1200 reais. “Poderia estar sendo pior, cerca de 3 mil reais por dia”, estima. Segundo Madureira, se a situação não for revertida, será preciso começar a demitir os funcionários dentro de um mês.

Como a concessão da licença ambiental completa da Barra do Sucuri ainda tramita na Sema, Madureira tenta alternativas menos impactantes aos seus negócios. “Em vez do Eia/Rima, que levaria três anos para ficar pronto, poderíamos continuar operando e nos responsabilizaríamos por um monitoramento ambiental com técnicos indicados pelo próprio MP. Poderíamos arcar com todos os custos”, sugere. Mas como o MP ainda não se dobrou à idéia, o dono da empresa ameaça provocar um rebuliço na cidade, exigindo que o Eia-Rima seja cobrado de todas as operadoras de turismo de Bonito. “Seria perda total, a cidade inteira pararia porque ninguém tem isso por aqui”, revela.

Ainda que seja difícil perceber alterações gritantes ao meio ambiente em Bonito, os biólogos que realizaram a perícia no rio Sucuri afirmam que algumas plantas já desapareceram por causa do ecoturismo, alertando ainda que algumas das espécies submersas podem sofrer negativamente por causa do atrito com o corpo dos banhistas, entre outros danos classificados como irreparáveis pela juíza. É certo que em relação a tantas outras agressões que saltam aos nossos olhos país afora, os problemas em Bonito poderiam até ser ignorados. Ainda bem que, desde cedo, não foram. E, para o turista de primeira viagem, tudo continua lindo e azul em Bonito.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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