Esta semana as madeireiras certificadas do Pará – que extraem madeira da floresta amazônica utilizando técnicas de baixo impacto ambiental – vão se reunir em Belém para discutir o seu horizonte futuro. Neste momento, ele vai do cinzento ao totalmente escuro. E isso não é nada bom para a economia da região. Essas empresas formam um grupo diminuto, mas economicamente influente. No ano passado elas foram responsáveis pela maior parte dos US$ 947 milhões emprodutos madeireiros exportados pelo estado. A Cikel, por exemplo, que tem três áreas de manejo certificadas pela Forest Stewardship Council (FSC) no estado, está impedida de trabalhar numa delas, a Fazenda Martins, por conta de uma invasão ocorrida em maio. As outras duas ainda estão em operação com base em documentação emitida ainda no ano passado. A papelada precisa ser renovada brevemente.
A decisão do Ibama sobre seu Plano de Operação Anual (POA) para 2005, uma autorização para executar o manejo que precisa ser renovada ano a ano, sai esta semana. Se a resposta for positiva, apesar da presença dos invasores na área da Martins, menos mal. “Se não sair, sabemos que vamos parar. A questão é quando”, diz Leonardo Sobral, diretor da empresa. A expectativa, levando-se em conta o passado recente, não é muito animadora. Até agora, o Ibama no Pará não deu nenhum POA para o corte de árvores em regime de manejo este ano. A Orsa Florestal, que tem mais de 400 mil hectares de mata nativa certificada na área do Projeto Jari, na divisa entre o Pará e o Amapá, e obteve durante dois anos seguidos seus POAs sem qualquer problema, ainda não conseguiu receber o documento do órgão para continuar a trabalhar em 2005. A parte da floresta designada para corte este ano continua praticamente intocada (foto). A empresa já demitiu pessoal e engavetou seus planos de expansão da atividade madeireira.
“Não há uma explicação razoável para a situação”, diz Roberto Waack, presidente da Orsa. “Estão exigindo procedimentos burocráticos que não foram pedidos nos anos anteriores”. A reunião na capital paraense representa a primeira tentativa por parte das certificadas de criar uma frente comum de ação para enfrentar uma clara incapacidade dos governos estadual e federal de resolver no curto prazo a situação. A Cikel até hoje aguarda o cumprimento pela PM do Pará de uma ordem judicial de reintegração de posse na Fazenda Martins. A Orsa, que enfrenta também invasões nas suas florestas certificadas, mas tem um problema mais imediato com a falta do POA para trabalhar este ano, decidiu impetrar um mandado de segurança na justiça paraense para tentar obter o documento.
Sem poder entrar no mato para abater árvores e com sua produção para este ano definitivamente comprometida, a empresa se viu forçada a demitir funcionários da sua equipe de manejo florestal. “Já foram embora 130”, diz Gilmar Bertoloti, diretor da Orsa no Jari. “Ainda estamos mantendo um pedaço da turma que atua diretamente no corte, na esperança que o POA saia e a gente possa começar a trabalhar”. Por enquanto, quem ainda mantém o emprego, não tem muito o que fazer. “Eles ficam aqui parados e a gente procurando dar a eles o que fazer, tipo trabalhos de pintura e pequenas reformas”, diz Euclides Reckziegel, responsável direto pela área de manejo da empresa, olhando para o pátio vazio do acampamento (foto) que abriga os homens durante a época de derrubada, que vai de julho até dezembro, chamada de verão na região por ser o período de chuvas reduzidas. Se continuar assim, a Orsa manterá apenas os empregos das 50 pessoas encarregadas do inventário do que existe na floresta, uma mão de obra ultra qualificada que não é reposta facilmente.
O pátio da serraria do Jari já está praticamente vazio e os seus três turnos de trabalho estão reduzidos a apenas um. O que resta é madeira cortada ainda no ano passado. A sobra só dá para operar até 30 de agosto. Se até lá a empresa não conseguir o POA do Ibama, lá se vão mais empregos. Os planos de expansão de operações para este ano já se foram. “Íamos investir 25 milhões de reais numa nova serraria, bem mais moderna”, conta Waack. Na quinta feira, dia 28 de julho, Waack aguardava no aeroporto de Monte Dourado um grupo de investidores estrangeiros dispostos a colocar outros 20 milhões de dólares para criar no Jari o que seria a maior fábrica de pisos de madeira do mundo. As conversas já duravam meses.
“Como é que eu vou explicar esta situação para eles”, perguntava-se, sem muita esperança de encontrar uma resposta e quase nenhuma de que o negócio fosse adiante. Esta não era a única explicação que ele tentava encontrar. A Orsa passou meses tentando convencer um armador norueguês que leva parte da celulose produzida na sua fábrica no exterior a carregar também a sua madeira certificada comprada por clientes europeus. “Foi uma negociação longa e complicada, eles tiveram que fazer adaptações nos seus navios e agora não há nada para transportar”, conta ele.
“Essa insegurança jurídica e institucional nos impede de planejar e prever o futuro”, diz Bertoloti. O pior é que no longo prazo ela não dá sinais de que ira amainar. Além dos seus problemas com o POA, o pessoal Orsa está sendo obrigado a lidar com invasores com os quais não está acostumado. “Sempre houve invasão por aqui”, conta Antonio Praxedes, que cuida das relações com as comunidades estabelecidas dentro e no entorno dos 1 milhão e 750 mil hectares que compõem a área do Jari. “Mas era uma coisa pontual, pequena, em geral feita de gente que faz extrativismo. Você ia lá, conversava e eles saiam sem problemas”.
A partir do ano passado, a coisa mudou. Começaram a chegar invasores com um perfil diferente, madeireiros vindos do Leste do estado, da região de Paragominas e um pequeno grupo de trabalhadores extrativistas reivindicando terras para estabelecerem projetos de agricultura familiar. Ambos contam, diz a empresa, com a parálise dos órgãos federais no Pará ou com o apoio explícito de funcionários do governo estadual. O primeiro grupo ocupou área preparada para o manejo certificado à Oeste, com estradas já abertas, próxima ao rio Parus. O segundo se estabeleceu em Área de Preservação Permanente (APP) do Jari. Quem mais preocupa a direção e os funcionários da Orsa no curto médio prazo são os madeireiros. Estão dispostos, diz a Orsa, a recorrer a métodos violentos para ficarem onde estão.
A empresa os acusa de ameaçar de morte seus funcionários que tentam se aproximar do local. Estenderam também as ameaças para muito além dos limites geográficos do Projeto Jari. O advogado da Orsa que cuida da questão na Justiça e nos órgãos estaduais e federais sediados em Santarém ouviu diversas vezes que ele e a família iriam morrer. “Tivemos que remover sua mulher e filho daqui”, conta Waack. Até a empresa paranaense que fazia geo-referenciamento de terras para a Orsa na região recebeu telefonemas em sua sede, em Curitiba, dizendo que se seus funcionários insistissem em continuar seu trabalho no local seriam fuzilados.
“Diante disso”, explica Bertoloti, “tomamos a decisão de não confrontá-los. Acompanhamos o que estão fazendo de longe, registramos ocorrências na polícia e no Ibama, mas é só”. A Orsa também decidiu isolar a área. Sua segurança não permite que ninguém chegue a ela. Nem mesmo Waack. Ele insistia em ver de perto o problema, mas não conseguiu dobrar a resistência da sua guarda patrimonial. Seus homens, invocaram a necessidade manter sua integridade física e simplesmente se recusaram a guiá-lo até o local. A direção do Jari diz que a invasão dos madeireiros tem por detrás dela o dedo de Sidney Rosa, ex-prefeito de Paragominas e antigo madeireiro no Pará, hoje abrigado no PSDB. Há quem duvide disso.
“Não combina com o Sidney”, diz Justiniano Netto, diretor da AIMEX, a associação de madeireiras exportadoras do Pará que congrega as empresas de manejo certificado do estado, entre elas a própria Orsa Florestal. Eu conversei com Rosa pelo telefone na quinta-feira, dia 28 de julho, e ele negou terminantemente o que disse não passar de uma maldosa suposição. Admitiu que está ocupando desde o ano passado terras reclamadas pelo Jari e que está lá para tirar madeira. Mas disse que não organizou invasões em massa e que abomina a violência. Ele está ocupando dois grandes lotes de terra.
“Não se trata de invasão. Eu comprei essas propriedades. Elas têm títulos de 112 anos”, afirma, insistindo que sua papelada, ao contrário da que tem o Jari, é absolutamente legal. Ele se diz espantado com o fato do Ibama ter concedido autorização para manejo florestal para o Jari em terras que englobam os municípios de Almerim e Monte Dourado, uma extensão de mais de 445 mil hectares. “Eles não têm o direito de estar lá”, insiste Rosa. Ele invoca um relatório do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), órgão fundiário do estado, para dizer que a Orsa, controladora do Jari, não tem direito sobre 1 milhão e 750 mil hectares, mas apenas sobre 12 mil hectares. Aponta que o estudo rendeu reportagem no O Liberal, um dos principais jornais do estado. Assinada pelo repórter Carlos Mendes, ela foi publicada na segunda-feira, 25 de julho.A Orsa, em carta enviada ao jornal, contestou seu conteúdo.
Rosa diz que como ele, outras 700 famílias defendem seus direitos a lotes de terra na área e reconhece que sua presença lá se deve à madeira. “Eu já dei entrada em pedidos de plano de manejo no Ibama e, assim que eles saírem, vou pedir a certificação das minhas operações”, diz. Garante ainda que não está tirando madeira do local, à espera da legalização pelos órgãos competentes. Para além da troca de acusações, o fato é que o Pará continua a viver uma situação de insegurança fundiária que parece não ter fim, agravada este ano pela quase que total paralisação das atividades da indústria madeireira, tanto a clandestina quanto a legalizada.
O alto escalão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) acredita que a pressão sobre as áreas de manejo das madeireiras certificadas tem o objetivo de pressionar o governo a relaxar o arrocho que impôs este ano aos madeireiros da região. Pode até ser. Mas isso não explica a razão pela qual as certificadas também estão tendo tanto trabalho, ao contrário de anos anteriores, para obter suas licenças de operação. Ao que tudo indica, o aperto federal dos últimos meses reduziu sensivelmente o corte de árvores. Mas parece ter tido impacto negativo na grilagem. Ela virou uma das poucas alternativas para se conseguir madeira ainda no verão deste ano para por uma serraria para trabalhar. O Greenpeace detectou que em várias regiões do Pará madeireiros estão tomando terras que depois oferecem a comunidades tradicionais que habitam próximo às áreas griladas.
“Eles vão até esses grupos e oferecem as terras para ocupação desde que, ao se instalarem lá, eles se utilizam dos mecanismos do Programa Safra Legal”, diz Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace. Ele foi criado pelo atual governo e permite que pequenos posseiors que ocupem áreas de 100 hectares peçam, ano a ano, para desmatar 3 hectares até o limite de 20 hectares. Eles ganham não apenas o direito de cortar árvores, mas também toda a documentação necessária ao transporte e comercialização da madeira obtida. É tudo que interessa aos madeireiros, que oferecem em troca às comunidades, além da terra, algum dinheiro.
Rubens Gomes, presidente do Conselho do FSC no Brasil, ong responsável pela certificação da madeira em vários países, testemunhou essa situação de perto na última semana no Jari, onde esteve por três dias. Numa visita à comunidade de Bituba, instalada na área sob controle da Orsa, um dos líderes lhe contou que tinham recebido recentemente um madeireiro que lhes ofereceu 200 mil reais para que 200 famílias ocupassem uma outra área dentro do Jari que já estava demarcada. Cada uma delas receberia, além dos lotes, mil reais. Em troca, teriam que entregar madeira e os documentos de legalização do produto obtidos através do Programa Safra Legal. “Eles não aceitaram a proposta”, conta Gomes.
* O repórter foi ao Jari à convite da Orsa Florestal.
Leia também
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →
Trilha que percorre os antigos caminhos dos Incas une história, conservação e arqueologia
Com 30 mil km que ligam seis países, a grande Rota dos Incas, ou Qapac Ñan, rememora um passado que ainda está presente na paisagem e cultura local →