Reportagens

Pobres carrapatos

A notícia de que carrapato mata causou surpresa nos centros urbanos, mas nem todos são nocivos. Passear por matas ainda é um bom programa, basta ter cuidado.

Carolina Elia ·
11 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

Em meio a cassações, CPIs e Campeonato Brasileiro, um carrapato conseguiu destaque nos principais jornais do Brasil. Não fez por menos. Na primeira quinzena de outubro, matou duas pessoas que se hospedaram na pousada Capim Limão, em Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro, e outras três em São Paulo. Os óbitos poderiam ter sido evitados se os médicos das grandes cidades não estivessem tão desacostumados às doenças do mato.

Existem centenas de espécies de carrapato no Brasil, mas poucas transmitem a bactéria Rickettsia rickettsii, propagadora da febre maculosa cujos sintomas são parecidos com os de leptospirose e dengue hemorrágica: dor de cabeça, febre alta, fadiga e placas vermelhas pelo corpo. A doença pode ser curada com antibióticos, mas se não for diagnosticada e tratada corretamente leva à morte.

O tipo de carrapato que passou a assombrar quem freqüenta mato nos fins de semana é o carrapato estrela. Um aracnídeo que precisa sugar sangue para viver e pode chegar a medir 15 milímetros depois de uma boa refeição. O que ele faz isso pelo menos três vezes em seu ciclo de vida. A primeira, quando chega a hora de passar do estado de larva para o de ninfa (espécie de adolescência), depois quando passa para a fase adulta, e finalmente quando se prepara para o acasalamento. Entre uma refeição e outra, pode ficar meses escondido num lugarzinho sem querer sentir cheiro de sangue. O problema é que esse lugarzinho não precisa ter terra nem planta. Basta ser úmido, quente e escuro. Portanto, carrapato sobrevive em casas e apartamentos na cidade.

A procriação de carrapatos pode acontecer no chão da sua sala de estar. Como explica o especialista em parasitologia da Fundação Oswaldo Cruz, Júlio Vianna Barbosa, basta existir um macho e uma fêmea no mesmo local para se gerar milhares de micuins – nome popular para carrapatinhos. Uma fêmea de carrapato estrela pode produzir de 6 a 8 mil ovos. E é comum uma pessoa pegar mais de um carrapato.

Ainda assim, não há motivo para pânico. Carrapato se pega, mas também se tira e mata. Quando bate a fome, o bicho se posiciona na ponta de folhas e gramas e ao perceber a aproximação de um vertebrado levanta as garras dianteiras para se agarrar à presa assim que ela passar. Carrapato não pula. Para pegar é preciso entrar em contato direto com ele. E uma vez que ele começa a se alimentar do sangue da vítima, que pode ser desde um cachorro a um ser humano, ele não troca de prato. Não acaba a refeição no lombo de outro vertebrado.

Uma das dicas para se evitar pegar carrapato é enganar o bicho. Esfregar um pano ou um pedaço de pau nas plantas que estão no caminho para eles se agarrarem ao objeto e não a você. Também é aconselhável usar roupas claras e largas para poder enxergá-los melhor e evitar que se fixem à pele. Mas é importante que as extremidades das blusas e calças sejam justas ao corpo para evitar que o carrapato entre por baixo da roupa. Um truque é vedar a barra da calça com a meia e ainda se proteger com botas. Um boné também é sempre bom, já que os carrapatos adoram se agarrar aos cabelos. A cada três horas é prudente vasculhar o corpo e as roupas (que devem ser postas para lavar logo) atrás do minúsculo bicho, que pode ser confundido com uma pinta. É importante verificar áreas como a nuca, virilha e atrás da orelha.

Se você esbarrar com um desses aracnídeos fincados na pele, o ideal é recorrer a uma pinça para tirá-lo. Nos Estados Unidos existem até ferramentas específicas para a operação, mas não é necessário. Basta encaixar a pinça bem perto da pele e puxar o animal pela cabeça e para cima, com uma força constante, até ele se desprender. Um método menos doloroso, aconselhado pelo biólogo Julio Barbosa, é passar um algodão com óleo, até mesmo de cozinha, por cima do animal. A substância faz o carrapato descontrair a musculatura e se despregar.

Seja qual for o método escolhido, o mais importante é evitar que o carrapato se parta e deixe o aparelho bucal na epiderme. Especialistas desaconselham também tentar queimar ou arrancar o carrapato de qualquer jeito porque ele não sai, se estressa e lança mais toxina no sangue. Essas enzimas podem causar reações como coceira e deixar a ferida sujeita a infecções.

Ainda assim, esse bichinho pode grudar em você, lhe anestesiar com a saliva, furar sua pele, lançar um anticoagulante e ficar ali dias até se dar por satisfeito e não lhe causar nenhuma doença. Para ele provocar males como a febre maculosa, precisa estar contaminado. Precisa ter nascido de um carrapato fêmea contaminado ou ter sugado o sangue de algum animal vertebrado portador da bactéria.

A febre maculosa, também conhecida como febre das montanhas rochosas, foi descrita pela primeira vez no começo do século XX nas cordilheiras dos Estados Unidos. Acredita-se que ela veio parar no Brasil  através de algum animal importado. Talvez um búfalo ou um boi. Mas também pode ter vindo de carona numa ave migratória. De certo, não foi transmitido por uma pessoa, pois até onde a ciência sabe isso é impossível.

Os primeiro casos de febre maculosa foram registrados no Brasil em 1929. Nos últimos dez anos, o Ministério da Saúde registrou 386 casos no Sudeste do país, onde a doença é mais comum. Cento e sete pessoas morreram. O número de casos registrados quase duplicou nos últimos dois anos, mas segundo o Ministério, o motivo pode ter sido a exigência do governo de registrar tais casos desde 2001. 

Para Julio Barbosa, não se pode considerar o número do Ministério da Saúde preciso porque muitos casos podem ter escapado aos atestados de óbitos, já que os médicos não estão acostumados a identificar a febre maculosa. “As doenças transmitidas por parasitas externos como carrapatos, pulgas, sarnas e piolho são cada vez mais negligenciadas nas faculdades de Medicina. Os médicos não aprendem sobre elas”, diz.

O pouco conhecimento sobre os riscos existentes no meio ambiente se expande para além dos centros acadêmicos. A notícia de que carrapato mata provocou uma onda de pânico nas cidades. No Rio, um taxista encontrou um bicho estranho em seu carro e ficou alarmado. Colocou-o num saco plástico e levou para a Fiocruz: era um percevejo. Quem mora e trabalha nas matas está ressabiado com as novas, mas ao mesmo tempo está acostumado a ver cavalos e cachorros morrendo da mesma febre. E tem o costume de chegar da roça e procurar carrapato no corpo. Para transmitir a bactéria, o carrapato estrela tem que ficar pelo menos quatro horas acoplado ao hospedeiro.


Carrapatos são perigosos e viraram pragas em algumas regiões por desequilíbrios ambientais causados pelo homem. Há dois anos, houve um surto em uma cidade do Espírito Santo onde um campo de futebol era usado como pasto à noite. O foco foi descoberto e a praga controlada. O que não vale é ficar com medo de mato.


A melhor prova de que o pequeno animal não é um bicho-papão está no Google. Basta escrever ticks (carrapato em inglês) na busca para encontrar centenas de sites dos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e outros países onde os carrapatos são mais perigosos que os nossos, dando dicas e explicações de como conviver com estes aracnídeos. A agência de proteção ambiental americana (EPA) dá até dicas de repelentes.

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