Análises

Negócio arriscado: Como a exploração de petróleo pode afundar o Brasil

A decisão de promover a exploração e venda de mais combustíveis fósseis contrasta drasticamente com a realidade climática global e os eventos recentes que atestam sua severidade

Nicole Oliveira · Juliano Bueno de Araujo ·
8 de maio de 2024

À medida que a B3 anuncia a realização de leilões para a comercialização de petróleo e gás natural, um paradoxo se desenrola diante de nossos olhos. A decisão de promover a exploração e venda de mais combustíveis fósseis contrasta drasticamente com a realidade climática global e os eventos recentes que atestam sua severidade.

No Rio Grande do Sul, estamos testemunhando enchentes históricas que deslocaram comunidades e causaram prejuízos significativos de bilhões na infraestrutura pública, destruíram milhares de casas e lavouras, atingiram de forma direta mais de 1,3 milhões de pessoas, gerando perdas de centenas de vidas humanas e milhões de animais.

Este é um retrato vívido dos eventos climáticos extremos que são amplificados pelo aquecimento global – o mesmo aquecimento que é acelerado pela queima dos combustíveis que agora se pretende leiloar. Quase 90% das emissões globais de CO2 provêm da queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás fóssil), intensificando o ciclo hidrológico, resultando em chuvas mais intensas  e, consequentemente, enchentes mais severas, gerando verdadeiros “Dilúvios Climáticos”.

A projeção é que a curva de produção de petróleo e gás natural da União dê um salto nos próximos anos, com a produção de petróleo esperada para aumentar de 50 mil barris por dia atualmente para 564 mil barris por dia em 2029. Da mesma forma, a produção de gás natural fóssil deverá atingir 3,5 milhões de metros cúbicos em 2029. Esses aumentos significativos na produção de combustíveis fósseis indicam um compromisso contínuo com uma indústria que deveríamos estar planejando deixar de sermos dependentes e reduzirmos significativamente investimentos e sua expansão .

O aumento de 204,6% nos processos de licenciamento para exploração de petróleo e gás nos últimos dez anos refletem uma tendência preocupante de priorizar ganhos econômicos imediatos em detrimento da sustentabilidade e segurança ambiental.  Investir na exploração de combustíveis fósseis não é apenas ecologicamente insustentável; é economicamente imprudente. O financiamento global destinado a mitigar os impactos das mudanças climáticas está estimado em 1,3 trilhão de dólares, enquanto o financiamento para adaptação é muito menor, sugerindo que a prevenção é tanto mais eficaz quanto mais econômica.

É crucial repensarmos nossa matriz energética, privilegiando fontes limpas, renováveis e sustentáveis que não só aliviam o impacto ambiental, mas também oferecem maior resiliência econômica e social. As iniciativas devem mirar a redução da dependência de combustíveis fósseis, através da transição energética justa para tecnologias sustentáveis que protejam nosso planeta e as gerações futuras, e não na expansão das fronteiras de exploração.

À medida que eventos extremos como as enchentes se tornam mais frequentes e devastadores, cada decisão que tomamos hoje ressoa no futuro. Os leilões de petróleo e gás representam uma escolha crítica: continuar um caminho destrutivo ou escolher um novo rumo que valorize a vida e o ambiente. A decisão que tomarmos agora definirá o mundo em que viveremos – um mundo de desastres frequentes ou um de recuperação, restauração e renovação.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Nicole Oliveira

    Mestre em Direito Internacional e Resolução de Conflitos pela UPeace, Universidade para a Paz, afiliada das Nações Unidas. Há 15 anos trabalha com os temas da justiça socioambiental e a transição energética no Brasil. Desde 2022 é diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, fundação com sede em 10 países focada na promoção de direitos, litigância e informação sobre proteção ambiental, das pessoas e do clima.

  • Juliano Bueno de Araujo

    É diretor presidente do Instituto Internacional Arayara e da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS).

Leia também

Salada Verde
30 de abril de 2024

Ministério abre consulta pública sobre “papel do petróleo” na transição energética

A consulta da pasta de Minas e Energia começou na sexta (26), após um seminário sobre o tema em Brasília, e vai até o dia 11 de maio; prazo de apenas 15 dias é alvo de críticas

Análises
5 de abril de 2024

Fracking no Brasil: Uma política de riscos inaceitáveis

Estudos nos Estados Unidos e Argentina, onde o fracking é comercialmente explorado, detalham os danos ambientais, sociais e produtivos causados

Análises
8 de março de 2024

Energia em Transição: o papel vital das mulheres na luta climática do Brasil

A realidade das mulheres em face dos desafios climáticos é sombria: elas têm 14 vezes mais chances de morrer em desastres naturais do que os homens

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 1

  1. Ronaldo Aidos diz:

    O Brasil ,produz e consome uma fração ínfima de todos os combustíveis fósseis e renováveis consumidos no mundo. O maior consumo desses combustiveis, cerca de 70% é feito pelos países ricos e desenvolvidos. Quem tem que reduzir a maior parte do consumo desses combustíveis poluentes para combater o aquecimento global, são esses países ricos, dos quais o principal é os EUA. Mesmo que o Brasil reduza seu consumo de combustiveis fosseis, muito pouco vai influir na redução do aquecimento global. Portanto temos que continuar investindo nos combustiveis fósseis, para garantir nosso desenvolvimento, rumo a sermos uma nação tão rica quanto as atuais já desenvolvidas.