Análises

Fracking no Brasil: Uma política de riscos inaceitáveis

Estudos nos Estados Unidos e Argentina, onde o fracking é comercialmente explorado, detalham os danos ambientais, sociais e produtivos causados

Nicole Oliveira ·
5 de abril de 2024

A recente declaração do ministro Alexandre Silveira sobre expandir a exploração de petróleo e gás no Brasil, incluindo o controverso método de fracking (fraturamento hidráulico), acendeu um alarme entre ambientalistas, cientistas e a sociedade civil. A defesa dessa tecnologia ignora um debate profundo que já ocorre no Brasil há mais de uma década, onde os riscos ambientais, sociais e produtivos associados ao fracking foram extensivamente analisados e rejeitados.

Há 12 anos, a oposição ao fracking se solidificou no Brasil, unindo vozes de cientistas, parlamentares, setores produtivos e a sociedade civil. Eles alertam sobre as consequências devastadoras dessa prática, como a perda da produção agropecuária, contaminação de aquíferos vitais, poluição atmosférica e proliferação de doenças. A experiência da Argentina[1], onde o fracking prejudicou a fruticultura na Patagônia e contaminou rios, é um exemplo concreto dos perigos que o Brasil poderia enfrentar.

Contrariamente à argumentação do ministro, que vincula a exploração de gás ao combate à fome, a realidade mostra que o fracking ameaça diretamente os recursos que sustentam a produção de alimentos. Das mais de 700 cidades brasileiras ameaçadas pela exploração não convencional, 478 já proibiram o fracking, reconhecendo os perigos potenciais para seus territórios e recursos hídricos. Esse consenso local reflete-se nas proibições estaduais no Paraná e Santa Catarina e nas deliberações da Assembleia Legislativa de São Paulo.

O apelo à expansão exploratória do ministro é um contrassenso diante das evidências científicas. Estudos nos Estados Unidos e Argentina, onde o fracking é comercialmente explorado, detalham os danos ambientais, sociais e produtivos causados. As operações de perfuração podem levar à contaminação das fontes de água potável, com mais de 80% dos poços apresentando vazamentos em até três anos após a perfuração.

Além disso, o fracking está associado à produção e emissão de mais de mil compostos químicos, muitos dos quais são tóxicos ou potencialmente cancerígenos. Nas regiões de exploração[2], observou-se um aumento nos casos de leucemia em crianças, nascimentos prematuros, bebês com baixo peso e más formações congênitas. A contaminação não se limita à água, estendendo-se ao ar, afetando a saúde de comunidades e animais, e reduzindo o valor das propriedades rurais.

A defesa do setor de petróleo e gás realizada pelo ministro contradiz os compromissos climáticos do Brasil, fragiliza os investimentos em energias renováveis e freia a premente necessidade de uma transição energética para fontes mais limpas e sustentáveis. O gás natural, longe de ser uma ponte para essa transição, representa uma escolha que desafia tanto a lógica econômica quanto a ambiental.

É imperativo que o Brasil reconsidere a trajetória de sua política energética, afastando-se de fontes fósseis poluentes como o fracking. Devemos priorizar investimentos em energias renováveis,que não apenas cumprem nossos compromissos climáticos, mas também promovem desenvolvimento sustentável, saúde pública e geração de empregos. A aventura pelo fracking é um risco que o Brasil não pode e não deve assumir.


[1] https://arayara.org/estudo-vincula-perfuracao-de-gas-natural-a-problemas-de-saude-em-criancas-e-residentes-na-pensilvania/
Fonte original do estudo: https://ehp.niehs.nih.gov/doi/10.1289/EHP11092


[2] Para entender mais sobre o caso do Fracking na Argentina, sugerimos o documentário GasLand (2010), do diretor Josh Fox, disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=k3eYX7LaLLg&list=PLVKihZd7GxfihGo6Bq8WresJXDNbcAL_o&index=2

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Nicole Oliveira

    Mestre em Direito Internacional e Resolução de Conflitos pela UPeace, Universidade para a Paz, afiliada das Nações Unidas. Há 15 anos trabalha com os temas da justiça socioambiental e a transição energética no Brasil. Desde 2022 é diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, fundação com sede em 10 países focada na promoção de direitos, litigância e informação sobre proteção ambiental, das pessoas e do clima.

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Comentários 1

  1. Rui Ogawa diz:

    As declarações de Alexandre Silveira afrontam o bom senso e a inteligência de inúmeros estudioso que apontam todas as inviabilidades e riscos sobre o que ele defende. Urge a troca de comando no Ministério de Minas e Energia.