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Monitoramento de cetáceos em risco nas áreas afetadas pela catástrofe de Mariana

Ongs e cientistas alertam que espécies podem ser extintas, mas a Fundação Renova afirma que o acompanhamento prossegue

Aldem Bourscheit ·
4 de outubro de 2024

Considerado o maior desastre ambiental da história brasileira, o rompimento da barragem de Fundão, no interior do município de Mariana (MG), em novembro de 2015, causa prejuízos até hoje.

O colossal despejo de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério afetou 39 municípios, em Minas Gerais e no Espírito Santo, e matou 118 pessoas, aponta a Cáritas.

Além disso, a poluição que desceu por mais de 600 km do Rio Doce chegou ao Atlântico, ameaçando a biodiversidade costeiro-marinha. Chuvas fortes jogam mais contaminantes acumulados no manancial.

A lista inclui uma população isolada da toninha (Pontoporia blainvillei), no norte do Espírito Santo. Parente das baleias e golfinhos, a espécie é o cetáceo sob maior ameaça de extinção no Atlântico Sul.

A grande mancha tóxica do desastre de Mariana quando chegou ao Atlântico. Foto: Fred Loureiro / Secom/ES.

Bancado pela Fundação Renova, o monitoramento executado por instituições públicas e particulares mostra ambientes e animais contaminados com arsênico, cromo e outros “metais pesados”. 

A entidade foi criada em 2016, quando as empresas Samarco, Vale e BHP assinaram um acordo judicial para reparar os estragos socioambientais causados pela tragédia.

Absorvidas pelos organismos, essas substâncias provocam danos neurológicos, cardiovasculares, infecções, deformações e outros problemas de saúde. 

“Isso afeta a fauna de maneira ampla e variada”, diz Eduardo Camargo, coordenador do projeto Baleia Jubarte. “E os cetáceos são os únicos mamíferos monitorados”, alerta. A iniciativa, contudo, estaria ameaçada.

Lesões como a dessa tartaruga, no Espírito Santo, não eram registradas antes do rompimento da barragem de Mariana, afirmam cientistas. Foto: PMBA/Fest/Divulgação

Segundo Camargo, a Renova “quer retirar toda a parte de saúde dos cetáceos” do financiamento. “Pode ter um aditivo enquanto não é aprovado um novo plano de trabalho”, diz. 

Professor e pesquisador na Universidade Estadual do Norte Fluminense, Leonardo Serafim da Silveira atua há duas décadas na região atingida pelo desastre de Mariana.

Para ele, manter o monitoramento é fundamental para que sejam identificados impactos contínuos à biodiversidade e meios de conservação. “A cada ano que passa a possibilidade de consequências aumenta”, reforça.

Silveira descreve que especialmente as toninhas apresentam lesões ósseas e sanguíneas, em órgãos internos como pulmões e rins. “Isso pode afetar a reprodução e extinguir aquela população local”, avisa.

Mas, os prejuízos podem ser ainda maiores. Espécies valiosas para a pesca e o turismo também são vítimas potenciais. “Pessoas podem estar comendo peixe contaminado. O risco é grande para todo o ecossistemas”, alerta o cientista.

Programa renovado

Consultada pela reportagem, a Fundação Renova afirma que um novo formato do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA) foi aprovado este ano e inclui estudos de cetáceos, com mudanças “da malha amostral, da frequência amostral e matrizes analisadas” para “o acompanhamento de tendências sobre as comunidades bióticas e seus ecossistemas na região dulcícola, foz e área costeira e marinha”.

Além disso, a empresa descreve que, para o monitoramento da biodiversidade no Espírito Santo, firmou um acordo de cooperação técnico-científica de R$ 696,5 milhões com a Fundação Espírito Santense de Tecnologia (Fest). 

“Uma rede de pesquisadores gera uma ampla gama de resultados, fornecendo subsídios para o planejamento das ações de reparação da biodiversidade. Seus resultados devem ser interpretados com cautela e integrados a outros estudos para preencher lacunas de conhecimento”, diz a Renova.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista brasilo-luxemburguês cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Sel...

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