Em junho deste ano, o Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas passou a ser obrigatório no Brasil, tanto para estados quanto para municípios. Após três anos parada no Congresso, a proposta foi enfim aprovada na Casa e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aprovação foi impulsionada pelos desastres ocorridos no Rio Grande do Sul, em maio. Dentre os critérios estabelecidos pela lei, estão a necessidade do plano de assegurar a implementação de infraestruturas urbana, nacional e baseada na natureza, além de apresentar diretrizes para que os estados e municípios comecem a elaborar seus próprios planos de adaptação às mudanças do clima.
Os planos de adaptação climática são, como prevê a lei 14.904/2024, “iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima”. Sendo assim, devem estar de acordo com as necessidades da população e os riscos que possam enfrentar.
Segundo Djacinto Monteiro, geógrafo e pesquisador do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), as políticas de adaptação “precisam estar alinhadas com políticas de redução das desigualdades no nosso país” e acrescenta que também é preciso “pensar em políticas de mitigação, que são a redução das emissões de gases de efeito estufa pelo desmatamento e uma renovação da nossa matriz energética”.
77% dos moradores das capitais desconfiam da capacidade das prefeituras de prevenir ou reduzir impactos de desastres
Fonte: Pesquisa do Greenpeace Brasil, com dados coletados pelo Ipec, em 2023
Um planejamento, portanto, desempenha um papel crucial no combate às mudanças climáticas. É a partir deste projeto que se faz possível entender os problemas centrais e agir em cima deles. De acordo com o geógrafo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Antonio Oscar, o plano de adaptação às mudanças climáticas permite, além de reconhecer a diversidade do território e identificar quais são e onde estão os pontos mais críticos da cidade, também possibilita a elaboração de estratégias de intervenção, como indica a lei.
Quando não há um planejamento, os governos ficam mais suscetíveis a agir na emergência de desastres e gastar mais dinheiro com obras de contenção que podem, a longo prazo, não cumprir com o que deveriam oferecer, como explica Oscar. A prevenção fica, então, para segundo plano.
“Quando não há planejamento, as grandes corporações envolvidas com obras de contenção vão continuar ricas ou enriquecer ainda mais, enquanto a população, que sente os efeitos das mudanças climáticas todos os dias, vai continuar sofrendo. Então é perpetuar uma lógica de crise e de exposição de grupos sociais”, explica.
De acordo com dados do IBGE, em 2022, cerca de 124,1 milhões de pessoas viviam em concentrações urbanas, o que representa 61% da população nacional. Essa abundância de pessoas nos centros urbanos gera altas emissões de gases intensificadores do efeito estufa, contribuindo ainda mais para o aquecimento global, segundo o pesquisador do LASA UFRJ, Djacinto Monteiro. “Da mesma forma que as cidades são parte da solução, também é preciso pensar em como dar assistência para as pessoas que vivem nesses centros urbanas e que estão mais vulneráveis, por isso é importante olhar para os planos de adaptação e de mitigação dentro do plano de governo de candidatos e como os atuais e futuros governantes estão pensando em cidades que sejam sustentáveis e resilientes aos eventos extremos que nós já estamos vivendo”, disse.
Foto: Bruno Santos / Folhapress
Além da adaptação, políticas de mitigação também são necessárias no contexto das mudanças climáticas. Por mitigar, entende-se realizar ações que reduzem as emissões de gases do efeito estufa em diversos setores, como transportes e agricultura, além da diminuição de incêndios florestais, que também contribuem no aumento de poluentes atmosféricos. De acordo com Djacinto, é crucial que os governos estejam alinhados com uma renovação da matriz energética e investimento em fontes renováveis de energia.
Para o professor e pesquisador de geografia da UERJ, Thiago Roniere, é imprescindível que a população esteja envolvida na formulação de políticas de adaptação e mitigação climática, tanto na função de demandar do poder público, quanto de exercer ações no próprio cotidiano que estejam de acordo com a redução de gases poluentes e maior adaptação ao clima atual, além de contribuírem na formulação de dados e estratégias. “Eu acredito muito que a possibilidade de exigir a mitigação do poder público e a maior proteção contra eventos extremos não pode vir junto da perda de autonomia de organização dessas populações, na sua capacidade de continuarem reivindicando seus direitos e terem conhecimento do que precisam para se adaptar ao clima”, explicou o professor.
*Foto da capa: Danilo Verpa / Folhapress
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