Cali (Colômbia) – A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas pode reconhecer o papel de afrodescendentes em manter ambientes naturais até o fim da COP16, que desde a última segunda (21) tenta destravar meios para conter as perdas mundiais de biodiversidade.
“A questão não é periférica”, disse a ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad. “Não reconhecer a contribuição histórica das comunidades negras para a biodiversidade é ignorar uma das mais importantes riquezas culturais e políticas”, acrescentou.
Uma proposta para isso é encabeçada por Brasil e Colômbia. O texto será debatido entre os quase 200 países reunidos em Cali e, depois, precisará do sinal verde do plenário da conferência.
A iniciativa é fruto do primeiro Fórum Internacional Afrodescendente numa conferência mundial da biodiversidade, concretizado na manhã desta quinta-feira (23) na COP16, em Cali, por lideranças, ativistas e representantes de comunidades de variados países do mundo.
“Foram necessários mais de 30 anos para reconhecer a necessidade da presença dos afrodescendentes na estratégia de conservação da biodiversidade”, disse Francia Márquez, primeira vice-presidente negra da Colômbia.
A CDB surgiu na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro (RJ). Ela cita que se deve “respeitar, conservar e manter o conhecimento, as inovações e as práticas das comunidades indígenas e locais que incorporam estilos de vida tradicionais, relevantes para a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica”.
Já a diretora da organização Mano Cambiada, que promove o turismo sustentável comunitário na Colômbia, Josefina Klinger Zúñiga afirmou que as comunidades afrodescendentes vivem em lugares estratégicos com biodiversidade.
“Nossas vozes, nossas lutas e nossa relação com a natureza estão sendo reconhecidas em nível global. Aqui estamos construindo uma nova narrativa, em que os povos afrodescendentes também são protagonistas da conservação”, disse.
A vice-presidente Francia Márquez lembrou que o esperado reconhecimento pela CDB igualmente apontaria ao papel de “homens e mulheres que até colocaram suas vidas em risco para defender um mangue, para defender uma floresta, para defender os rios”.
“A inclusão dos povos afro do mundo na CDB é uma necessidade para avançar na superação das injustiças e desigualdades históricas que sofreram. É hora de reconhecer suas contribuições para o desenvolvimento sustentável e a conservação da vida no planeta”, ressaltou Márquez.
O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que 64% da população amazônica é negra, bem como que 55,5% dos brasileiros se identificam como pretos ou pardos.
Todavia, há resistência de países e setores à inclusão dos afrodescendentes na Convenção sobre Diversidade Biológica. Isso pode abrir alas para reconhecimento similar em convenções como de clima e de desertificação, batendo de frente, por exemplo, com o apetite por terras do agronegócio no Brasil.
Assessora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (CONAQ), Naryanne Ramos disse a ((o))eco que a inclusão dos afrodescendentes deve valorizar e acelerar a titulação de territórios quilombolas no país.
“A maioria das comunidades ainda luta pelo direito à terra e serviços básicos de saúde, educação e transporte”, destacou a quilombola, da comunidade Porto Calvário de Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso.
Além disso, o termo geral afrodescendentes integrado à CDB conectaria comunidades no mundo com raízes naquele continente, mesmo que essas pessoas tenham emigrado de outros países para onde foram levadas de início.
“Isso retomaria um elo histórico entre comunidades mundiais, abrindo caminho para novas legislações, acordos e benefícios a essas comunidades nos âmbitos nacionais e internacional”, avaliou Naryanne Ramos. “Isso é fundamental para que sigamos gerindo nossos territórios sagrados, aliando conservação, economias sustentáveis e culturas”, completou.
O repórter viajou a convite do IPAM.
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