Salada Verde

Justiça chancela termo entre ICMBio e indígenas em Rebio no Paraná

Órgão alegava tradicionalidade para permitir caça, mas ambientalistas apontavam possíveis danos à Mata Atlântica

Aldem Bourscheit ·
19 de setembro de 2025
Salada Verde
Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente

Ao homologar um termo de compromisso entre um órgão ambiental federal e uma população indígena dentro da Reserva Biológica (Rebio) Bom Jesus, no Paraná, o judiciário federal impôs uma série de restrições para evitar danos à conservação da Mata Atlântica.

Na decisão, a Justiça vetou a caça de espécies ameaçadas, viu a necessidade de inibir o incremento não natural da população indígena e a presença de cachorros e outros animais domésticos, bem como permitiu acesso livre de pesquisadores à reserva.

Trecho da sentença com restrições ao abate de animais em risco de extinção. Imagem: Poder Judiciário/JUSTIÇA FEDERAL/Seção Judiciária do Paraná/11ª Vara Federal de Curitiba / O Eco

Em fevereiro, uma nota técnica do ICMBio apontou quatro espécies ameaçadas na Rebio: pararu-espelho (Paraclaravis geoffroyi), onça-pintada, anta e queixada. A página da reserva amplia a lista com onça-parda, bugio, cachorro-do-mato, gato-maracajá, jaguatirica e cachorro-do-mato-vinagre.

Logo adiante no documento, a autarquia descreve que o aval a caçadas de animais em risco de extinção teria baixo impacto e seria aceitável num contexto de compatibilização de direitos. O documento é assinado por dois analistas ambientais da autarquia.

Trecho da Informação Técnica nº 25/2025-COGCOT/CGSAM/DISAT/GABIN/ICMBio onde a autarquia trata da caça de espécies ameaçadas. Imagem: Informação Técnica / O Eco

Conforme as fontes ouvidas por ((o))eco, o ICMBio justificava as caçadas inclusive pela tradicionalidade da presença indígena, que seria anterior à criação da Rebio. Ambientalistas, porém afirmam que muitas dessas presenças se deram pouco antes ou mesmo depois da proteção integral.

Para Clóvis Borges, diretor da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), ao tolerar tais supostas práticas o ICMBio se distancia de sua missão. “Isso fragiliza o SNUC e compromete o interesse maior da sociedade, que é conservar o que resta da Mata Atlântica”.

Consultado pela reportagem sobre a sentença, o ICMBio – por email de sua Assessoria de Imprensa – afirmou que a caça já havia sido suspensa de comum acordo com a comunidade indígena, “condicionada à introdução de mecanismos de monitoramento, que já estão em curso”. 

“Do mesmo modo, as medidas de fiscalização e acompanhamento institucional mencionadas pela Justiça Federal – práticas comuns aos demais termos de compromisso assinados pelo ICMBio – já se encontram em prática, em linha com o que prevê a sentença”.

Assinada pelo juiz Flávio Antônio da Cruz, a sentença igualmente determinou que um novo acordo seja alinhavado entre o órgão ambiental e a comunidade Tekoa Kuaray Haxa, da etnia Guarani Mbya, para atender às determinações judiciais. O novo documento também passará pelo crivo judiciário.

“A decisão era aguardada e dá maior segurança jurídica à implementação do Termo de Compromisso. O ICMBio cumprirá integralmente os prazos determinados e já se organiza para trabalhar com a comunidade indígena na redação do novo termo, a partir das recomendações da Justiça Federal”, destacou a autarquia.

Como ((o))eco vinha mostrando, acordos anteriores colheram protestos de conservacionistas porque permitiam a moradia de pessoas e caçadas na reserva biológica, a categoria mais restritiva à presença e ações humanas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

Ao mesmo tempo, defensores do pacto afirmavam que ele garantiria direitos constitucionais indígenas, equilibrando a conservação da Mata Atlântica com o modo de vida tradicional daquelas pessoas. 

Na prática, o impasse reflete dilemas entre conservação plena e direitos humanos. Sem negar o passivo da questão indígena – sobretudo fora da Amazônia –, especialistas avaliam que soluções efetivas não podem se dar às custas da redução de áreas naturais e, por vezes, insubstituíveis.

Nesse cenário, a sentença ressalta o risco de que o acordo sofra um desvio de finalidade, diante da tentativa de certos grupos de “empregar unidades de conservação para aliviar a pressão fundiária existente no país, no que toca às demarcações pendentes de terras dos povos originários”.

Diante disso, Borges defende ser possível buscar alternativas de assentamento de indígenas fora de unidades de conservação de uso indireto, como as reservas biológicas e os parques nacionais. “O ICMBio não deveria abrir novos precedentes nesse sentido”, ponderou.

Errata: Ao contrário da primeira versão desta notícia, publicada na sexta-feira (19), o acordo entre ICMBio e Funai não prevê autorização de caça dentro da Reserva Biológica. O texto foi retirado do ar assim que foi constatado o erro e corrigido às 18h36 do dia 22 de setembro de 2025.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

Leia também

Análises
21 de abril de 2025

O direito dos Mbya Guarani de manejar seu território sobreposto pela Rebio Bom Jesus

Termo de Compromisso entre Unidade de Conservação e Comunidade Indígena garante direitos e reforça as ações de conservação da biodiversidade na Mata Atlântica

Reportagens
18 de março de 2025

Cientistas e ongs criticam acordo que mantém caça numa reserva biológica de Mata Atlântica

Fontes pedem que área mantenha proteção estrita, enquanto o ICMBio e a Funai projetam melhorias em gestão e conservação

Reportagens
17 de setembro de 2024

Acordo aceito pelo ICMBio tem brechas para caça em reservas de Mata Atlântica

Outras ações são permitidas no assentamento de indígenas nas florestas nacionais de São Francisco de Paula e de Canela, no RS

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.