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Mercado Livre é a maior vitrine para comércio irregular de moluscos no Brasil

Pesquisa identificou 22 espécies vendidas no país pela internet, envolvendo fins ornamentais, religiosos e até culinários

Aldem Bourscheit ·
29 de setembro de 2025

O Mercado Livre se tornou a principal vitrine virtual para comércio de moluscos terrestres e de água doce no Brasil. Os anúncios incluem animais nativos e exóticos – alguns invasores –, muitas vezes sem identificação correta ou alerta sobre riscos ambientais e à saúde humana.

As revelações estão num estudo publicado na revista Brazilian Journal of Animal and Environmental Research, que lista 22 espécies comercializadas em plataformas online. 

O aquarismo ornamental concentra as transações. Também aparecem vendas de caramujos para rituais afro-religiosos, para criação voltada ao consumo humano e como pets. Os animais também são vendidos em feiras, como em bairros das regiões norte e central da capital Rio de Janeiro (RJ).

Nos mercados online, casos preocupantes incluem os nativos do gênero Megalobulimus, usados em rituais, e o exótico caramujo-africano (Lissachatina fulica), cujo comércio é proibido em lei federal. Esse último é uma praga agrícola – devora plantações – e hospeda parasitas causadores de doenças em pessoas.

Também se destacam as vendas do “caramujo assassino” (Anentome helena) e dos também coloridos da família Tylomelania, importados da Indonésia. Apesar da beleza, ambos também oferecem riscos quando escapam para a natureza.

Segundo o autor do artigo, o biogeógrafo pela UDESC Aisur Ignacio Agudo-Padrón, esse comércio facilita a introdução de espécies exóticas invasoras nos ambientes naturais, causando “degradação dos ecossistemas por meio de competição, deslocamento e possível extinção de espécies nativas”.

A falta de regulação clara e o desconhecimento generalizado também agravam confusões e danos. O invasor africano costuma ser confundido com o nativo aruá-do-mato, protegido pela legislação. A semelhança leva ao extermínio amplo e desnecessário da espécie brasileira.

Diante disso, Agudo-Padrón espera que sua pesquisa estimule uma fiscalização rigorosa e uma legislação que coíba a importação, introdução, comércio e criação de espécies exóticas. “Precisamos de um comércio mais crítico, adequado e sustentável desses invertebrados”, avaliou.

Apesar dos ilícitos que rondam esse mercado, ações contra as vendas online e sobretudo apreensões são raras. Um caso documentado ocorreu em 2020, quando polícias flagraram 800 caramujos-africanos transportados em caixas num trecho da rodovia Presidente Dutra (BR 116), em São Paulo. 

Não obtivemos retorno das tentativas de contato com o Mercado Livre até o fechamento da reportagem. A companhia opera em 18 países, mas o Brasil concentrou 55% da receita em 2024, ou mais de R$ 61 bilhões, sendo seu principal motor de vendas e lucros.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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