As populações extrativistas, reconhecidas após a luta de Chico Mendes no Acre, inicialmente, e depois em toda a Amazônia, na década de 1980, ocupam grande parte da floresta tropical. Segundo dados do Governo Federal, o Brasil possui hoje 97 Reservas Extrativistas federais ou estaduais, sendo a maior parte delas no bioma Amazônico.
Em entrevista ao Entrando no Clima, podcast de ((o))eco, Joaquim Belo, líder extrativista, secretário de Formação e Comunicação do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e Enviado Especial da Sociedade Civil Amazônica para a COP30, contou como tais populações estão se preparando para a COP30.
Para ele, o maior legado que o evento pode deixar é a consolidação do engajamento da sociedade civil nos processos de negociação climática internacional.
Confira os principais trechos da entrevista:
((o))eco – Como as populações extrativistas ajudam a cuidar do clima do planeta?
Joaquim Belo – O Chico Mendes, antes de falecer, disse uma frase que é muito interessante. Ele disse que, em um primeiro momento, ele achava que estava só defendendo os seringueiros. Depois ele percebeu que estava defendendo, na verdade, a floresta amazônica. Em seguida percebeu que tudo isso estava a serviço da humanidade.
Na nossa luta de defesa de direitos, construímos esse modelo de território que hoje são milhares de hectares de florestas, atualmente destinadas a essa população [extrativista]. E essas florestas cumprem um papel fundamental para o equilíbrio climático.
Nós dizemos que as populações extrativistas e os povos indígenas, que ocupam hoje um terço da Amazônia brasileira, têm um papel fundamental para o clima, porque trabalham e protegem a floresta.
Por isso dizemos que somos parte da solução. E é preciso que, nessas negociações, seja reconhecida a importância desses povos e dos seus territórios para esse equilíbrio climático.
E como vocês estão se preparando para a COP30, que será realizada na Amazônia? Vocês estão fazendo reuniões? Estão se articulando de alguma forma?
Em todas as COPs [anteriores], a pauta da Amazônia teve seu grau de importância. No entanto, a COP30 acontecendo aqui, ela terá um lado que é revelador daquilo que a gente já percebe e sente.
Todo mundo acompanhou e vem acompanhando o grau de desafio e dificuldade de colocar essa COP aqui. Não é por questão simplesmente de estrutura. Para nós, enquanto população tradicional, e para nós que percebemos como o sul do Brasil tem um preconceito muito forte conosco, a gente acredita que há uma certa sabotagem nesse processo. Porque existem setores muito fortes do agronegócio, mineração, que trabalham fortemente para que uma conferência como essa não tenha sucesso.
Para nós, não. Para nós é o momento de mostrar [a realidade local] para quem vem de fora, de outros países. Claro que se vier para Belém, não vai conhecer a Amazônia, considerando o tamanho que essa Amazônia é. Mas, pelo menos, vai ficar um sentimento do que esteve no ambiente, que é tão importante para a pauta climática.
E também, do ponto de vista mais brasileiro, a gente começa a ter uma política mais firme, em que passamos a ser um pouco mais respeitados em relação ao sul e sudeste, especialmente.
E nós estamos na mobilização. Em todos os segmentos, seguimos nos mobilizando, os agricultores, os jovens, as mulheres, os diversos movimentos ligados aos povos indígenas, os extrativistas, quilombolas, as ONGs. E isso é o que está sendo mais rico para nós.
Porque todos os Estados e todos os municípios estão debatendo a Conferência. Então, está sendo internalizado o grande desafio que a gente tem em relação às mudanças climáticas. Isso é um legado muito interessante que ela deixa.
Porque esse tema de aquecimento global é um tema que não é discutido nas escolas, não é discutido nas universidades, na sociedade. Parece que é restrito ao mundo dos ambientalistas de um grupo de movimento social.
E a COP30, ela está deixando esse legado. Os Estados estão debatendo dentro da Amazônia, com todas as suas contradições. Os municípios estão debatendo, as universidades estão debatendo, as escolas estão debatendo, as ONGs estão fazendo seus debates. Então, eu acho que isso é um indicador muito interessante que eu tenho percebido depois de que não aconteceu nas outras 29 [Conferências do Clima]
Isso é uma coisa muito interessante que faz com que a gente saia de uma COP30 para além dela. Porque isso vai ficar sendo debatido em toda a sociedade da Amazônia brasileira.
E quais seriam as principais demandas que esse segmento das populações extrativistas têm para levar para a Conferência do Clima?
Nós já saímos da urgência para a emergência. A comunidade já começou a ser impactada por esse aquecimento, desde a produção, o calendário [de plantio e colheita] e uma série de outros fatores. Então, é necessário que haja esse movimento em torno, primeiro, da adaptação.
Claro que ainda existe muita coisa para entender o que é essa adaptação, em que escala, em que camada elas vão acontecendo, porque ela permeia tudo aquilo que envolve a sociedade nesse momento. É a produção, o financiamento, a pesquisa,a educação, a saúde…
E outra coisa é o financiamento. Que financiamento que vai ser agora? Como é que a gente vai ter um financiamento? Como é que os países mais ricos assumirão esse compromisso conosco? Como é que deixamos o compromisso de Paris ser abandonado e como a gente recupera isso? Como é que os objetivos do milênio estão colocados nessa transversalidade?
Porque mesmo que, na Amazônia, não se derrube nenhum árvore mais, se recupere tudo, se não tiver outras medidas estruturantes de diminuição do uso do petróleo e outros produtos poluentes, não vai ser a Amazônia sozinha que vai dar conta.
Se não tiver um mutirão muito forte de diversas níveis de sociedade, dos empresários, das multinacionais, que são as grandes responsáveis por isso, não melhorar o nosso perfil de consumo, então não vai adiantar só um lado fazer isso. Eu acho que é um mutirão mesmo de todos nós, em todos os continentes, em todos os países precisamos fazer, para que nós saíamos desse buraco que nós estamos metidos.
O que o senhor espera que seja o legado da COP30?
Para mim, que tenho também meu sangue negro, que foi invadido e continua sendo invadido até hoje, eu acho que um legado dessa COP é se ela conseguir fazer a inclusão social dos diversos segmentos do Brasil, da África, da Ásia, e assim por diante, dentro do mutirão que estamos falando, ela terá valido a pena.
E como eu falei logo no início, quando se trata de Amazônia, eu acho que outra coisa é deixar um sentimento que essa Amazônia tem o seu devido valor, que essa Amazônia tem que estar sendo discutida nos bancos das escolas, das universidades, que as pesquisas estejam na direção, envolvendo essas comunidades, os povos indígenas que aqui moram e assim por diante.
Esse é o grande legado que eu tenho esperança que a COP30 deixe.
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