A confirmação da vinda da cantora Mariah Carey para a Amazônia mobilizou uma série de reações, do entusiasmo dos fãs à curiosidade da imprensa local e internacional, passando por debates que envolviam a logística e a pertinência de um show desse porte em uma região historicamente desigual. A um primeiro olhar, o evento pode parecer pretensioso e um luxo desnecessário. Mas, para além da vitória-régia de R$ 30 milhões, há uma tentativa de inserir a Amazônia nos circuitos globais de visibilidade cultural, enquanto escancara seus conflitos latentes, criando uma tensão entre espetáculo, economia e territorialidade.
A presença de Mariah Carey em um espetáculo às margens do rio Guamá colocou a Amazônia no mapa midiático mundial. Não se trata apenas de música, mas um conjunto de transmissão de informações: circulação de imagens, discursos e representações. Canais nacionais e internacionais, revistas de cultura pop e plataformas de comunicação passaram a retratar a região não apenas como “pulmão do mundo” ou como área de devastação ambiental, mas como espaço de transformação e possibilidades.
O show da cantora americana dentro do festival “Amazônia Live – Hoje e Sempre” foi promovido pela Vale, Gerdau, Heineken, Banco da Amazônia e Rock in Rio e foi acompanhado das apresentações das estrelas paraenses Zaynara, Gaby Amarantos, Dona Onete e Joelma. Essa mudança de narrativa, mesmo que momentânea, amplia a diversidade de olhares sobre a Amazônia, associando-a não apenas a problemáticas globais, mas como potência cultural e capacidade de sediar e promover grandes eventos como a Conferência das Partes (COP 30).

Neste ponto, a presença dessas empresas, historicamente associadas aos impactos ambientais e sociais na Amazônia, evidencia a contradição de uma narrativa que tenta associar entretenimento à responsabilidade ambiental, sem enfrentar as feridas abertas que essas mesmas corporações ajudaram e ajudam a manter.
A Amazônia permanece como território historicamente retratado a partir de uma lógica dual: de um lado, a exuberância natural, objeto de desejo global, movimentando uma leva de recursos a fim de promover a sua preservação. Por outro lado, encontramos os conflitos sociais, a violência, os riscos ambientais e a exclusão da população. Nesse sentido, a vinda de Mariah Carey pode reforçar uma visibilidade seletiva, que privilegia o espetáculo em detrimento das condições reais de vida da maioria dos amazônidas. Pois, do que adianta promover um espetáculo de estrela internacional se muitas comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas, extrativistas e periféricas ainda carecem de acesso básico à saúde, educação, transporte e saneamento?
Nesse sentido, cabe às organizações e ao poder público extrair as vantagens da visibilidade do show no rio Guamá. Os holofotes elencados com a passagem da cantora e o sua discussão alinhados à preservação da região, entram em sintonia com a percepção dos povos locais. A aflição com a questão ambiental é um ponto central na vida das juventudes, os resultados da pesquisa Fala Juventudes da Amazônia elaborada pelo Instituto COJOVEM, a ser lançado na COP30, aponta que 82,01% dos jovens consultados na Amazônia Legal se preocupam com as questões ambientais em sua região. Demonstrando que esse é um debate central que atravessa a vida das juventudes nas diversas realidades amazônidas.
Essa juventude encontra-se em sua maioria entre 19 e 29 anos, faixa etária que corresponde a 61,89% dos participantes da pesquisa – um grupo expressivo, para quem o trabalho e o estudo representam pontos focais da vida. No entanto, quanto ao acesso à informação que envolvem políticas públicas ambientais, 77,51% dos jovens responderam ter como fonte de informação a internet e 7,1% têm acesso através da televisão, de jornais e revistas tradicionais.
Esses dados revelam que as juventudes amazônidas não estão alheias às mudanças e aos debates que atravessam o território. Pelo contrário, são protagonistas de uma nova leitura da região, que combina consciência ambiental, valorização cultural e desejo de oportunidades.
A presença de um evento de grande porte pode ser interpretada como um convite à reflexão sobre o tipo de desenvolvimento e de visibilidade que se quer para a Amazônia. Se, por um lado, holofotes internacionais trazem projeção e orgulho, por outro, é necessário garantir que essa evidência não se converta em espetáculo vazio, mas em incentivo concreto à educação, à cultura e à geração de renda para as juventudes que vivem e constroem o cotidiano amazônico.
Tal cenário reforça um paradoxo que perpassa a comunicação sobre a Amazônia: embora as juventudes estejam mais conectadas e conscientes das pautas ambientais, ainda há uma lacuna entre o discurso global e as realidades locais. A internet se apresenta como o espaço em que ao democratizar o acesso à informação, também pode reproduzir narrativas externas que nem sempre refletem a complexidade amazônica.
Nesse contexto, eventos midiáticos podem funcionar como catalisadores de novas discussões, desde que consigam dialogar e abarcar as demandas reais de quem vive o território. Caso contrário, correm o risco de perpetuar a lógica da “Amazônia espetáculo” visível, mas nunca escutada.
A força de um evento desse porte reside na sua capacidade de provocar debates e despertar sensibilidades. Porém, para que essa visibilidade se traduza em transformação concreta, é necessário que os investimentos culturais e ambientais caminhem lado a lado com políticas públicas de inclusão, educação e sustentabilidade. A juventude amazônida, consciente de seu papel e cada vez mais articulada em redes e coletivos, pode ser o elo entre esses dois mundos, o da visibilidade global e o da resistência cotidiana.
Agora, poucos dias para a COP30, nos questionamos, os R$ 30 milhões investidos serão mesmo traduzidos em melhorias para a região?
O verdadeiro palco da Amazônia é o da sua gente que, com coragem e esperança, faz ecoar o som das mudanças que já estão em curso. A Amazônia que canta e encanta o mundo deve, antes de tudo, ser uma Amazônia que vive, resiste e decide sobre o seu próprio futuro nas tomadas de decisão do agora e na repartição dos investimentos que nela são inseridos.
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