Belém (PA) – “A resposta somos nós”, posicionamento que tem sido reafirmado pelos povos indígenas na COP30, inspirou também a marcha que arrastou uma multidão pelas ruas da capital paraense na manhã desta segunda-feira (17). O clima já era de forte expectativa pelo anúncio de demarcação de terras indígenas, que foi realmente confirmado à tarde, pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.
Da Aldeia COP, no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA), ao Bosque Rodrigues Alves, os manifestantes cantaram, dançaram e manifestaram repúdio aos episódios de violência contra povos e territórios indígenas na Amazônia, no Brasil e no mundo. Teve forte repercussão o assassinato de Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá, 36 anos, ocorrido neste domingo (16), em Iguatemi, Mato Grosso do Sul, onde quatro pessoas também ficaram feridas. Testemunhas deram conta de que homens armados invadiram a área de retomada Pyelito Kue, na Terra Indígena Iguatemipeguá I, de madrugada.
Segundo Voninho Kaiowá, líder indígena no Mato Grosso do Sul, o estado vem sendo tomado por milícias a serviço do agronegócio. Para ele, “a notícia de que um tiro à queima roupa tirou mais uma vida no território foi recebida com tristeza e revolta”. “Precisamos que a sociedade se some à luta indígena. A resposta somos nós. Sem demarcação não existe justiça climática. Estamos aqui para dizer demarcação já”, afirma.


Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), informou que já foi solicitada uma investigação urgente para apurar o episódio de violência que classificou de “revoltante e inadmissível”. Segundo ele, a demarcação de terras indígenas é uma resposta fundamental ao enfrentamento do cenário de crise climática e de segurança às comunidades indígenas que estão sofrendo todo tipo de pressão e violência nos seus territórios.
Durante a Marcha, Karipuna destacou que a demarcação tem sido uma das principais pautas do movimento indígena na COP30, onde os movimentos sociais têm expressado forte capacidade de articulação para fazer frente ao lobby dos combustíveis fósseis, do agronegócio, da mineração e de outras atividades incompatíveis com a proteção da natureza, das culturas dos povos e dos esforços nacionais e globais para conter o agravamento da crise climática. “A gente tem que continuar fazendo pressão e buscando o diálogo, já que existe um grande passivo de demarcação de territórios indígenas no Brasil”, analisa.


Karipuna informou que um estudo liderado pela APIB, já entregue ao governo, identificou 107 territórios indígenas aptos à demarcação, dentre os quais, aquele onde ocorreu o assassinato no domingo. “É com mobilização e diálogo que se consegue avançar”, opina. Durante a marcha, ele manifestou otimismo de que o anúncio de novas demarcações ocorresse durante a COP30, onde vem sendo registrada a maior participação indígena da história das Conferências do Clima da ONU, com cerca de 3 mil pessoas do Brasil e outros países. Desse total, cerca de 900 estão credenciadas para participar de atividades na área oficial do evento, a chamada Zona Azul.
A ambientalista e ativista pelos direitos humanos, Neidinha Suruí, uma das fundadoras da combativa Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, demonstrou esperança nos resultados da luta indígena durante a COP30. “Eu sempre acredito que o povo é que faz a mudança e aqui os povos indígenas têm demonstrado a sua força. Foi o povo Munduruku que foi lá e disse que estava sendo destruído e queria ser ouvido”, afirma. Ela acredita que essa demonstração de força, juntamente com a Marcha Global pelo Clima, no sábado (15), além da marcha desta segunda-feira, representaram manifestações potentes de capacidade de luta em defesa de direitos não somente da população indígena, mas pela sociedade planetária.

“Nós, povos, a partir das nossas comunidades e representações, queremos ser ouvidos. Essas manifestações reafirmam que não queremos garimpo e mineração. Queremos demarcação dos territórios e um planeta equilibrado para todos”, analisa.
Nádia Tupinambá, educadora e liderança indígena do povo Tupinambá de Olivença, na Bahia, conduziu a marcha e, ao microfone, foi apresentando um cenário dos problemas enfrentados pelos povos indígenas e dos obstáculos para garantir a demarcação dos seus territórios, frente a inúmeros interesses econômicos e políticos contrários.
Como parte dos empecilhos no próprio governo do presidente Lula, Nádia destacou o papel do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Ao defender a demissão “do braço direito do governo”, ela afirmou: “Ele não gosta dos povos originários”.
No encerramento da marcha, pela manhã, a ministra Sônia Guajajara informou que o presidente Lula anunciaria novas demarcações durante a COP30. À tarde, em programação da qual participou na Conferência do Clima, ela confirmou que as portarias já tinham sido publicadas pelo Ministério da Justiça.
Participaram da marcha indígena inúmeras lideranças que têm lutado por essa causa e defendido a bandeira da demarcação, dentre as quais, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG) e Alessandra Munduruku, que na semana passada bloqueou o acesso à Zona Azul da COP30, exigindo diálogo com a presidência da Conferência do Clima em Belém e com o governo federal. A reunião foi realizada e negociações iniciadas.
Na pauta de reivindicações do povo Munduruku, apoiado por lideranças indígenas do Baixo Tapajós, além da demarcação, se destacam a defesa da revogação do decreto 12.600 que instituiu o Plano Nacional de Hidrovias em agosto deste ano. Nesse contexto, são consideradas prioritários projetos hidroviários nos rios Madeira, Tocantins e Tapajós. Comunidades indígenas alegam não terem sido ouvidas sobre essas diretrizes e se posicionam contrárias às iniciativas já temendo pelos seus impactos socioambientais em regiões fortemente pressionadas por atividades que colocam em risco o ambiente e modos de vida de povos e territórios tradicionais.

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