Se depender dos veículos que circulam atualmente por Belo Horizonte, a qualidade do ar na cidade tende a piorar consideravelmente. Quase 50% da frota da capital mineira estão lançando na atmosfera poluentes acima do limite permitido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). A constatação é resultado do Projeto Inspeção Veicular, realizado entre junho de 2003 e novembro de 2005, uma parceria da prefeitura do município com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Dos 1.524 veículos inspecionados, 751 (49,3%) não passaram no teste. O trabalho é um estudo de amostragem que, no futuro, poderá ser estendido para toda a frota.
De acordo com a pesquisa, os grandes vilões em Belo Horizonte são os veículos movidos a diesel. Dos 321 ônibus, caminhões, vans, utilitários e caminhonetes inspecionados, 279 (87%) foram reprovados. Durante o trabalho de campo, técnicos responsáveis pelos testes tiveram uma surpresa nada agradável. Cerca de 60% dos 200 caminhões que participaram das medições estavam com o lacre da bomba de combustível violado. A adulteração faz com que o veículo tenha um pequeno ganho de potência, mas o motor passa a lançar grande quantidade de gases na atmosfera e, conseqüentemente, polui mais. “Os motoristas precisam entender que, além de o ganho ser mínimo, a fumaça preta emitida é sinal de que nem todo combustível foi queimado, havendo perdas de energia”, ressalta a coordenadora do projeto e técnica da Divisão de Monitoramento e Geoprocessamento da Feam, Elisete Gomides Dutra.
Os veículos leves apresentaram percentuais de emissão um pouco mais animadores, porém não satisfatórios. O índice de reprovação de carros movidos à gasolina e a álcool foi de 39,6%. Em números absolutos, 472 dos 1.203 automóveis inspecionados emitem poluentes acima dos limites estabelecidos pelo Conama. “O teste foi aplicado em veículos de diferentes idades (fabricados dos anos 80 para cá), a fim de conseguirmos uma pesquisa representativa. Variáveis como média e oscilação de emissão de poluentes também foram consideradas”, ressalta Elisete.
A coordenadora do projeto acredita que, apesar dos altos índices de emissão, a situação na capital mineira não está longe da média nacional. A conclusão tem como base comparações feitas com dados do Rio de Janeiro. Segundo ela, quando o governo fluminense implementou a inspeção veicular anual na região metropolitana, em 1997, o índice de reprovação para os veículos movidos a diesel era em torno de 80%. Em 2003, já tinha caído para 30%. O estado do Rio ainda é, até hoje, o único da federação que exige a inspeção anual para o licenciamento dos veículos.
Saúde
Além de sujar a cidade, os gases veiculares emitidos na atmosfera causam diversos danos à saúde. O material particulado, um dos poluentes mais prejudiciais, se relaciona diretamente com a redução da expectativa de vida por doenças cárdio-respiratórias e câncer do pulmão. Já o monóxido de carbono, resultante da queima incompleta do combustível, provoca dores de cabeça, desconforto, cansaço, palpitações, vertigens e diminuições dos reflexos.
A topografia acidentada de Belo Horizonte potencializa a ação desses gases. “A frota de veículos precisa de muito mais esforço para suportar as subidas íngremes da cidade. Isso faz com que os carros emitam mais poluentes”, explica Bernadete. Além disso, a topografia montanhosa impede a circulação de ar e a dispersão dos gases. “A população acaba sofrendo mais.”
Estudo recente mostra que o quadro poderia ser ainda pior sem o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). Criado em 1986 em âmbito nacional, o Proconve estabeleceu um cronograma de redução gradual da emissão de poluentes para veículos leves e pesados, o que contribuiu significativamente para melhorias na saúde em todo o país. Segundo pesquisa do médico patologista Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo (USP), quase 4.800 mortes foram evitadas em Belo Horizonte num período de nove anos devido às ações do programa.
Fiscalização
Há 18 anos a prefeitura de Belo Horizonte coloca nas ruas técnicos para vistoriar a emissão de poluentes por veículos leves e pesados. Trata-se da Operação Oxigênio, que também tem como objetivo fazer campanhas educativas, por meio da distribuição de folhetos e conversas pontuais. “Agora pretendemos dobrar a fiscalização”, garante a gerente de Controle de Poluição Veicular da Secretaria Adjunta de Meio Ambiente, Bernadete Carvalho Gomes. Hoje a secretaria conta com quatro equipes compostas por policiais militares, fiscais e agentes da BH Trans, que trabalham diariamente nos principais corredores de tráfego e pontos finais de ônibus da capital. Além da fiscalização de rotina, as equipes realizam operações especiais voltadas para automóveis que não podem ser abordados em blitz, como os escolares ou carros-fortes.
Bernadete estima que uma média de 500 vistorias é realizada todo mês. “A intenção não é medir a frota toda, mas o maior número de carros possível.” Para alcançar a fiscalização ideal, a amostragem, segundo ela, deveria ser em torno de 5% da frota total de Belo Horizonte, que chega a 750 mil veículos. Os movidos a diesel somam 35 mil. “Os caminhões são os que mais nos preocupam, porque estão pulverizados nas mãos de muitas pessoas. Normalmente, o caminhoneiro não é dono do veículo que dirige, o que dificulta a abordagem de quem realmente precisa ser alertado.”
A multa para quem se encontra irregular varia de 190 a 1.900 reais, dependendo do tipo de veículo, idade, capacidade de carga e se o proprietário é pessoa física ou jurídica. Se for reincidente, o valor da autuação dobra. Na terceira vez, o veículo é apreendido. Mas segundo Bernadete, a intenção da secretaria é, acima de tudo, promover a conscientização. “Trabalhamos no sentido de transformar pensamentos e hábitos. É necessário que a população entenda que é mil vezes mais negócio fazer a manutenção. O contrário provoca desperdício de combustível, danos ao motor e gastos com saúde pública.”
Os números da secretaria mostram que a Operação Oxigênio tem apresentado bons resultados ao longo dos anos. Em 1988, quando a campanha foi implantada, o índice de reprovação de veículos era de 50%. Hoje fica entre 5% e 7% dos inspecionados. As reincidências são ainda menores. Cerca de 40% no final dos anos 80 contra quase nenhuma atualmente. “A população é muito receptiva. Acho que o que falta não é boa vontade, mas disseminar a informação”, destaca.
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