Reportagens

Rafting na garganta de fogo

Baños de Água Santa é considerada passagem obrigatória para quem visita o Equador atrás de natureza e aventura. Mas o bom senso da conservação faz falta.

Carolina Elia ·
4 de agosto de 2006 · 18 anos atrás

Os meus olhos estudavam a imensidão da Amazônia e a sinuosidade dos rios quando a mata ficou rala, subiu em relevo, ficou muito perto da aeronave, sem que essa perdesse altitude. Em instantes, alinhado à asa, estava um dos quatro vulcões nevados que cercam a capital do Equador, localizada a 2.820 metros de altitude em plena cordilheira dos Andes.

A paisagem de Quito é um convite para escaladas. A mais acessível é a caminhada de cerca de três horas até o anel do vulcão Ruco Pichincha (4.698m), onde um teleférico ao custo de quatro dólares lhe deixa já a 4.100 metros de altitude. O resto do caminho se faz a pé, depois de assinar um termo de compromisso reconhecendo que você está por sua conta e risco. Tentei chegar o mais perto possível do cume. Mas recém chegada, o pulmão sentiu o ar rarefeito e apertou o peito aconselhando-me a não ir mais longe. Decidida a ver um vulcão em erupção, e tendo que estar dentro de dois dias na amazônia equatoriana, peguei um ônibus para Baños de Água Santa, vilarejo construído aos pés do vulcão Tungurahua (5.016 m) e a apenas 180 km de Quito. O caminho, batizado em 1802 por Alexander Von Humboldt de Avenida dos Vulcões, já vale o passeio.

Por volta das nove horas da noite, a poucos minutos de Baños, o motorista e o turista inglês sentado no primeiro banco testemunharam o Tungurahua, que significa Garganta de Fogo, golfar lava. Para os demais passageiros, só sobrou a espessa fumaça cor grafite expelida em seguida. O contraste da escuridão com o fogo transforma a noite no melhor horário para observar a pirotecnia, mas não é fácil. O tempo precisa estar limpo e Baños é tão grudada à montanha, e cercada por rochedos, que é necessário se afastar um pouco da cidade para ter campo de visão. Veículos abertos saem todas as noites, mais precisamente às 21 horas e ao preço de cinco dólares, em direção aos pontos de observação. Eu cheguei tarde demais para me juntar ao grupo.

Rafting em direção ao Solimões

Comoa cidade de Baños é descrita em quase todos os guias como o epicentro do ecoturismo no Equador – por ser um corredor ecológico entre os parques nacionais de Sangay e Llanganates, estar próxima a maioria dos vulcões e marcar a descida dos Andes para a selva –, é fácil encontrar bons albergues (indico o Plantas y Blanco) e conhecer muitos mochileiros europeus com dicas sobre o que fazer. O passeio mais popular é percorrer a rota das cachoeiras de bicicleta o que, se seguido à risca, significa pedalar cerca de cinco horas pela estrada asfaltada que liga Baños à cidade já amazônica de Puyo. O caminho segue o contorno do rio Pastaza, que desce os Andes por um vale estreito para alimentar no Peru o rio Marañon, um dos afluentes do Solimões. O ecoturismo fica por conta da vista: seis quedas d´água altas e violentas onde o banho é proibido, mas é fácil e seguro chegar bem perto. Para quem cansar, em qualquer ponto da estrada é possível botar a bicicleta em cima de um ônibus e embarcar. Para quem não gosta de pedais, é possível também alugar cavalos ou motos – mesmo que você nunca tenha dirigido uma.

Como o meu tempo era curto para escalar os vulcões mais próximos, como o Chimborazo, o Cotopaxi – vulcão ativo mais alto do mundo: 5.897 metros –, e mesmo o Tungurahua, ou visitar um dos parques nacionais, optei por conhecer as cachoeiras de carro com direito a rafting nas corredeiras do Pastaza. O passeio é oferecido pelas dezenas de operadoras de turismo da Baños e não sai por menos de 30 dólares, preço tabelado.

Inflamos o barco numa pequena praia de areia negra, embaixo de uma ponte antiga de madeira construída entre dois paredões de pedra. Os mais corajosos pularam de lá para se batizarem nas águas geladas do rio andino. Ali, o rio parecia calmo. A água começava a ficar turva por causa da quantidade de sedimento acumulada, mas não havia muitas pedras. Faríamos um rafting nível III, algo considerado moderado.

Éramos duas equipes e fiquei no barco do instrutor cabeludo e levemente alcoolizado que claramente ainda ensinava o seu ajudante a remar, junto com três jovens canadenses (duas meninas e um menino). Como canoagem é um esporte popular no Canadá, me senti segura. Mas logo descobri que eles nunca haviam usado um remo e que as duas meninas na proa eram míopes e estavam sem óculos. A prova da nossa incompetência veio na primeira armadilha de pedras, onde a água escapava em forma de ondas grandes o suficiente para cobrir o bote. Assim que a coluna de água se ergueu a nossa frente, paramos de remar – para o desespero do guia – e fomos todos lançados ao rio. “Nadem, todos nadem em direção ao Brasil!”, gritava jocosamente Patrício, o monitor que com o banho frio ficou um pouco mais sóbrio.

O rio Pastaza não é paradisíaco. Há serrarias no alto dos rochedos que o cercam e algum lixo nas margens. O fato dos monitores levarem uma garrafa de água mineral no bote para eles próprios beberem é um sinal de que a água que corre não é das mais limpas. “Rio acima há algumas indústrias”, me disse Patrício, desconversando. Ainda assim, a região é bonita e descer um vale andino cercado por montanhas com florestas que ficam cada vez mais densas durante o percurso, vale a pena. Nas horas em que o rio é menos revolto, é agradável acompanhar o vôo de borboletas, garças tigres e pássaros coloridos que buscam abrigo na vegetação, observar as inúmeras montanhas ao redor, ou até mesmo se jogar na água para um novo banho de rio e ter o prazer de se deixar levar pela correnteza, que nem sempre é forte.

O rafting tem duração de duas horas e termina com o selo de qualidade do ecoturismo às avessas de Baños: numa praia freqüentada por tratores para extração de areia – atividade econômica comum na região.

Baños de Água Santa tem características dignas de um lugar a ser freqüentado por quem gosta de natureza, mas a forma como esses recursos são explorados ameaça o seu valor. O melhor exemplo são as piscinas naturais de água quente, citadas em qualquer guia turístico como atração imperdível. Mas quando o turista chega no lugar marcado no mapa, descobre que o que era natural foi concretado para parecer piscina de clube.E a água borbulhante que sai da montanha, encanada. Para satisfazer os turistas mais afoitos em conhecer tudo, ou os menos animados em subir e descer tantas montanhas, há muito aluguel de moto. O que contribui significativamente para a poluição visual e sonora da cidade e seus arredores.

Vulcão em ação

Confesso que cheguei a alugar uma no começo da noite, a poucas horas de pegar um ônibus para o Oriente – como chamam a Amazônia, para tentar ver o Tungurahua em erupção. Por sete dólares levei a moto com um motorista, já que além de não saber pilotar, fui informada de que o caminho era deserto àquela hora. Atravessamos a ponte construída para caso de evacuação da cidade – o que aconteceu pela última vez em 1999, quando o Tungurahua voltou à atividade depois de oito décadas de silêncio – e começamos a subir o morro das antenas de TV. Dez minutos depois, Marcelino Allemoto, meu motorista de sessenta anos que participou das operações de resgate em 1999, desligou a moto: “Escuta”, disse. A uma certa distância, e bem baixinho, era possível ouvir a respiração do Tungurahua. Subimos mais. O vulcão estava calmíssimo, sem explosões. O máximo que se via era uma torre fina de vapor saindo do cume, um cone perfeito, que se destacava diante do céu de estrelas que só os Andes, tão alto e tão perto da linha do Equador, permite observar.

O silêncio foi interrompido por um barulho semelhante a um tiro de canhão, um prenúncio de que o Tungurahua me mostraria o que tanto queria ver: lava. Em segundos, um esguicho de fogo saltou ao céu e caiu sobre a montanha. Foi uma manifestação discreta, mas bela o suficiente para me deixar em êxtase.

Parti de Baños na madrugada de 26 de junho. Vinte dias depois, o Tungurahua produziu fortes explosões, expeliu lava e gases tóxicos em vasta quantidade, obrigando 13 mil pessoas a deixarem suas encostas. Baños – que em caso de erupção pode ser coberta por lava em 15 minutos –, está em estado de alerta máximo. Diariamente, o Instituto Geofísico do Equador (Igepn) dispõe em sua página na internet boletins sobre a atividade do vulcão. Mas o perigo só atrai mais turistas.

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