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Manejo florestal comunitário: Sonhos e realidades

Propor a populações rurais pobres o desenvolvimento econômico através do uso dos recursos florestais de forma manejável é bom quando não se investe apenas no lado social.

24 de agosto de 2006 · 18 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

É indiscutível que seria ideal que parte das florestas naturais tropicais fosse explorada pelas populações rurais mais pobres que moram nas fronteiras agro-florestais, melhorando seus ingressos e sua qualidade de vida, com base em um uso adequado e de longo prazo dos recursos florestais madeiráveis ou não madeiráveis. Essas comunidades, forçadas pelas circunstâncias, ao invés de aproveitar sabiamente o recurso florestal, exploram-no de forma esgotante, desperdiçando-o e finalmente, deixam para trás uma terra nua que já perdeu até sua originalmente limitada capacidade produtiva agropecuária. Então, esses mesmos pobres rurais avançam novamente contra as florestas remanescentes, em um bem conhecido ciclo de destruição e pobreza. Por isso, para transformar o círculo vicioso em virtuoso, a proposta de facilitar às comunidades locais o acesso ao uso sustentável das florestas existe há mais de meio século. O problema é que até agora todas as aplicações desse bom propósito nunca tiveram êxito, pelo menos não mais que os igualmente frustrados intentos de manejo florestal realizados pelas entidades públicas ou privadas.

O autor acaba de retornar de um périplo por três continentes avaliando, precisamente, projetos de desenvolvimento florestal comunitário, financiados por um importante organismo internacional. Tratou-se de oito projetos que incluíam como objetivo o manejo de florestas tropicais, o estabelecimento de plantações florestais ou uma combinação dos dois. Em todos os casos os projetos foram desenvolvidos com participação direta de comunidades camponesas tradicionais ou de grupos indígenas, com apoio de organizações não governamentais ou dos serviços florestais dos países.

Sucesso social?

Todos esses projetos tiveram um sucesso enorme na estratégia de motivar as populações locais nos temas florestais e de conservação da natureza, de organizá-las e de treiná-las para as tarefas do manejo das florestas naturais ou das plantações florestais e até no mais complexo objetivo de organizar empresas comunitárias com representação legal. Vários dos projetos até foram muito eficientes no propósito de dar mais poder às mulheres, inclusive na gestão dos negócios florestais propostos. Em resumo, todos os projetos foram muito bem sucedidos nos seus objetivos sociais, inclusive no caso de sociedades tribais ou muito tradicionais, tendo vencido grandes obstáculos como os do acesso à terra e ao recurso florestal e os referentes à distribuição dos benefícios esperados dentro das comunidades e com outros participantes. O nível de participação da população local nas decisões dos projetos foi, em todos os casos, de elevado a muito elevado.

Mas, todos os projetos sem exceção, falharam no seu objetivo final que era, ao término dos mesmos, assegurar a sustentabilidade econômica e ecológica das atividades ou negócios propostos. Nos projetos de manejo de florestas naturais nunca conseguiram cortar as árvores que nutririam as pequenas indústrias florestais estabelecidas e que gerariam o dinheiro tão esperado. Os projetos de plantações florestais foram quase que totalmente abandonados quando o dinheiro da fonte internacional secou após seu término, pois evidentemente, os camponeses participantes não dispunham de dinheiro para fazer esse trabalho. O que sobrou foi muita frustração das comunidades participantes, que acreditaram em cantos de sereias.

A situação mencionada foi, em termos gerais, uma conseqüência direta de um desequilíbrio enorme entre o esforço estratégico dos projetos para obter a participação ativa das comunidades e, de outra parte, as inexistentes ou insignificantes realizações econômicas dos mesmos nos prazos previstos. Isso se deveu tanto a graves falhas de desenho das operações como à falta de experiência e de preparação técnica e econômica dos profissionais participantes. Dito em outras palavras, os projetos foram feitos com muito coração, com muita consciência social, mas, quase sem usar o cérebro, o que deveria ter garantido o sucesso dos objetivos sociais.

Erros graves

Apenas um exemplo explica o problema. Alguns desses projetos tinham previsto o plantio de mais de 1.000 hectares em apenas 3 ou 4 anos. Para isso, os camponeses das comunidades ou tribos participariam com seu trabalho que seria remunerado para suprir os alimentos que durante esse lapso deixariam de produzir. Ao término de projeto as plantações já deveriam estar produzindo o suficiente para pagar sua manutenção, pelo menos até que ela rendesse seus primeiros resultados. Isso deveria ter sido obtido com base em frutíferas arbóreas que produzem a partir do 4° ano, árvores para lenha ou carvão que podem ser aproveitados a cada 4 anos, madeira de raleamentos a partir do 10° ano, colheita final de madeira aos 20 ou 25 anos, nas condições locais. Mas, nada disso aconteceu. As frutíferas foram destruídas por incêndios florestais ou não foram plantadas, se esqueceram de incluir árvores para lenha ou carvão e tampouco pensaram na criação de um fundo para manutenção da plantação. Além do mais foi absurdo pretender plantar uma superfície tão grande em tão pouco tempo com comunidades tão pobres e muitas vezes sobre solos muito ruins que, de nenhuma maneira, assegurariam um bom resultado. Assim, apenas terminados os financiamentos dos projetos, as plantações foram abandonadas e, claro, não foram mais protegidas contra os incêndios ou contra pragas e ervas daninhas, nem foram podadas ou raleadas. Em síntese, uma desgraça.

Outros projetos falharam também por razões semelhantes ou equivalentes. Estas podem se resumir: (1) péssimo desenho dos projetos que não levaram em conta as realidades social, econômica e ecológica e que não as correlacionaram apesar de se dispor de estudos sobre isso tudo; (2) absoluta falta de análise econômica dos aspectos empresariais propostos; (3) baixa qualidade dos planos e manejo das florestas naturais ou plantadas, não assegurando a sustentabilidade das explorações; (4) ausência de considerações técnicas sobre espécies apropriadas e qualidades dos sítios onde as plantações foram efetuadas e; (5) pretensão de se fazer exploração econômica e ecologicamente sustentável em florestas de proteção, sem levar em conta os riscos, as dificuldades e os maiores custos que isso implica. Também ocorreu que três dos projetos avaliados simplesmente falharam porque os mesmos serviços florestais que solicitaram o financiamento internacional para os projetos, nunca aprovaram os respectivos planos de manejo e/ou nunca outorgaram às comunidades os direitos para realizar as explorações previstas. Os entraves burocráticos, os ciúmes institucionais e as constantes mudanças na legislação tiveram tudo a ver com estes e outros problemas confrontados pelos projetos.

Outro projeto financiou um custoso estudo sobre uma espécie comercialmente rara, no intuito de ensinar seu manejo às comunidades locais. A pesquisa até que foi boa e muitos doutores e mestres foram formados nos EUA com teses sobre essa árvore. Mas, de outro lado, os indígenas e as comunidades afro-americanas que deveriam ser beneficiados não obtiveram nada, pois o microscópico plano de manejo experimental preparado nunca foi implantado; as diversas publicações feitas ficaram apenas em inglês, que ninguém lê por lá; e pior ainda, quando terminou o projeto a madeira objeto do projeto já não era demandada pelo mercado, que a tinha substituído por outras espécies.

Foi interessante constatar que os projetos avaliados cumpriram eficientemente todas suas metas e produtos sem conseguir sequer ficar perto de seus objetivos de desenvolvimento e muitas vezes, nem conseguiram cumprir seus objetivos específicos. Assim, plantaram árvores, construíram serrarias e as equiparam, organizaram a população, criaram empresas comunais, treinaram o pessoal, redigiram os planos de manejo, mas, no essencial, ou seja, garantir a sobrevivência das ações propostas e iniciadas pelo projeto, nenhum conseguiu cumprir suas promessas. As comunidades não melhoraram seus ingressos, nem sua qualidade de vida e ao contrário, têm mais problemas que antes. Esta foi a evidente conseqüência de erros de desenho e planejamento dos projetos que, como quase sempre, pecaram por ter objetivos abusivamente ambiciosos, sem guardar relação com o tempo e os recursos disponíveis.

Muito dinheiro perdido

O custo total desses projetos de desenvolvimento comunitário ficou em 6 milhões de dólares, sem contar as primeiras fases de alguns deles, com o que o custo real somaria ao redor de 10 milhões. Felizmente, três dos projetos têm resultados ainda resgatáveis. Contra as expectativas, os melhores projetos foram os dois de três africanos, seguidos de perto por um asiático e; dentre os cinco piores quatro eram da América Latina. Os que ainda têm algum futuro são projetos onde parte das plantações foi localizada em solos e condições adequados, portanto as árvores tiveram crescimentos bons, que permitiram superar a falta de manutenção e que, ademais, não foram afetados por incêndios florestais. Nos três casos, graças à proteção contra o fogo, a vegetação natural tem se regenerado substancialmente e consequentemente a umidade fica retida nas ladeiras e nesses locais houve uma boa recuperação dos cursos de água. Se uma ajuda suplementar lhes é proporcionada para manter as plantações e controlar o fogo, nesses três casos, é provável que os camponeses possam, finalmente, receber os benefícios que lhes permitiriam continuar vivendo do recurso florestal.

O principal erro desses projetos é não se ter previsto oportunamente que eles, em especial os de reflorestamento, são projetos de longa maturação e que, assim sendo, a seqüência dos cultivos e das plantações florestais deve permitir uma renda sustentada, desde o término do financiamento dos projetos que normalmente é de 3 a 4 anos. Caso contrário deveria se prever, como mencionado, a criação de um fundo de manutenção ou, melhor ainda, projetos com duração pelo menos duas vezes mais longa com o mesmo dinheiro e, obviamente, evitar plantar em pouco tempo extensões tão grandes de floresta, esquecendo o elevado custo da manutenção. De outra parte, plantar menos a cada ano, em um prazo maior, facilita a manutenção e garante uma exploração realmente sustentável.

É interessante notar que nos dois projetos mais bem sucedidos muitos camponeses não ficaram satisfeitos. Com efeito, o rápido crescimento da floresta aumenta a sombra e mingua e até impede a produção agrícola no mesmo local, baixo as árvores, forçando-os a fazer seus cultivos em outro lugar. Nestes projetos a terra não é privada e sim comunitária ou pública, assim terra não é o problema se o projeto leva esse fator em consideração. Mas, esse fato demonstra que os beneficiários não vão ficar satisfeitos com esse tipo de projeto até não receber, em efetivo, os primeiros resultados econômicos. No longo prazo esses projetos, que se desenvolvem sobre terras sem aptidão agrícola, devem transformar gradativamente agricultores miseráveis e sem perspectivas, em prósperos produtores florestais.

O que deve mudar

Estas conclusões, não obstante sejam bem conhecidas, raramente são levadas em conta pelos doadores de fundos internacionais ou bilaterais. Elas ratificam de uma parte, o caráter elusivo do sucesso deste tipo de projetos florestais e, de outra, que as comunidades vizinhas da floresta estão dispostas a participar ativa e eficazmente em projetos de manejo florestal, sempre e quando estes cumpram suas promessas de benefícios econômicos diretos em um prazo razoável. Os únicos projetos de desenvolvimento florestal comunal que tiveram êxito podem ser contados com os dedos da mão e foram todos de muito longo prazo, como no caso da comunidade e cooperativa camponesa de Porcón, em Cajamarca, Peru, que após uns 15 anos (1972- 1987) de apoio constante é hoje a maior, melhor e mais próspera propriedade florestal do Peru, com algo ao redor de 20.000 ha de pinheiros bem manejados e com uso múltiplo, sem falar das melhorias feitas na agropecuária. Lamentavelmente, os doadores de fundos agora preferem pulverizar as suas doações, fazendo-as menores e mais curtas para satisfazer suas veleidades políticas internacionais, sem importar-lhes que deixem no caminho comunidades enganadas e decepcionadas.

Nada do dito aqui é para afiançar que o manejo florestal comunitário não pode ser uma realidade. Mas, para sair do sonho é preciso lembrar que os aspectos sociais do manejo florestal comunitário é um fator essencial, mas não suficiente, da equação. A outra parte, absolutamente indispensável, é aplicar seriamente a ciência e a técnica florestal. Caso contrário, como é comum se observar nas reservas extrativistas, se engana a população com falsas promessas de desenvolvimento comunal e familiar. Pior ainda, os engenheiros florestais da atualidade parecem ter esquecido a alma da sua profissão, ou seja, o manejo florestal que, em última instância significa garantir ingressos econômicos sustentáveis sobre a base de sustentabilidade ecológica. O palavrório social não resolve a equação.

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