Reportagens

Mapas da devastação

O Ministério do Meio Ambiente e o IBGE lançam dez cartas que retratam a consolidação de uma ocupação humana que não parece nem um pouco preocupada com o futuro da floresta.

Carolina Elia ·
25 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás

Na mesma semana do lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento, que abriu a cancela para investimentos pesados em infra-estrutura na Amazônia, o Ministério do Meio Ambiente, em conjunto com o IBGE, apresentou o Mapa Integrado dos Zoneamentos Ecológico-econômicos dos Estados da Amazônia Legal. Um trabalho que tem como objetivo o planejamento territorial da região, incluindo a determinação de áreas para preservação, manejo e uso indiscriminado.

Nem todos os nove estados que compõem a Amazônia Legal ( Pará, Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Maranhão e Tocantins) já têm seus planos de zoneamento prontos e aprovados. Mas os que estão nesta situação têm ao menos um esboço do que pretendem em termos de uso dos recursos naturais e de suas terras e eles foram utilizados na confecção do primeiro mapa. Em paralelo a sua elaboração, técnicos do IBGE desenvolveram outras nove cartas referentes ao uso e ocupação da região amazônica. Juntas, elas permitem, pela primeira vez, a visualização espacial e temporal de como procedeu a degradação da floresta nos últimos anos.

Do mesmo jeito que a ministra Marina Silva assistiu calada a apresentação do PAC até o fim, a Chefe da Casa Civil Dilma Roussef deveria retribuir a atenção examinando as constatações do IBGE sobre a Amazônia hoje. Segundo a geógrafa do Instituto, Adma Figueiredo, que coordendou a elaboração dos mapas temáticos, as cartas podem auxiliar no dimensionamento do impacto das obras do PAC na região, numa escala macro-regional.

Os pesquisadores do IBGE atestam que o avanço das fronteiras abertas pela agropecuária e pela mineração é o principal responsável pela alteração de grandes porções de área de floresta. Além de revelar uma Amazônia salpicada por garimpos, observa-se uma frente de desmatamento provocada pela multiplicação de usinas siderúrgicas de ferro-gusa na região de Carajás, no Pará. A maioria dos fornos é alimentada com carvão proveniente de matas nativas.

Soja mecânica

Quanto às atividades rurais, as inovações científicas que permitiram a transformação do Cerrado em área agricultável consolidaram a lavoura tecnificada no Mato Grosso e fizeram com que a agricultura capitalizada avançasse em direção ao Norte, ocupando regiões de florestas densas que teoricamente não seriam propícias para cultivos de soja e milho. Hoje, regiões como Santarém, no Pará, têm florestas sendo convertidas diretamente para plantação de soja.

Esse desempenho do setor agropecuário, associado à introdução de novas tecnologias, afeta o ambiente natural ao provocar desmatamento, erosão e poluição hídrica, concluiu o IBGE. “Em Mato Grosso, o desmatamento, ocorrido nos altos cursos dos rios Teles Pires e Juruena para o plantio de soja, foi responsável pelo assoreamento e maior turbidez desses rios e jusantes, assim como do Tapajós, ao qual dão origem.”, descreve documento referente ao mapa Fronteira Agropecuária e Mineral na Vegetação Natural.

Os pesquisadores envolvidos na elaboração dos mapas também destacam a influência que a malha viária exerce sobre o desmatamento. No Mato Grosso, por exemplo, as grandes áreas desmatadas para fins agropecuários estão situadas ao longo de estradas como a BR-364, a BR- 163 e a MT-158. “ A presença de uma rede de transportes é de fundamental importância para que amplas áreas sejam mobilizadas para a atividade pecuária”, escrevem. O setor madeireiro também tem conseguido crescer sua atividade na floresta com o auxílio de estradas e com o emprego de grandes balsas e rebocadores para penetrarem no interior da mata através das calhas dos rios Solimões, Tocantins, Madeira e Tapajós. Os mapas do IBGE, no entanto, não mostram a grande teia de estradas clandestinas que recortam a Amazônia devido a escala das cartas ( 1: 3.500.000) .

O avanço dessas atividades rumo ao Norte da Amazônia, principalmente da agropecuária criaram uma necessidade de ampliação das redes de infra-estrutura em áreas de domínio florestal. Essa necessidade será atendida a princípio pelo PAC, mas os efeitos que a ampliação desse sistema pode ter sob a floresta foram ignorados pelos seus planejadores – o que representa um alto risco para a natureza. Agora, se seus executores ao menos espiarem os mapas desenvolvidos pelo IBGE, eles poderão contextualizar a obra dentro de um quadro de degradação já existente nas áreas onde elas serão iniciadas. “ Na área das usinas propostas para o rio Madeira, é possível verificar os focos de calor existentes no entorno, as grandes cidades, os eixos viários. Tudo numa escala macrorregional. Depois será necessário buscar informações mais detalhadas, mas os mapas já ajudam a prever os impactos das obras”, diz Adma.

O estudo do IBGE comprova que o crescimento agropecuário antecede o crescimento da indústria e de serviços na região Norte, amplia demanda interna e atrai investimentos. Portanto, onde a agropecuária chegar a infra-estrutura terá que ir atrás. Uma parceria perigosa uma vez que a agricultura mecanizada estimula o surgimento de centros urbanos capazes de darem apoio técnico a atividade. Portanto, cria-se uma fronteira urbanizada nos limites da floresta.. Por outro lado, a agricultura mecanizada não gera necessidade de mão-de-obra, o que num primeiro momento cria um inchaço nas cidades jovens e em seguida uma migração para as novas fronteiras. A população rural do Mato Grosso, por exemplo, é menor do que a população rural do Amazonas.

Eternos imigrantes

O mapa elaborado sobre a diversidade sociocultural da Amazônia deixa claro como a região é povoada por “estrangeiros” que acompanham essas fronteiras. Nos eixos das principais estradas amazônicas, um número significativo de municípios tem mais de 50% da sua população constituída de pessoas provenientes de outra unidade de Federação ou exterior. Ao mesmo tempo, um outro mapa, referente à tipologia da ocupação territorial, mostra a incorporação de terras públicas durante o processo de colonização do interior da floresta.“Grande parte da fronteira agropecuária enconstra-se nos limites entre o domínio de terras incorporadas e o de terras devolutas, correspondendo às áreas onde a exploração madeireira e de expansão do rebanho bovino ocorre de forma mais intensa. Essas áreas têm por retarguarda aqueles segmentos espaciais onde se destaca a produção agrícola modernizada da soja”, retrata o documento. Segundo Adma, o Mato Grosso detém hoje a maior área fundiária do Brasil.

Os nove mapas do IBGE ( Divisão política, Rede urbano-regional, Fronteira agrícola, Logística do território, Fronteira agropecuária e mineral na vegetação natural, Tipologia da ocupação territorial, Diversidade sociocultural, Fronteira pecuária e madeireira e Estrtutura agrária) foram elaborados basicamente com análise de dados cartográficos e secundários publicados até 2003. A única informação mais recente incluída foi a localização das unidades de conservação criadas na região até o fim de 2005. Porém, há um décimo mapa que falta, e que os pesquisadores envolvidos reconhecem como uma falta grave: o mapa físico da Amazônia Legal, capaz de revelar a situação atual dos recursos naturais da região. Segundo a equipe do IBGE, os dados estão levantados, basta transformá-los numa única e última carta. É bom mapear antes que o Plano de Aceleração do Crescimento de Lula seja posto em ação.

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Comentários 1

  1. Danilo Souza diz:

    Estou usando esta página da imternet para fazer um trabalho da escola. Ajudou muito, agradeço aos criadores desse site, e aos que participaram da criação.