Embora todos nós trabalhemos em algum lugar – ou aspiremos a – e passemos a maior parte do nosso dia no local de trabalho, infelizmente, as condições de salubridade dos locais nos quais trabalhamos, ainda, não lograram merecer a atenção necessária para que o tema seja considerado prioritário. Mesmo os dissídios coletivos suscitados pelos trabalhadores dão pouca atenção para o assunto. O direito à salubridade do ambiente de trabalho é um direito individual, de natureza homogênea e que, em tal condição, pode ser protegido por meio de instrumentos coletivos, tais como a ação civil pública (1).
A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 7º, XXII, XXIII e XXXIII (2), dispôs de forma genérica sobre a proteção da saúde do trabalhador, sendo certo que no artigo 200, II e VIII da Lei Fundamental da República (3) foi feita uma menção expressa ao chamado meio ambiente do trabalho, ali incluído como uma das competências do sistema único de saúde que as exerce nos termos da lei.
É importante observar que a Constituição Federal, ao tratar do tema meio ambiente do trabalho, destacou-o do complexo de normas destinadas à proteção do meio ambiente em geral. O constituinte não autorizou ao legislador ordinário que o tratamento do chamado meio ambiente do trabalho fosse feito do mesmo modo que o tema de meio ambiente genericamente considerado. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é de natureza difusa, pois não pode ter identificado o seu destinatário; já o direito à salubridade do ambiente laboral somente pode ser usufruído por um determinado grupo de trabalhadores. Ele é individual homogêneo, quando muito coletivo. Este tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema (4).
A defesa das condições de saúde do trabalhador não se faz de forma abstrata. Defende-se a saúde de determinados trabalhadores, em determinados locais de trabalho, em determinadas condições de trabalho. A defesa da saúde do trabalhador é uma conseqüência do contrato de trabalho que, no particular, está preenchido por normas de natureza pública que determinam a observância de certas condições de salubridade. Sem contrato de trabalho – ou melhor sem relação de trabalho – não há que se falar em saúde do trabalhador, mas da saúde do cidadão em geral. A saúde do trabalhador só existe em um contexto específico do trabalho, fora dele, fala-se da saúde do indivíduo.
Tem havido uma incompreensão das relações entre direito do trabalho, direito ambiental e direito à proteção da saúde. Tal incompreensão manifesta-se, essencialmente, quando se trata da elaboração de normas que têm por objetivo proteger a saúde humana, no local de trabalho. Boa parte da doutrina tem se firmado no sentido de que, nestes casos, estamos diante de uma norma de direito ambiental e, como tal, dentro de um conjunto de competências concorrentes que, por ser assim, autorizariam a produção de normas estaduais e mesmo municipais sobre o assunto (5). Esta é uma concepção que, seguidamente, tem sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal, a meu ver com razão. O caso mais recente é o referente a uma lei do Estado do Mato Grosso do Sul que bania o amianto daquele estado.
Quanto ao particular, assim pude me pronunciar em outra oportunidade (6): “ O Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente proferiu uma importante decisão em matéria ambiental, refiro-me a ADI nº 2396-9, Relatora a Senhora Ministra Ellen Gracie. A hipótese era a seguinte: O Senhor Governador do Estado de Goiás ajuizou Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, sendo requerida a Assembléia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul, com vistas a suscitar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei Estadual nº 2.210, de 05 de janeiro de 2001: artigo 1º e §§ 1º, 2º e 3º, artigo 2º, artigo 3º e §§ 1º e 2º, e, parágrafo único do artigo 5º. A matéria tratava da proibição da utilização de Amianto no Estado do Mato Grosso do Sul. Foi concedida Medida Liminar para suspender a eficácia dos dispositivos legais acima mencionados. O Informativo 243 do STF, assim resumiu a decisão: “Em seguida, o Tribunal, por aparente ofensa ao art. 24, VI e XII, da CF – que atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre proteção do meio ambiente, controle de poluição, proteção e defesa da saúde – deferiu o pedido de medida liminar para suspender diversos dispositivos da Lei impugnada (art.1º e §§ 1º, 2º e 3º; art. 2º; art. 3º e §§ 1º e 2º; e parágrafo único do art. 5º), em face da existência de lei federal que, de forma geral, permite a comercialização e utilização do amianto, não podendo o Estado-membro dispor em sentido contrário. ADInMC 2.396-MS, rel. Ministra Ellen Gracie, 26.9.2001.(ADI-2396)”.
O tema é da maior importância, pois o instrumento de busca Google registra 328.000 (7) entradas para a palavra amianto. A própria Organização Mundial do Comércio – OMC, anunciou aos 25 de julho de 2000, a autorização para que os países membros bloqueiem importações de amianto, sob a alegação de defesa da saúde pública. O Brasil como 4º produtor mundial do mineral protestou contra a decisão da OMC, pois a exportação do produto gera divisas de cerca de 30 milhões de dólares.
A lei do Estado do Mato Grosso do Sul, ao banir o amianto do Estado, nada mais fez do que seguir uma tendência legislativa que vem se verificando em vários estados e municípios. A questão que se coloca, claramente, é a da constitucionalidade das referidas normas legais em face do artigo 24, VI da Constituição Federal que determina ser competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre, dentre outras coisas, “proteção do meio ambiente e controle da poluição.”
Fato é que se encontram em plena vigência as lei federais que tratam da matéria. Tais Leis são: (i) Lei nº 9.055, de 01 de junho de 1966; (ii) Lei nº 9.976, de 03 de julho de 2000; (iii) Decreto nº 126 de 22 de maio de 1991 que “Promulga a Convenção nº 162, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre a Utilização do Asbesto com Segurança”. (iv) Decreto nº 2.350 de 15 de outubro 1997 que regulamenta a Lei nº 9.055, de 1º de junho de 1995. O conjunto normativo acima transcrito consagra a “utilização controlada” do amianto e não o seu banimento.
A questão jurídica relevante que foi ventilada pela concessão da liminar é a que diz respeito ao correto entendimento do que é a competência concorrente. Há uma tendência, quase que unânime, de se considerar que a legislação estadual sobre meio ambiente pode – para alguns, deve – ser mais restritiva que a federal. Dentro de tal compreensão, a lei do Estado do Mato Grosso deveria ser tida por constitucional. Caso o STF prossiga na linha de raciocínio que prevaleceu para a concessão da Medida Liminar, estará definitivamente estabelecido que o limite da competência concorrente é muito claro: os estados não podem desnaturar o comando estabelecido na norma federal. Aos estados, está reservada a possibilidade de, nos limites da lei federal, criar adaptações para as suas peculiaridades regionais. A decisão de mérito da ação direta de inconstitucionalidade interessa diretamente a todos aqueles que se interessam pela proteção jurídica do meio ambiente.
Um dos motivos que marcam o caráter difuso do direito ambiental é o fato de que, antes dele, eram de difícil aplicação os instrumentos capazes de conter as repercussões das atividades industriais além dos muros das fábricas. Na área interna a legislação de proteção ao trabalho exercia a função de evitar danos aos trabalhadores. Se ela era efetiva, ou não, é uma questão de outra natureza que, embora, muito importante, ultrapassa os limites da dogmática jurídica.
(1) Lei 7.347/85 – Art. 1º – Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – à ordem urbanística; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V – por infração da ordem econômica e da economia popular VI – à ordem urbanística.
(2) Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:…..XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; ….XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; ….”XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.
(3) Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: …II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador…..VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
(4) STF – Supremo Tribunal Federal .ADIMC-1893 / RJ. Relator Ministro MARCO AURELIO. DJU 23-04-99 p.-00002. Tribunal Pleno. Ementa: SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. Ao primeiro exame, cumpre à União legislar sobre parâmetros alusivos à prestação de serviços – artigos 21, inciso XXIV, e 22, inciso I, da Constituição Federal. O gênero “meio ambiente”, em relação ao qual é viável a competência em concurso da União, dos Estados e do Distrito Federal, a teor do disposto no artigo 24, inciso VI, da Constituição Federal, não abrange o ambiente de trabalho, muito menos a ponto de chegar-se à fiscalização do local por autoridade estadual, com imposição de multa. Suspensão da eficácia da Lei nº 2.702, de 1997, do Estado do Rio de Janeiro.
(5) Esta concepção é a expressão de um entendimento “imperialista” do direito ambiental. Parte-se da noção de que o meio ambiente é tudo aquilo que circunda o ser humano, logo, o direito ambiental deve regular todos os assuntos humanos. É preciso que fique claro que o direito ambiental não pode se substituir a todos o s setores do direito. O fato de que uma determinada matéria tenha “aspectos ambientais”, não a transforma em matéria de direito ambiental.
(6) Ver: ANTUNES, Paulo de Bessa. Amianto e Competência Concorrente, in, http://www.ibap.org/tma/artigos_ambiental/pba_01htm. “ O Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente proferiu uma importante decisão em matéria ambiental, refiro-me a ADI nº 2396-9, Relatora a Senhora Ministra Ellen Gracie. A hipótese era a seguinte: O Senhor Governador do Estado de Goiás ajuizou Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, sendo requerida a Assembléia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul, com vistas a suscitar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei Estadual nº 2.210, de 05 de janeiro de 2001: artigo 1º e §§ 1º, 2º e 3º, artigo 2º, artigo 3º e §§ 1º e 2º, e, parágrafo único do artigo 5º. A matéria tratava da proibição da utilização de Amianto no Estado do Mato Grosso do Sul. Foi concedida Medida Liminar para suspender a eficácia dos dispositivos legais acima mencionados. O Informativo 243 do STF, assim resumiu a decisão: “Em seguida, o Tribunal, por aparente ofensa ao art. 24, VI e XII, da CF – que atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal.
(7) Capturado aos 14.01.2005.
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