Curumim chama cunhatã que eu vou contar
Antes que os homens aqui pisassem
Nas ricas e férteis terraes brazilis
Que eram povoadas e amadas
Amadas por milhões de índios
Reais donos felizes
Da terra do pau-brasil
Pois todo dia e toda hora era dia de índio
Mas agora eles só têm um dia
O dia dezenove de abril
Amantes da pureza e da natureza
Eles são de verdade incapazes
De maltratarem as fêmeas
Ou de poluir o rio, o céu e o mar
Protegendo o equilíbrio ecológico
Da terra, fauna e flora pois na sua história
O índio é o exemplo mais puro
Mais perfeito mais belo
Junto da harmonia da fraternidade
E da alegria, da alegria de viver
Da alegria de amar
Mas no entanto agora
O seu canto de guerra
É um choro de uma raça inocente
Que já foi muito contente
Pois antigamente
Todo dia era dia de índio
(Jorge Benjor)
O noticiário nacional tem divulgado com grande alarde o fato de que o Sr. Presidente da República, finalmente, homologou a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol no Estado de Roraima. Foi feita uma demarcação contínua, como era a reivindicação dos indígenas e das principais ongs vinculadas à defesa dos direitos das populações autóctones.
O reconhecimento oficial das reivindicações indígenas foi feito mediante a edição de um decreto presidencial e uma portaria do Ministério da Justiça. Efetivamente, a portaria nº 534, de 13 de abril de 2005, “reconhece a área contínua demarcada pela Fundação Nacional do Índio (Funai)”, com 1.747.464 hectares, e dispõe sobre as várias “situações de fato” que determinaram resistências e morosidade na decisão sobre o caso. A área urbana da sede do município de Uiramutã ficou excluída da demarcação, assim como o leito das rodovias estaduais e federais que cortam a área e permitem o acesso a este município e à cidade de Normandia, também situada numa espécie de enclave dentro da área contínua”, conforme informa o Instituto Socioambiental que, sem favor nenhum, é a ong mais atuante na defesa dos direitos indígenas.
A homologação, entretanto, não significou o fim dos graves problemas relativos às Terras indígenas no estado de Roraima. Ao contrário, reacendeu outras questões. O tema das terras indígenas em Roraima, no meu ponto de vista, tem sido mal focado. Parte-se do pressuposto de que há um exagero em favor dos índios e que as demarcações só servem para privilegiar uma parcela destes em detrimento do progresso social e do desenvolvimento do estado amazônico. É neste contexto que, infelizmente, o assunto vem sendo debatido. Ultimamente chegamos ao paroxismo de vermos movimentos indígenas “contra” a homologação da reserva, o que é, francamente, um despautério. Há uma pergunta, no entanto, que não é feita. Seria Roraima viável? Entendo que não. Não me refiro aos potenciais econômicos do estado, às riquezas minerais e às ecológicas. O problema é outro.
Roraima é um estado com ocupação recentíssima e que, claramente, resulta da última expropriação em larga escala de terras indígenas feita pelos “brasileiros”. É uma ocupação ilegal e que foi “legitimada” pela chamada “Constituição cidadã”. Com efeito, o tão criticado estatuto dos índios contém uma previsão legal que, se tivesse sido aplicada, teria solucionado grande parte dos problemas hoje enfrentados pela população de Roraima que é a criação do chamado Território Federal Indígena, visto que antes da “invasão branca”, seguramente, mais de um terço da população local era indígena (1).
A população do estado é de 324.397 (2003) habitantes, com migração interna da ordem de 54,45% (1997). Roraima em 1980 tinha cerca de 78.159, tendo quase que quintuplicado em 20 anos (dados retirados do documento Roraima em Números editado pelo Governo de Roraima). Não é necessário muito esforço para se perceber que tal aumento populacional, obviamente teve um reflexo na cidade de Boa Vista e na pressão sobre as Terras indígenas. A mortalidade infantil é de 38,54% (1998). Um dado importante: 170.620 eleitores que elegem 3 senadores e 7 deputados federais. Tradicionalmente, a população de Roraima era constituída por diversas etnias indígenas e uma parcela de “brancos” que se situava basicamente na capital do então território federal.
“Visando estimular a colonização de Roraima, o Governo elaborou um projeto de aproveitamento do rio Contigo para a construção de uma hidrelétrica, que deveria fornecer 1 milhão de quilowatts ao território. O custo da obra estava calculado em 750 milhões de dólares. Ainda dentro desse plano, em 1981 o Governo resolveu fornecer gratuitamente aos migrantes (principalmente nordestinos) glebas de terra de até 300 hectares. Além das terras, o Governo do território pagava as despesas de viagem e ajudava os colonos, emprestando máquinas e fornecendo financiamentos através do Banco de Roraima S.A . Com tal plano, as autoridades pretendiam que 1,5 milhões de hectares, hoje improdutivos, passassem a produzir, elevando as rendas do território e assim, fazendo crescer cidades e trazendo progresso para a região.” É indiscutível, portanto, que já nos estertores do Território de Roraima, havia uma indução de população não indígena para a região, estabelecendo-se uma nova fronteira às custas das populações autóctones.
Muita polêmica existe em torno das Terras Indígenas, principalmente no que concerne à sua extensão: “os maiores latifundiários do Brasil são os índios”, afirmam os contrários à demarcação de Terras Indígenas. Afinal, onde estão localizadas as Terras Indígenas e qual é a parcela do território nacional que ocupam? Atualmente existem cerca de 627 Terras Indígenas que ocupam aproximadamente 12,33% do território nacional. A maioria das Terras indígenas está localizada na Amazônia Legal, ocupando por volta de 20,67% do território amazônico e mais ou menos 98,61% da extensão de todas as Terras Indígenas. As demais estão situadas nos outros pontos do território nacional. A homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é, sem dúvida alguma, a demarcação mais emblemática em todo o conjunto de situações envolvendo as populações indígenas brasileiras. O Instituto Socioambiental possui um estudo comparativo muito interessante no qual é apontado o número de terras demarcadas e o número de terras homologadas, desde o governo José Sarney.
(6) Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; § 2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei.
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