Desde a antigüidade, as cabeceiras do rio Nilo provocam a curiosidade dos homens que vivem nos quatro cantos do mundo. Egípcios, gregos e romanos tentaram encontrá-las sem sucesso. Suas expedições rio acima jamais conseguiram atravessar os pantânos do Sudd, no Sudão. Júlio César chegou a dizer que se pudesse ter uma pergunta respondida pelos deuses, gostaria de saber onde é a origem do Nilo. O mistério acabou mistificado, aceitando-se a explicação de Heródoto de que o rio iniciava-se em fontes sagradas no interior da África. Os mapas de então mostravam as nascentes do Nilo como a cabeça encoberta de um deus helênico.
Mais tarde, a busca pela sua cabeceira acabou por custar a morte do famoso explorador inglês Dr. Livingstone. Somente na expedição liderada por Richard Burton entre os anos de 1856 e 1858 é que o lago Vitória foi estabelecido como a fonte primordial do Nilo. Burton — que mais tarde perambularia pelo Brasil — apesar de líder expedicionário, não teve o privilégio da descoberta. Adoentado, ficou para trás, convalescendo, enquanto seu companheiro John Hanning Speke seguiu com a exploração e, em 30 de julho de 1858, acabou passando à história como o desbravador das nascentes do Nilo.
Com 6.695 quilômetros de extensão, o Nilo é o rio mais longo do mundo. Em seu trajeto, irriga Uganda, forma os fabulosos pântanos do Sudd e deságua em uma míride de braços, próximo a Alexandria, no Egito. Hoje sabe-se que sua nascente não é a consagrada por Speke em Uganda, mas fica em Burundi. Nesse trecho, até desaguar no lago Vitória, o maior da África, o rio leva o nome de Kagera.
De fato, nomes é o que não faltam ao Nilo. Chama-se Bar-el Gebel e depois Nilo Branco no Sudão, para virar apenas Nilo após receber as águas do Nilo Azul, que vêm da Etiópia e o encontra em Cartum. Antes disso, em Uganda, chama-se Nilo Alberto e, nas proximidades de Campala, ao deixar o lago Vitória rumo ao norte, ganha o nome de Nilo Vitória.
Para os ugandenses, esse é o Nilo que importa. Já ao deixar o lago, flui caudaloso e imponente por 5.600 quilômetros, até alcançar o Mediterrâneo. Sua bacia é responsável pela paisagem verdejante e pela fertilidade do país.
Rafting no Nilo
Nesse ponto de partida, que os ugandenses, ainda fiéis à descoberta de Speke, chamam oficialmente de nascente do Nilo com direito a placa e visitação escolar (foto), também começa um dos programas mais emocionantes do turismo ecológico africano: o “rafting das nascentes do rio Nilo”. A partir daí, turistas do mundo inteiro aventuram-se por 30 quilômetros de corredeiras, algumas com graus 5 e 6, os mais altos da classificação existente. Segundo o Ministério de Turismo de Uganda, trata-se do rafting comercialmente operado mais radical do mundo. Pode até ser que não seja verdade, mas poucos são os que se dispõem a procurar algo ainda mais extremo.
Logo no início do passeio pelas águas cavernosas, a maioria dos barcos viram. Quem escapa às corredeiras de Bujagali não resiste ao buraco que se abre na Total Gunga. Infalivelmente, Itanda, Overtime, Retrospect, Mulali ou Putali vão capotar um ou mais barcos. São naufrágios apavorantes — segundos que parecem horas girando em máquina de lavar natural.
Muitos aventureiros de ocasião, contudo, só brincam de afogados uma única vez. Após o caldo prolongado, trocam a balsa da aventura por um dos barcos de segurança e daí para a frente evitam sistematicamente as corredeiras mais perigosas. Aliás, balsas de segurança e caiaques de salvamento não faltam. Cada vez que o Nilo fica coalhado com os capacetes laranjas e rosas dos turistas ejetados barco afora, eles logo acorrem retirando os incautos das águas. Não sem que antes litros e litros do rio mais extenso da África tenham sido involuntária e forçosamente bebidos.
Com efeito, os caiaqueiros que fazem a segurança são especialistas no assunto. Raramente viram ou perdem o controle de suas embarcações, o que confere um pouco de tranqüilidade aos turistas cujo destino subaquático é garantido pelas corredeiras nilóticas. Ainda assim, mesmo esses craques do rafting evitam a temerosa passagem conhecida por Dead Dutchman. O último que tentou, um jovem holandês, batizou-a com o nome macabro que hoje identifica a corredeira. Nesse trecho, todos desembarcam e carregam no lombo, à moda de Fitzcarraldo, as balsas até águas mais plácidas.
A oportunidade, somada aos pequenos remansos que intermedeiam as corredeiras, permitem ao assustado marinheiro de primeira viagem contemplar as margens do Nilo. Pássaros de distintas penungens e macacos colubus de vistosos pêlos brancos e pretos decoram a paisagem, formada por frondosas árvores e plantações de subsistência. Se os sobressaltos da viagem não fossem tantos, o programa poderia ser chamado de ecoturismo de observação. Mas aí, o Nilo perderia sua fama de tenebroso que, desde tempos imemoriais, o acompanha. Melhor assim.
PS. Em tempo: Recentemente descobriu-se que o rio Amazonas tem um braço cuja nascente está localizada no longínquo lago Lauricocha, no Peru. Contando sua extensão a partir daí até a foz, próxima a ilha de Marajó, são 6.868 km, que o tornam o mais longo rio do mundo, desbancando o Nilo. Mas, se não quiser atrair para si as sete pragas do Egito, melhor não levantar essa questão junto às suas populações ribeirinhas. Para elas, nada supera o Nilo!
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