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Pedágio urbano: futuro certo

Nova York quer cobrar pedágio urbano. Quando a população mais viciada em carros debate uma medida tão impopular, é sinal que está na hora do Brasil pensar em fazer o mesmo.

26 de abril de 2007 · 18 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

O que Cingapura, Londres, Santiago do Chile e Oslo têm em comum com Nova York? Um sistema de pedágio urbano do tipo que o prefeito Michael Bloomberg acaba de anunciar. Andar de carro, principalmente na hora do rush vai ficar mais caro. E com razão, já que o amor sem limite das pessoas pelos automóveis não cabe mais nas largas ruas e avenidas. Pode se preparar. Algo parecido algum dia chegará a cidades brasileiras como São Paulo, Rio e Porto Alegre.

Em Manhattan, os carros pagarão 4 dólares por dia para circular. Abaixo da rua 86, a tarifa sobe para 8 dólares para carros e 21 para caminhões. A medida é parte de um ambicioso plano ambiental que envolve 127 ações. No caso do pedágio, a intenção é reduzir o trânsito e melhorar a qualidade do ar.

Cingapura foi a pioneira. Implantou o sistema em 1975. Os resultados foram brilhantes. O trânsito da hora do rush caiu 47% nas manhãs e 34% à tarde. A demanda por transporte público aumentou 63%, ao mesmo tempo em que o uso de carros caiu 22%.

Londres aderiu em 2003. Criou um pedágio de 5 libras (cerca de 20 reais) para circular no centro da cidade. 60 mil veículos saíram da área e o tempo das viagens se reduziu em 20%. Os beneficiados foram os ônibus e táxis. Seu uso aumentou 20%. Os ingleses também ficarão mais magrinhos, já que o número de bicicletas cresceu 30%. Até os acidentes diminuíram.

No país de George Orwell, existe um big brother eletrônico que dedura os espertinhos e os displicentes. A tecnologia de fiscalização do sistema de pedágio londrino é um dos seus aspectos mais interessantes. Ela é feita através de 900 câmeras espalhadas pela região, que filmam as placas dos veículos. As imagens são vasculhadas por computadores que multam os inadimplentes. O proprietário pode entrar sem pagar, mas precisa fazê-lo até o fim do dia.

Apesar dos bons resultados, programas de pedágio urbano são extremamente impopulares e, portanto, tem chance política pequena de serem aprovados. Os argumentos são vários. Alguns dizem que, ao invés de inventar outro caça-níquel tributário, o governo deveria oferecer melhor transporte público. Outros acusam o pedágio de interferir com uma liberdade fundamental, o direito de ir e vir.

É utópico imaginar que o investimento em metrô ou transporte público resolva os engarrafamentos. Trata-se, no máximo, de uma solução provisória. À medida que a renda cresce, as pessoas preferem a comodidade do transporte individual, porta a porta. Enquanto o uso das avenidas mais procuradas for gratuito, é fatal que surjam os gargalos e as vagarosas filas de automóveis. A solução para acabar com filas em qualquer mercado é um preço. Nesse caso, um pedágio que limite o acesso e permita que os veículos fluam a uma velocidade razoável.

O pedágio é mais justo. Trata-se de uma taxa sobre o uso, ao invés de um imposto sobre a propriedade, como o IPVA. Por que o motorista que tira o carro da garagem para passear com a família no fim de semana deve pagar o mesmo valor daquele que ganha as ruas diariamente?

O carro encarece o transporte público e reduz o tempo de lazer da população de baixa renda. Como os ônibus circulam mais lentamente, são necessárias mais unidades para que o tempo de espera nos pontos seja razoável. E o direito de ir e vir acaba não servindo para muita coisa se você está parado por horas numa marginal de São Paulo, por exemplo. O carro, principal culpado por essa situação, paga pouco.

Os programas de pedágio urbano podem gerar também uma renda extra para os pobres e os econômicos. De início, cada cidadão ganha uma quota de quilometragem mensal isenta de pedágio. Quem usar menos do que o seu teto, pode vender a diferença para os que rodam mais, em geral, também mais ricos. Trata-se de um mecanismo de “limite e troque” semelhante a vários outros, como o utilizado pelo protocolo de Kyoto. Nele, os países ricos podem comprar reduções de gases do efeito estufa nos países em desenvolvimento.

O Brasil é o quarto país na lista de maiores emissores de gases do efeito estufa. A frota nacional é responsável por 30% do problema. A região metropolitana de São Paulo é o ícone máximo dos engarrafamentos brasileiros. Por lá, circulam diariamente cinco milhões de veículos, ao longo de 17 mil quilômetros de vias. Em 1997, o transporte público era o meio para 51% das viagens na cidade. Em 2002, esse número encolheu para 47%. O automóvel passou a ser o principal meio de locomoção.

500 novos veículos são licenciados todos os dias. Com uma média de 2,5 metros de comprimento, só para entrar na rua, eles demandam mais 1,25 km de vias. Nos horários de pico, os paulistanos perdem no trânsito cerca de 50% de tempo além do que deviam.

São Paulo adotou um sistema de rodízio baseado no número das placas. Com isso, retira das ruas, nos dias úteis, 20% da frota. Quem pode, comprou um segundo carro. Quem não teve dinheiro para isso, ficou com muita raiva de Fábio Feldman, na época secretário de Meio Ambiente, que instituiu o rodízio. Assim, com o tempo o efeito da medida se dilui, prejudicando os mais pobres e gerando o desperdício da aquisição de carros desnecessários.

Também não gera qualquer tipo de receita para a cidade. A arrecadação do pedágio urbano pode ser revertida para investimentos nas ruas e no meio ambiente. Foi assim em Oslo, onde o programa só foi aprovado depois que uma parte da receita foi atrelada a melhoramentos ambientais.

Será difícil convencer o brasileiro a pagar mais uma taxa. Faltarão também políticos para defender a idéia, já que a popularidade do pioneiro Fábio Feldman tomou um tombo com o rodízio. Mas acabaremos chegando lá. Todas as outras medidas para conter o avanço dos automóveis nas cidades são paliativas.

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