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A um passo da gasolina limpa

Se pesquisadores do laboratório Los Alamos acertarem a mão, o carro a gasolina não só continuará rodando pelo mundo, mas passará de vilão a mocinho na luta contra o aquecimento.

29 de fevereiro de 2008 · 17 anos atrás

Prepare-se para ouvir falar muito em Green Freedom. Trata-se de um projeto para transformar dióxido de carbono em gasolina, num processo de baixo risco tecnológico e sem maiores complicações químicas. Mistura tecnologias já existentes, para produzir em larga escala combustíveis líquidos e químicos orgânicos que sejam neutros em carbono e livres de enxofre. Usa duas fontes abundantes no planeta: o ar e a água.

Se a idéia não é exatamente nova, a revolução tecnológica desenvolvida pelos autores F. Jeffrey Martin e William L. Kubic Jr. está justamente na forma de captura e recuperação do dióxido de carbono da atmosfera, mais eficiente que as desenvolvidas até hoje e, portanto, com menos cara de ficção científica.

Roubando CO2

No fundo, ele é uma fórmula artificial de seqüestro de carbono. E seu segredo, uma solução de carbonato de potássio que capture o CO2, quando o ar atmosférico passa através dela. Isso, segundo os pesquisadores, é quimicamente fácil. O desafio sempre foi conseguir extrair quantidades comercialmente significativas de CO2, que na atmosfera se encontra muito diluído. Os processos convencionais só conseguem capturar 73% do dióxido de carbono em cada passada do ar pela solução. O pulo do gato é conseguir roubar mais de 95% do CO2 contido no ar, em cada filtragem.

Feito isso, o dióxido de carbono passa por reações químicas já comercialmente exploradas, que o transformam em um gás de síntese (mistura combustível de gases) para produzir metanol. E, por fim, o metanol é transformado em gasolina.

Para a produção do gás de síntese, o processo requer duas unidades de produção: uma que captura o dióxido de carbono do ar e da água, outra que utiliza o processo de eletrólise da água (processo que usa energia elétrica para separar os elementos químicos da água) para produzir hidrogênio.

A nova célula eletrolítica desenvolvida pelos cientistas de Los Alamos – que transforma energia elétrica em energia química – reduz drasticamente a quantidade de energia necessária para absorver o dióxido de carbono da solução de carbonato de potássio. A estimativa aponta que o novo processo requer 96% menos energia que o método térmico de absorção convencional.

Mas nem tudo são flores. Mesmo com todos esses aprimoramentos tecnológicos, os pesquisadores admitem que um dos maiores desafios para produzir gasolina em escala comercial com o novo processo – algo em torno de 750 mil galões por dia, equivalentes a cerca de 30 mil barris – é a quantidade de energia que isso envolve. A planta de produção teria que ter a sua própria geração de energia. Os pesquisadores sugerem a construção de uma usina nuclear, só para alimentar a fábrica e todos os seus processos. Com painéis solares, hidrelétricas ou usinas eólicas, o custo seria maior.

Essa preferência tomou como base a análise de ciclo de vida das emissões de CO2 de diversos métodos de produção de hidrogênio. Ela apontou vantagens ambientais para os reatores nucleares, perdendo apenas para as usinas hidrelétricas e eólicas. Para cada quilograma de hidrogênio produzido a partir dos reatores nucleares, praticamente dois quilos de CO2 são emitidos para a atmosfera. As células fotovoltaicas emitem seis quilos.

O estudo afirma que o impacto ambiental da usina de produção da gasolina sintética, combinada com a usina nuclear, ficaria limitado à sua construção e à disposição final de uma pequena quantidade de resíduos radioativos. Não é bem assim. Como já vimos aqui nesta coluna, ao falarmos de <ahref= index.php/ana-claudia-nioac/52-ana-claudia-nioac/18303-oeco_24640&date=currentDate&contentType=htmltarget=_blank>energia nuclear, as usinas nucleares envolvem diversas etapas que emitem gases de efeito estufa. E não dá para descartá-las na hora de verificar a real “pegada ecológica” de um empreendimento desses.

Se realmente for comprovado que o saldo final das emissões de gases de efeito estufa em todo o processo produtivo é zero, ai sim, essa inovação tecnológica pode ser considerada carbono-neutro, e o planeta estará pronto para ser invadido por carros que usarão derivados de petróleo sem contribuir para o aquecimento global. Por enquanto, convém ficarmos atentos à banalização do termo carbono-neutro, para fins estritamente marqueteiros.

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