Acaba de chegar à minha casa uma encomenda há muito esperada: o livro Wild by Law, que conta a história de como começou a ONG norte-americana Sierra Club Legal Defense Fund, hoje conhecida por Earthjustice, e algumas de suas mais célebres batalhas legais em defesa do meio ambiente. Apesar de ser um exemplar de segunda mão, com a capa um tanto surrada, a briga vai ser boa para decidir quem vai lê-lo primeiro.
O Wild by Law, assim como o Justice on Earth, segundo livro da Earthjustice publicado anos depois, é daquelas leituras que, uma vez iniciadas, não se consegue largar. As histórias que conta são de dar calafrios e as emoções e intrigas trazidas pelo embate judicial entre os ambientalistas, de um lado, e grandes corporações e entes governamentais, de outro, para quem gosta do tema, não devem nada aos clássicos hollywoodianos de tribunais.
Afinal de contas, lá também existe má-vontade das autoridades, interesses políticos contrários à causa ambiental e grandes empresas que não dão a mínima para nada que não signifique lucro. Lá, como aqui – bom, talvez não exatamente como aqui – ainda dá trabalho convencer os juízes do ponto de vista ambiental. Especialmente quando há muito dinheiro envolvido. Mas isso não impediu que a Earthjustice obtivesse memoráveis vitórias.
É justamente dessas vitórias que ambos os livros tratam. Com riqueza de detalhes, mostram passo a passo todo o trabalho político e legal desenvolvido pela ONG em cada um dos casos. É, portanto, leitura obrigatória para quem pretende se envolver em causas de direito ambiental. Até mesmo para que essas pessoas não desanimem, pois verão que conseguir uma decisão favorável em causas assim é difícil em qualquer lugar do mundo.
Infelizmente, no Brasil, as dificuldades enfrentadas por quem quer defender judicialmente a natureza são um pouco maiores. Talvez por isso ainda não tenhamos por aqui ONGs com tanto dinheiro e influência como há nos Estados Unidos. A razão envolve, provavelmente, diversos fatores.
Pela Lei nº 7.347/85, as ONGs são legitimadas, junto com o Ministério Público e algumas outras pessoas jurídicas, a propor ações civis públicas ambientais. No entanto, o que se nota é uma fantástica sub-utilização dessa atribuição. Cerca de 90% das ações dessa espécie propostas em todo o Brasil têm como autor o próprio Ministério Público. As ONGs e demais organizações civis têm se recolhido a um papel denuncista, ou seja, limitam-se a apontar para o MP danos ambientais, para que ele tome as medidas cabíveis.
O resultado disso? Para que se tenha uma idéia, no Município do Rio de Janeiro são propostas, em média, pelo Ministério Público, apenas doze ações civis públicas ambientais por ano. Uma por mês. Isso em um município com um enorme litoral e um complexo sistema de lagoas que são bombardeados dia após dia por esgotos irregulares, e com uma das maiores florestas urbanas do mundo, invadida todos os dias por construções irregulares e sem rede de esgoto adequada. Não é preciso ser entendido para saber que há algo de errado.
Ao que tudo indica, a participação da sociedade tem deixado a desejar por um misto de ceticismo e falta de incentivo financeiro. Contratar uma boa banca de advogados custa muito dinheiro e, aqui, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, a cobrança de honorários elevadíssimos acontece antes mesmo do início do processo e é devida independentemente de vitória ou derrota. Falta dinheiro, portanto, à maioria das ONG brasileiras, para contratar esse tipo de serviço.
Por outro lado, a lei que regula as ações civis públicas ambientais no Brasil determina que, caso haja condenação de quem causa danos ambientais ao pagamento de alguma multa ou indenização em dinheiro, este será revertido, na íntegra, a um fundo gerido por um Conselho Federal ou Estadual. Essa verba será destinada, exclusivamente, diz a lei, à reparação dos bens lesados. Nada mais justo, já que nessas ações, em última instância, a parte vitoriosa é mesmo o meio ambiente e é ele, portanto, que faz jus ao dinheiro. Mas convenhamos que essa medida não facilita em nada o ato de convencer os advogados e as pessoas em geral a ajuizarem esse tipo de demanda.
Outra grande dificuldade no caminho da defesa jurídica do meio ambiente é a grande quantidade de problemas sociais brasileiros. A maioria dos nossos julgadores ainda tende a privilegiar o desenvolvimento e a suposta geração de emprego e renda em detrimento do meio ambiente; ainda titubeia em mandar derrubar uma moradia construída irregularmente em área protegida. É o tipo de decisão difícil de ser tomada. Ainda mais por conta das implicações políticas que tem.
Derrubar barraco ou embargar uma obra onde centenas de pessoas vêem uma oportunidade de emprego não faz bem para a popularidade de ninguém. E, nesse aspecto, bem se conhece o poderio que os políticos brasileiros ainda têm para influenciar uma decisão judicial ou administrativa. Isso sem falar no alto grau de corrupção daqueles que deveriam zelar pela ordem, como fiscais e outros funcionários públicos.
Mas a distância entre as histórias contadas em Wild by Law e a nossa realidade não deve ser razão para que ele seja lido como um conto de ficção. É um livro didático que pode, muito bem, vir a espelhar nossa história jurídica em um futuro próximo, já que o nosso Judiciário tem dado sinais, embora com certa resistência, de estar se abrindo para a idéia de que mais importante do que garantir a riqueza de hoje é garantir a vida de amanhã.
De um jeito ou de outro, foi um tremendo presente de Natal.
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