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O remédio é fiscalizar os fiscais

É preciso marcar em cima as multas por desmatamento, mas a advogada Vânia dos Santos provou, em Prudentópolis, Paraná, que empurrando bem os processos pegam.

17 de abril de 2005 · 20 anos atrás

No último dia 13 de abril, os meios de comunicação trouxeram a público, com certo entusiasmo, a notícia de que o Ibama teria multado 27 madeireiras na região de Anapu, no Pará. As multas aplicadas totalizariam 8 milhões de reais e provavelmente representam os últimos espasmos de atuação governamental em prol do meio ambiente do caso Dorothy Stang, que recentemente deu notoriedade à região. Uma das madeireiras autuadas por armazenar e vender madeira sem a documentação necessária pertence a Luís Ungaratti, um dos suspeitos do assassinato da missionária.

O fato de que o desmatamento e as queimadas representam dois dos maiores desafios ambientais brasileiros não é novidade. Todo mundo que se interessa pelo tema já ouviu as desculpas dos órgãos oficiais responsáveis pelo controle dessas atividades: faltam pessoal, carros, equipamento, verba e treinamento. Sobra corrupção. O Governo Federal, faz tempo, promete, ano após ano, tomar providências, enquanto no mundo real o problema só faz se agravar.

Diante dessa situação calamitosa, uma advogada do Paraná, mais precisamente da região próxima ao município de Prudentópolis, decidiu chamar para si a responsabilidade de tentar acabar com o problema. Desde 1998, Vânia Mara Moreira dos Santos, formada em Ponta Grossa, tem trabalhado junto às Promotorias de Meio Ambiente do Ministério Público do Estado na fiscalização e denúncia da derrubada irregular de madeira.

A parceria não começou exatamente com esse objetivo. Prudentópolis é uma região onde a agricultura ainda representa o meio de sobrevivência de boa parte da população, e os suicídios causados pelo excesso de exposição a agrotóxicos ocorriam em uma taxa alarmante – cerca de 1 por mês. O problema era provar este último problema. Os traços dos agrotóxicos utilizados (geralmente organofosforados) deixam de ser detectáveis por exames após de um brevíssimo período de tempo, dificultando o estabelecimento de uma ligação entre estes e as mortes. A parceria com o MP foi justamente para agilizar a realização dos exames necessários, a fim de que se pudesse punir os responsáveis.

Alguns desses casos de suicídio foram de pessoas que trabalhavam em lavouras de fumo, uma cultura bastante comum na região por poder ser praticada em pequenas propriedades e com a utilização de mão-de-obra familiar. Tudo o que se precisa para o cultivo é de um pouco de terra, poucas pessoas e uma estufa, movida a lenha que, evidentemente, provinha de árvores derrubadas irregularmente no local ou próximo da própria lavoura. Foi aí que o problema chamou a atenção de Vânia e ela começou a se dedicar a processos envolvendo desmatamento.

Desde 2001, ela acompanha todos os processos desse tipo da região. Hoje, na imaginação das pessoas ela sobrevoa a região em todos os helicópteros que a Câmara de Vereadores de Prudentópolis põe à sua disposição, procurando por sinais de retirada irregular de madeira para denunciar ao MP e ao IAP – o Instituto Ambiental do Paraná, além de mandar policiais florestais ao local.

A atuação de Vânia já lhe colocou em situações delicadas. Um dos Vereadores locais, por exemplo, disse em uma rádio local que ela tinha telefones celulares para dar a quem quisesse colaborar com denúncias. Não era verdade, evidentemente, mas choveu gente na porta dela querendo ajudar e ganhar o celular. Esse mesmo Vereador, algum tempo depois, teve a sua madeireira autuada e multada por corte irregular.

Mas as autuações, em geral, são tão mal feitas que é praticamente impossível transforma-las em um processo judicial, lamenta Vânia. O pessoal que faz as autuações não tem qualquer conhecimento técnico, diz. Eles não informam no auto de infração, por exemplo, o tipo de madeira que foi encontrada e em que estado ela se encontrava – bruto ou já processado, cortado – o que dificulta ainda mais o trabalho dos juízes e promotores. Os policiais e fiscais não possuíam sequer aparelhos de GPS para indicar as coordenadas do local onde a infração ocorreu.

O despreparo, no entanto, se estende até bem mais acima na cadeia de autoridades. Os magistrados e promotores, em geral, também não sabem muito bem com o que estão lidando. “Certa vez, um madeireiro que havia sido autuado e que ficara como fiel depositário da madeira ilegal que estava transportando, disse ao juiz que as toras ilegais (de pinheiro) haviam apodrecido nos dois anos que se passaram entre a autuação e a audiência do processo, e que por isso não estavam mais com ele. O juiz acreditou, e mandou ele plantar cinqüenta mudas de araucária”, diz a advogada. “Aquela madeira é de uma espécie que leva cerca de 20 anos para apodrecer. Isso é a prova de que aquele juiz desconhecia sobre o assunto que estava em suas mãos. É óbvio que a madeira foi vendida”, complementa ela.

Aliás, segundo Vânia, é isso o que geralmente acontece. O madeireiro ou vende a madeira ou é multado em 50 Reais. Em geral não há preocupação do judiciário em mandar recompor o ambiente degradado. E quando ele é condenado a fazer isso, ninguém fiscaliza o cumprimento. A multa é exatamente a mesma para quem derruba uma árvore e uma floresta inteira. Ninguém se preocupa com o ambiente que se perdeu, lamenta.

Há ainda o problema de se identificar o verdadeiro culpado pelo desmatamento. Muitas vezes, os policiais – que podem levar até duas semanas para apurar uma denúncia – autuam quem quer que esteja no local quando eles chegam. Isso cria uma distorção, pois em geral essas pessoas não são os proprietários dos terrenos ou das madeireiras. Mesmo assim, são condenados a plantar grandes quantidades de árvores, em um terreno que não é seu, ou seja, trata-se de uma determinação judicial absolutamente inócua.

“Mas a situação dá sinais de uma melhora lenta”, diz Vânia esperançosa. “Fizemos um trabalho muito bom com o antigo Juiz de Prudentópolis que cuidava das causas ambientais. Explicamos para ele a necessidade de agilizar o andamento dos processos justamente para evitar que os madeireiros tivessem tempo de vender ou dar sumiço na madeira. Ele entendeu o problema e naquele cartório todos os processos desse tipo ganhavam uma tarja verde na capa. Dessa forma, a audiências passaram a ser marcadas para cerca de um mês depois da autuação, o que é bastante rápido. Agora, o juiz mudou, e teremos que começar tudo de novo”, lamenta.

O Governo do Estado, por seu lado, forneceu aos policiais florestais aparelhos de GPS para que eles possam indicar nos autos de infração o local exato onde elas foram feitas. Por outro lado, o Governo também prometeu – em 2003 – que criaria uma “força verde” de policiais especialmente treinados. Por enquanto, este projeto só fez retirar metade do efetivo da Polícia Florestal para integrar o que deverá ser, algum dia, a Polícia Ambiental.

Para Vânia, o principal problema está no fato de as pessoas – inclusive os magistrados – ainda não terem assimilado a idéia de que crime ambiental também é crime. Segundo ela, se você mata alguém, não adianta fazer um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta prometendo que não vai matar de novo e doando dinheiro para criar uma fundação em nome da sua vítima, que não vai se livrar da prisão. O mesmo deveria ocorrer com os crimes ambientais. Crime é crime. Se você derruba uma floresta inteira, no entanto, basta um TAC – cujo cumprimento ninguém vai fiscalizar –, para que possa seguir com a sua vida normalmente.

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