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Em nome da eficiência

A Corte de Justiça Européia acaba de anular uma norma que punia danos ambientais com penas criminais severas. O meio ambiente, incrivelmente, agradece.

16 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Para nós, aqui deste lado do Atlântico, a notícia praticamente não chega, a não ser graças à internet e, mesmo assim, requer um tanto de esforço e sorte para ser encontrada. Mas a Corte de Justiça Européia acaba de dar uma decisão que muitos no Velho Continente estão celebrando como um grande passo rumo à democratização do novo processo legislativo europeu. E tudo graças a uma discussão ambiental. Na última terça-feira (13.09.05) o maior tribunal da Europa derrubou uma deliberação adotada em 2003 pelo Conselho Europeu, que obrigava os Estados-membros a punir com sanções penais eficazes e exemplares determinados danos ambientais. Pode parecer um mau negócio para o meio ambiente. Mas, na prática, não é.

A Comisão Européia é o órgão criado para representar o interesse europeu comum a todos os Estados-membros, que possui o direito de iniciativa no processo legislativo, podendo propor a legislação sobre a qual o Parlamento Europeu e o Conselho decidem. Em março de 2001, preocupada com a crescente onda de violações de normas ambientais comunitárias, com base em determinações contidas no tratado que criou a Comunidade Européia, ela propôs uma diretiva que obrigaria os países-membros a punir criminalmente certas atividades danosas ao meio ambiente, fossem cometidas intencionalmente ou por grave negligência.

O Conselho Europeu aprovou a diretiva e quis aplicá-la imediatamente. Ele é o principal órgão de tomada de decisões da União Europeia, onde cada país-membro se faz representar pelo ministro responsável pelo domínio em questão, como assuntos externos, finanças, assuntos sociais, transportes, agricultura, etc.; e onde cada país-membro exerce a Presidência do Conselho por um período de seis meses, numa base rotativa. Mas, faltando-lhe a maioria qualificada necessária para votar e aprovar a diretiva, decidiu fazê-lo através de uma Council Framework Decision (Council Framework Decision 2003/80/JHA, de 27.1.03), forma de legislação prevista no tratado que criou a União Européia.

A Comissão não apoiou a forma como a nova norma foi criada e ingressou com uma ação de anulação contra a Conselho na Corte de Justiça Européia. A decisão saiu agora, e foi muito comemorada pela Comissão. “A decisão da Corte é inovadora. Ela fortalece a democracia e a eficiência na União Européia. Ela deixa claro que sempre que sanções criminais estiverem em questão na lei da Comunidade a questão não pode ser decidida sem total controle democrático pelo Parlamento Europeu. Ao mesmo tempo, a Corte fortalece a possibilidade de aplicação das leis, pois os Estados-membros acordaram quanto à política Européia”, afirma José Manuel Barroso, presidente da Comissão. “Esta decisão é um divisor de águas. Ela pavimenta o caminho para um processo legislativo mais democrático e mais eficiente na UE”, diz.

O principal argumento utilizado pela Comissão na sua demanda judicial foi o de que uma norma que obriga os Estados-membros a aplicar sanções penais a violações de normas ambientais da Comunidade Européia deveria ser criada dentro do processo legislativo previsto no tratado da Comunidade Européia (chamado de “método Comunitário”). O Conselho, no entanto, escolheu para a promulgação da polêmica Framework Decision o processo legislativo previsto no tratado da União Européia e afirmou, em sua defesa, apoiado por 11 países-membros, que nada no tratado da Comunidade Européia o obrigaria expressamente a fazer como queria a Comissão.

Cabe, aqui, um parêntese. Existem dois tratados diferentes, que criam, respectivamente, a Comunidade Européia (CE) e a União Européia (UE). São normas distintas, que criam blocos distintos, com propósitos diferentes, apesar de envolverem praticamente o mesmo bloco de países. As diferenças nos processos legislativos previstos pelos dois tratados são relevantes para o caso. Primeiramente, no processo legislativo da União Européia, o Conselho Europeu age de forma praticamente independente e unânime na criação de leis, por iniciativa de um dos países-membros, com pouquíssimo espaço para intervenção do Parlamento Europeu. Sob as normas do tratado da Comunidade Européia, por outro lado, a Comissão Européia tem o direito exclusivo de iniciativa (proposição de criação de novas normas), o Parlamento tem um papel ativo como co-legislador e o Conselho decide em última instância por maioria qualificada.

Outra diferença é que, sob as normas do tratado da UE, não cabem medidas contra a infringência, pelos países-membros, das normas criadas, o que deixa a Comissão de mãos atadas para obrigá-los a cumprir de maneira adequada dessas leis.

A decisão da Corte Européia anulou a Council Framework Decision 2003/80, confirmando a posição da Comissão. Apesar da Comissão não ter, legalmente, competência para propor normas sobre direito penal ou processo penal, ela não fica impossibilitada de legislar sobre esses assuntos, já que pode criar quaisquer normas que entenda necessárias para a aplicação eficiente e proporcional das leis penais pelas autoridades competentes para evitar ou punir danos ambientais, bem como tomar medidas relacionadas com as normas criminais dos países-membros necessárias à plena aplicabilidade das normas ambientais por ela criadas.

A decisão da Corte Européia, portando, permitirá à Comissão continuar e até aumentar seus esforços para assegurar a obediência às normas da CE por meio de punições de caráter penal. Isso inclui a aplicação de normas ambientais, o que quer dizer que os Estados-membros poderão ser eficazmente obrigados a importar para os seus ordenamentos jurídicos internos leis que obriguem a aplicação de sanções penais para determinadas atividades que causem degradação ambiental, uma vez que isso seja determinado por norma criada sob os auspícios do tratado da CE. A Comissão, conforme informado em seu press release, estudará o que fazer com os processos de implementação das antigas normas que já estejam em andamento. Ao que tudo indica, ela deverá manter praticamente todo o texto da norma criada pelo Conselho, apenas fazendo-a ser incorporada através do procedimento previsto no tratado da CE, com a participação do Parlamento.

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