Colunas

Floresta de rico

Acabou de vez o tempo em que floresta parecia coisa de país pobre. Um relatório assinado por seis cientistas diz que o mato só está crescendo onde há sociedades mais avançadas.

17 de novembro de 2006 · 19 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

O mundo parecia bem mais simples, no tempo em que os brasileiros podiam ir ao cinema e ver, nos jornais da tela, os tratores do governo Juscelino Kubitschek derrubando árvores no sertão impenetrável. Não precisava explicar. Aquela era a imagem do progresso que instantaneamente a platéia reconhecia, rasgando o caminho da marcha para o Oeste. As coisas se dividiam entre países atrasados, abafados em florestas, e países desenvolvidos, que não tinham florestas, mas tinham todo o resto. Para ir de pobre a rico, o primeiro passo era abrir um atalho na selva.

Era. A miragem do desenvolvimentismo otimista predatório sofreu esta semana um rude golpe. Caiu-lhe em cima um relatório chancelado pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. É curto e grosso, com três parágrafos só de equações. Cabe em cinco páginas, descontadas a capa e a bibliografia. Como o artigo em que a Ministra Marina Silva declarou que o Brasil sabe cuidar sozinho da Amazônia, tem vários autores. Seis, para ser preciso, incluindo um chinês, um finlandês e um escocês. Pelo visto, o nativismo florestal anda fora de moda.

Identidade da floresta

Na hora em que o governo brasileiro comemora uma queda no ritmo anual de desmatamento da Amazônia, obtida pela comparação com recordes históricos de devastação, o sexteto de cientistas acaba com a conversa de que o planeta está se desflorestando de alto a baixo. Essa é a impressão de quem vê o mundo filtrado pela fumaça das queimadas. Os autores apresentam um novo critério de avaliação, mais rigoroso.

Em vez de medir do alto o que resta de chão tapado por árvores, calculam a densidade dessas coberturas vegetais, estimando o que acontece sob as copas. Se ali embaixo se produz madeira ou folhagem. Se cresce o potencial econômico de sua massa. E se está na idade certa de seqüestrar carbono. Ou seja, estuda-se a sua “identidade”.

O relatório vem cheio de boas notícias, para quem está do lado certo das tabelas que monitoram a saúde florestal de 50 países. Boa parte do planeta reflorestou-se nos últimos 15 anos. E não só o que se poderia chamar de parte boa, como a Dinamarca, os Estados Unidos, a França ou o Japão. Países complicados como a Índia, a República Dominicana, a Rússia ou o Vietnam também deram um jeito de virar o jogo. Até China, voraz consumidora de madeira alheia, refloresta mais do que corta. A Alemanha, que dobrou o tamanho das florestas ainda na Idade Média, sequer precisou plantá-las. Elas cresceram por dentro, adensando-se.

Renda per capita

Dos países que entraram na amostra, 22 melhoram desde o começo da década de 90. Trata-s, em geral, de sociedades que ultrapassaram o patamar dos US$ 4.600 de renda per capita. Elas tendem a cruzar de volta a fronteira da devastação. O mato, pelo visto, está virando um novo símbolo de progresso material. Há transições que começaram no século 19. É o caso dos estados do Massachusetts, Pennsylvania, Ohio e Illinois, pioneiros da industrialização e da urbanização nos Estados Unidos. Em 100 anos, suas florestas avançaram 50%. A Coréia do Sul quadruplicou seu estoque de árvores desde 1970, em pleno salto de tigre asiático.

Cada povo chegou lá com seu próprio estilo. Nos vales prósperos da Europa, a agricultura ganhou tanta eficiência que precisa de menos terras para colher mais, concentrando-se em vales férteis. El Salvador, que não tem recursos a esbanjar, usou até cercas vivas e bosques urbanos para cobrir suas vergonhas. O que não muda de um lugar para outro é a presença de um governo capaz de aplicar leis e tocar programas coletivos.

O documento traz outras notícias alvissareiras, pelo menos para quem está no lado certo de suas estatísticas. A exploração de madeira em florestas nativas, por exemplo, parece estar com os dias contados. Os países desenvolvidos de clima temperado garantem 70% da madeira que o mundo usa para tudo, inclusive como lenha. O Brasil, a China e a Índia dividem meros 15% do mercado internacional. Prevê-se para 2050 uma queda de 42% no comércio de madeira nativa de origem tropical. Logo agora que o governo brasileiro pretendia conter o desmatamento na Amazônia com a abertura das florestas nacionais às madeireiras amigas. É o preço de entrar para o clube internacional da derrubada, onde brilham a Indonésia, o Sudão, a Mongólia e a República Centro Africana.

Leia também

Salada Verde
12 de dezembro de 2025

Gilmar Mendes pede urgência na votação do Marco Temporal

Na reta final do ano, ministro solicitou que o julgamento ocorra em formato virtual entre os dias 15 a 18 de dezembro, pouco antes do recesso do STF

Notícias
12 de dezembro de 2025

“Papagaio cientista”: monitoramento da ave revela nova população de ipês raros

Trabalho que seguia grupo de papagaio-chauá se deparou com as árvores criticamente ameaçada de extinção em área afetada pelo rompimento da barragem de Mariana

Salada Verde
12 de dezembro de 2025

Pesquisadores do Jardim Botânico descobrem nova espécie de bromélia

Espécie é endêmica da Mata Atlântica e foi coletada na Bahia; atividades humanas na região onde foi avistada ameaçam sua sobrevivência

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.