Reportagens

Lei Rouanet para os verdes

Proposta que cria o Imposto de Renda Ecológico dá passo importante ao ser aprovado por Comissão de Finanças da Câmara. Dúvida sobre espaço para mais isenção ficou para depois.

Gustavo Faleiros ·
20 de junho de 2007 · 17 anos atrás

O leão da Receita Federal está amolecendo mais um dente. A razão para isso é que nunca esteve tão próxima a possibilidade de se criar no país um modelo de incentivo fiscal para financiar ações ambientais. O chamado Imposto de Renda Ecológico, tal qual a Lei Rouanet para projetos culturais, permitirá isenção a empresas que destinarem recursos às ONGs ou fundos governamentais de meio ambiente. Nesta quarta-feira, o projeto de lei (5974/05) que estabelece as regras para o desconto, transpôs um obstáculo importante: foi aprovado por unanimidade na Comissão de Finanças e Tributos (CFT) da Câmara dos Deputados. Proposições anteriores sempre foram rejeitadas neste ponto da tramitação, pois os parlamentares entendiam que elas feriam a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O projeto de lei do IR Ecológico seguirá agora para a Comissão de Constituição e Justiça, onde se espera pela relatoria de José Sarney Filho (PV-MA), um entusiata do tema. Se aprovada ali, a matéria será levada ao plenário para votação final. A atual proposta, de autoria do Senador Waldeck Ornelas, já vem sido discutida há dois anos por um grupo de trabalho formado por ONGs, deputados e empresas. O quê permitiu sua aprovação na CFT foi uma negociação com a liderança do governo garantindo que os recursos financeiros para os projetos ambientais não vão ampliar a base de isenção já concedida pela Receita Federal. Assim, no texto aprovado, determinou-se que o desconto nunca poderá exceder 4% do imposto devido pelas empresas e 6% para pessoas físicas.

A grande questão em aberto é de onde sairá o dinheiro extra para o meio ambiente. Projetos de cultura, esporte e educação já abocanham boa parte dos recursos autorizados pela Receita. O desconto permitido pelo governo sobre imposto de renda para todas as áreas representa aproximadamente 900 milhões de reais por ano. Sabe-se que não é tudo que está sendo efetivamente gasto. Portanto, em teoria, os projetos ambientais poderiam ganhar com esta brecha. O problema, entretanto, é que as empresas mais ativas nos financiamentos, como Vale do Rio Doce e Petrobras, já estão próximas de atingirem seu limite de 4%.

É por isso que o Ministério da Cultura (MinC), como se viu durante o debate da isenção de impostos para o esporte, coloca diversas barreiras quando surgem ‘outras leis Rouanet’. Para projetos culturais, a Receita Federal limitou as isenções em 500 milhões de reais (dentro do total de 900 milhões de reais). Mas não há certeza quando disso está em uso. O grupo de trabalho do IR Ecológico fez mais de uma reunião com o secretário-executivo do MinC, Juca Ferreira. Publicamente ele não dá declarações de apoio ao projeto, mas disse às ONGs que por hora não vai se opor. A condição no entanto é que quando o IR Ecológico estiver no plenário da Câmara, defensores de projetos culturais e ambientais, juntos, briguem por uma ampliação na isenção na Receita.

Na opinião do relator do IR Ecológico, deputado Luiz Carrera (DEM-BA), o Minc não abre a caixa-preta para que outras áreas não cobicem o que está sobrando. Contudo, ao passo que a discussão sobre benefícios para o setor ambiental avançar dentro da Câmara, será inevitável olhar com detalhes quanto do desconto permitido está disponível. “Não é possível que num país como o Brasil, uma empresa não possa escolher financiar um projeto de meio ambiente para ter benefícios fiscais”, diz.

De toda forma, isso não é razão para causar calafrios no gabinete de Gilberto Gil. A diretora da The Nature Conservancy (TNC), Ana Cristina Barros, que participa do grupo de trabalho do IR Ecológico, conta que recentemente fez um levantamento do orçamento das maiores ONGs no Brasil, e chegou à conclusão de que no máximo, gastam 160 milhões de reais por ano. Isto, segundo ela, mostra que o poder das ONGs para desviar recursos da cultura é pequeno. “Não vamos competir”, pondera.

Governo não faz…

O gerente de economia da Conservação Internacional, Alexandre Prado, explica que, juridicamente, o que está por trás da concepção da isenção fiscal é a constatação de que o governo é incapaz de prover alguns serviços. Daí, decide-se por delegar a função. Porém no caso do IR Ecológico, ao receber um apoio via desconto no imposto de renda, as empresas serão obrigadas a dar uma contrapartida. Em caso de doações, as empresas ou pessoas só poderão ter isenção de 80% do total. Em se tratando de patrocínios, esse total será de 60%. Segundo Prado, com isso está se trazendo “dinheiro novo” para o meio ambiente. Ele conta que proposta já foi apresentada em 11 federações industriais e também à Confederação Nacional da Indústria. “Recebemos um retorno muito positivo.”

Ana Cristina, da TNC, observa que, frente à baixa quantidade de recursos orçamentários que estão sendo aplicados em meio ambiente, o IR Ecológico será uma boa saída. Em sua opinião, quando o mecanismo estiver em vigor, serão as ONGs quem receberão a maior parte dos financiamentos, pois as empresas vão querer acompanhar de perto os projetos que apoiam. “Vamos começar criar uma relação entre sociedade civil e empresas muito saudável, e até necessária, porque muitas empresas precisam melhorar coisas dentro delas mesmas.”

No início das discussões sobre o IR Ecológico, o Ministério do Meio Ambiente chegou a propor que todos os recursos que fossem frutos da isenção fiscal teriam de ser colocados no Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Embora a idéia não tenha sido aceita, pois os membros no grupo de trabalho acham que isto engessaria o mecanismo de incentivo, existe ainda a preocupação sobre como será o controle de qualidade dos projetos a serem aprovados. O deputado Luiz Carrera frisa que em seu relatório está mantida a determinação de que as doações e patrocínios sigam diretrizes da política nacional do meio ambiente, o que significa pelo menos um aval do Ministério do Meio Ambiente.

É preciso lembrar, no entanto que o esforço de manter a justiça e o foco dos incentivos fiscais foi uma das principais bandeiras do ministro da Cultura, Gilberto Gil. Mesmo sendo acusado de dirigismo cultural, submeteu a aprovação dos projetos culturais às diretrizes de governo. Ainda assim, sobraram incentivos para espetáculos, livros e filmes nem tão necessitados de dinheiro.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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