Parte 2 (leia aqui o primeiro artigo)
Com o imbróglio criado devido à óbvia necessidade de planos de manejo para embasar investimentos e ao elevado e insustentável custo da elaboração e revisão dos mesmos no contexto dado, estes importantes documentos guias da gestão e manejo das unidades de conservação passaram a ser tratados mais como problema do que como solução. Rapidamente os planos de manejo do passado, elaborados até mais ou menos meados dos anos de 1980 no âmbito do antigo e, na época, já extinto IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), transformaram-se no paradigma do que não deviam ser os bons e modernos planos de manejo: eram tecnicistas demais, extremamente perfeccionistas ou irreais; não incorporavam processos participativos que começavam a ser vistos como fundamentais (o que nem bem uma verdade); enfim, não eram viáveis e precisavam ser completamente revistos.
Assim, viraram os vilões da história em todos os sentidos. Vale esclarecer que o destaque dado aqui para os planos de manejo desenvolvidos no âmbito do antigo IBDF, em número significativo, tem uma explicação: nenhuma unidade de conservação criada e administrada anteriormente no âmbito da antiga (e na época também já extinta) SEMA contava com plano de manejo.
Falsos especialistas
“Na década de 1970, Kenton orientou a preparação dos primeiros planos de manejo brasileiros. Gratuita e erroneamente virou o vilão do pedaço”
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Prontamente surgiram “novos” e “brilhantes” especialistas em planejamento de unidades de conservação, na prática uma maioria de técnicos mal formados e inexperientes, em geral críticos de Kenton Miller, um dos mais importantes conservacionistas do seu tempo, especialista em planejamento e manejo de unidades de conservação com profundo conhecimento da realidade latino-americana, em cujas propostas metodológicas simples e viáveis os planos até então realizados se baseavam.
Na década de 1970, Kenton orientou a preparação dos primeiros planos de manejo brasileiros. Gratuita e erroneamente virou o vilão do pedaço. E para não perder a oportunidade dos investimentos possíveis via financiamento já contratado junto ao Banco Mundial, o IBAMA buscou processos alternativos que, na média dos resultados, foram verdadeiros remendos ou arremedos de planejamento.
“Planos de ação emergenciais”, os mais conhecidos, foram também um “maná” que alimentou os bolsos dos consultores de plantão em Brasília. Na sequência vieram os muitos workshops de discussão e revisão da metodologia de planejamento, todos com a “salvadora” metodologia alemã ZOPP (planejamento participativo por objetivos, ou algo assim), visto que o KfW (Kreditanstalt für Wiederaufbau), banco que opera como agência de cooperação financeira internacional do governo alemão, já havia passado a ser co-financiador do Banco Mundial no componente unidades de conservação do PNMA (Projeto Nacional de Meio Ambiente).
Nestes eventos, profissionais inexperientes “pintaram” como grandes especialistas e tiveram papéis protagonistas. Isso tudo tomou boa parte da década de 1990 – uma década em muitos aspectos perdida para as Unidades de Conservação, pelo menos no que se refere ao manejo e à gestão, exceto pela ampla concessão de serviços à iniciativa privado no Parque Nacional do Iguaçu – por sinal, este um acerto que precisa ser expandido para outras unidades de conservação.
Gestão é central
“(…) o planejamento, embora importante, não foi e nem é a panacéia que fará das unidades de conservação o que devem e precisam ser, especialmente em termos de visitação e apropriação pública. Caso contrário, elas estariam em ótimas condições, o que de fato não é o caso”
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Enfim, então, emergiu desse longo (e não necessariamente produtivo) processo de revisão o famoso roteiro metodológico para planejamento de unidades de conservação, com encartes e diferentes níveis de planejamentos, que o IBAMA, através da DIREC (Diretoria de Ecossistemas) propagandeou aos quatro ventos; especialmente em eventos como o Congresso Latino-americano de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, o Congresso Mundial de Parques e Áreas Protegidas e o Congresso Brasileiro de Unidades. Este último, não por acaso, evento criado e liderado por este autor nas suas primeiras quatro edições (Curitiba – PR, Campo Grande – MS, Fortaleza – CE e Curitiba – PR).
Os parques nacionais e as áreas protegidas no Brasil, sendo o que são hoje, mostram enfim que o planejamento, embora importante, não foi e nem é a panacéia que fará das unidades de conservação o que devem e precisam ser, especialmente em termos de visitação e apropriação pública. Caso contrário, elas estariam em ótimas condições, o que de fato não é o caso.
Vale a pena mencionar, então, a dissertação de mestrado de Rodrigo Zeller, defendida em 2008 na Universidade Federal do Paraná. Resultado de cuidadosa revisão e análise dos instrumentos de planejamento de oito parques nacionais (Aparados da Serra, Caparaó, Cavernas do Peruaçu, Grande Sertão Veredas, Iguaçu, Itatiaia, Lagoa do Peixe, Serra dos Órgãos) combinadamente com a análise dos resultados da gestão dessas Unidades de Conservação ao longo de duas décadas, a pesquisa “não deixa pedra sobre pedra” neste tema. Conclui que o que vale mesmo é a capacidade e eficiência (e eficácia) da administração de cada Unidade de Conservação. Quando ela é comprometida e interessada, usa o plano e o implementa efetivamente, buscando e encontrando soluções institucionais legais e criativas para superar as constantes crises do e no sistema público. Caso contrário, faltando a mínima condição, nada avança e tudo fica por isso mesmo, pois não há cobrança de resultados.
Não é o plano em si que tem determinado o sucesso da plena existência das nossas Unidades de Conservação, embora sua falta ou inadequação possa atrapalhar muito, mas a qualidade da gestão aplicada pelos gestores de plantão.
Melhor um plano simples
“Precisamos, ao invés disso, ter responsáveis pelos processos, reconhecidos nos sucessos e responsabilizados, no que couber, nos fracassos. Como deve ser com qualquer instrumento de apoio à gestão”
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É da lei que cada Unidade de Conservação disponha de um plano de manejo e que este abranja a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas visando sua inserção e efetiva integração à vida social e econômica regional. Mas mesmo sendo uma prerrogativa e uma obrigação legal, a elaboração do plano de manejo não pode configurar um fim em si mesmo, como parece acontecer cotidianamente; e muito menos constituir processos com “donos”, como também parece ser comum acontecer, sem cuja autorização nada pode mudar, mesmo sendo absolutamente necessário.
Precisamos, ao invés disso, ter responsáveis pelos processos, reconhecidos nos sucessos e responsabilizados, no que couber, nos fracassos. Como deve ser com qualquer instrumento de apoio à gestão, o sucesso de um plano se vincula à sua efetividade em orientar adequadamente a administração da Unidade de Conservação na mobilização e articulação do conjunto de recursos, fatores e agentes que intervém no processo, viabilizando ou facilitando o alcance dos objetivos para os quais a unidade foi criada. Ainda, podendo ser simples ou complexo, a depender de muitos fatores em jogo, é sempre melhor que o plano de manejo seja simples. Mas é mandatório que seja exequível e operacional.
Como posto na lei, porque resultado do nosso processo cultural, os planos de manejo têm na realidade brasileira a dupla condição de normatizar a gestão e o uso da área e programar as ações, o que lhes confere complexidades desafiadoras. Conforme pontua um dos documentos recebidos e lidos: “O caráter normativo exige que as normas nele contidas sigam os ritos processuais típicos da publicidade dos atos administrativos. Para terem efeito legal, requerem sua declaração em Diário Oficial, e qualquer alteração futura necessária irá requerer o cumprimento de novo rito de publicação. Já o seu caráter programático impõe uma lógica oposta. Requer que as ações programadas se sujeitem aos princípios da boa gestão administrativa, que sejam pensadas, avaliadas e reprogramadas com rapidez, de modo a responder adequadamente às necessidades da gestão da unidade.”
Fundamental, então, entrar em outra seara da gestão pública onde se inserem nossas Unidades de Conservação: a necessidade de gestores!
Temos tido, em vários casos, ainda que na minoria das nossas Unidades de Conservação, um número suficiente de técnicos, muitos bons técnicos (embora alguns nem tanto), mas a carência de gestores é evidente e gritante, e os resultados facilmente encontráveis.
Também precisamos de planos de manejo que, quer pelas óbvias questões legais como por aspectos técnicos e de gestão, guiem tanto os técnicos como os gestores e que não sejam amarras que lhes tolham os movimentos. Precisamos ainda de planos de manejo compreensíveis e minimamente auto-interpretáveis, inclusive para leigos preparados, profissionais das mais variadas áreas, e tomadores de decisões públicas, e não verdadeiros códigos que precisem ser decifrados por especialistas. Precisamos, enfim, que a população se aproprie das unidades de conservação como bens que de fato lhes pertencem e pelos quais pagam. Enfim, talvez por sonho pessoal, que lhes seja motivo de orgulho cidadão como acontece em muitos outros países.
Em apoio a Pedro Menezes
“(…) conseguiremos enfim operar com mais rapidez na elaboração e revisão dos planos e estes serão mais práticos e factíveis, viabilizando o efetivo manejo e gestão das Unidades de Conservação”
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O material que recebi e li sugere que, enfim, um quarto de século mais tarde, há luz no fim do túnel! Embora o ditado no início mencionado, de que o diabo mora nos detalhes, e estes não faltem nos documentos lidos, eu prefiro dar vazão à esperança de que desta vez vai dar certo. Ou seja, conseguiremos enfim operar com mais rapidez na elaboração e revisão dos planos e estes serão mais práticos e factíveis, viabilizando o efetivo manejo e gestão das Unidades de Conservação.
Naquelas que têm este objetivo, poderão ser abertas à visitação dos seus verdadeiros donos: os brasileiros que pagam seus impostos; além de estrangeiros que visitam o país devido às suas belezas naturais (muitas vezes encerradas em Unidades de Conservação que estão fechadas ao público).
Senhor diretor do ICMBio, Pedro Menezes, você não ocupa esse posto de graça. Até onde eu posso imaginar, deve ter sido escolhido a dedo para a função. Não obstante uma vida profissional fundada na diplomacia, seus escritos, inclusive neste ((o))eco, indicam a qualidade do seu conhecimento sobre Unidades de Conservação e, particularmente, sobre o uso público nas mesmas. Além disso, sua pegada positiva na gestão da conservação também já está registrada desde o início dos anos noventa, tempos da Rio 92, quando teve papel relevante na gestão do Parque Nacional da Tijuca. Então, por favor, faça funcionar essas normas e, mais que isso, use-as para abrir as unidades de conservação aos cidadãos deste país – nós merecemos isso.
Eu sou um desses cidadãos que quer usá-las e ter ainda mais motivos do que aqueles que eu sempre tive para seguir defendendo-as. Se para isso você precisar de apoio, conte com o meu – declaro antecipadamente, você o tem! E certamente também terá apoio de muitos mais brasileiros (e estrangeiros) conhecedores do assunto.
Planos de manejo de UCs: uma arriscada luz no fim do túnel – parte 1
Planos de manejo I
Planos de manejo II
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