Marina Silva mantinha o verniz verde do governo Lula, atraía a simpatia e votos evangélicos e, ainda, deixava menos exaltados os ânimos entre a maioria dos ambientalistas tupiniquins. Na prática, sua figura se assemelhava cada vez mais a de uma Rainha da Inglaterra, de pompa sem poder. Agora, o novo ministro Carlos Minc (PT/RJ) pega um ministério montado à semelhança da senadora acreana e com os meses mais críticos para o desmatamento na Amazônia apenas começando. Sua controvertida experiência no Rio de Janeiro revela um ágil carimbador de licenças, embora muito elogiado por parcelas do movimento ambiental. Inclusive em seu partido, o PT.
Apesar de pouco conhecido fora do Rio de Janeiro, Carlos Minc não caiu de pára-quedas no cargo de ministro do Meio Ambiente. Eleito seis vezes consecutivas deputado no estado fluminense, o parlamentar desenhou sua carreira política voltada para um socialismo libertário em defesa dos direitos de cidadania desde a década de 60, quando foi exilado no período da Ditadura Militar. Geógrafo de formação, Minc tem mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Técnica de Lisboa e doutorado em Economia do Desenvolvimento pela Universidade de Paris I – Sorbonne. Foi ganhador do Prêmio Global 500, em 1989. A honraria, concedida pelas Nações Unidas, é entregue às pessoas que se destacam ao redor do globo pelas ações em prol da natureza.
Durante sua passagem de pouco mais de um ano pelo cargo, ele enfrentou fortes incêndios nas florestas do estado, o que levou sua gestão a criar uma guarda florestal bem equipada. Outra realização sua, bem ao contrário do que fez sua antecessora Marina Silva em nível federal, foi a unificação dos órgãos ambientais cariocas, que deu origem ao Inea (Instituto Estadual do Ambiente).
Muitos acreditam que o novo órgão foi feito sob medida para atender aos desejos de empreendedores do Rio de acelerarem a emissão de licenças ambientais. Vale lembrar que Minc vinha recebendo elogios constantes de Lula durante o lançamento de obras do PAC no Rio de Janeiro, por sua agilidade no licenciamento de uma série de empreendimentos.
Um dos casos lembrados por Dora Negreiros, do Instituto Baía de Guanabara, diz respeito ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), grande obra que será erguida em uma área de 45 milhões de metros quadrados no município de Itaboraí. Os investimentos ultrapassam os oito milhões de dólares.
De acordo com a ambientalista, o licenciamento realmente foi muito rápido, apesar do local não ser considerado por ela o mais adequado para uma estrutura de tal porte. “Mas a permissão tinha que sair de qualquer jeito, já que o presidente Lula viu o terreno do helicóptero e garantiu que o complexo seria instalado ali. A licença, nesse caso, foi basicamente abolida. O que Minc podia fazer era criar o máximo de restrições ecológicas possíveis. E isso ele fez”, conta.
Mesmo quem confia na capacidade de organização e liderança de Minc está com dúvidas sobre o seu trabalho frente à ex-pasta de Marina Silva. Menos pela dúvida na competência do novo ministro e mais pela força dos interesses econômicos do governo federal. “O problema está na mentalidade reinante do desenvolvimentismo, conceito superado e autoritário. Lula, Dilma Rousseff, Mangabeira Unger e praticamente todos os outros ministros são ignorantes nas vivências de ciências naturais. Com eles no poder, nem a melhor pessoa do mundo para o cargo resolveria os problemas ambientais do Brasil”, disse o professor de engenharia ambiental da PUC-Rio, Carlos Gabaglia Pena.
Em entrevista coletiva em Paris, onde se encontra, Minc disse, de acordo com matéria da BBC Brasil, que pretende aprovar uma nova lei de licenciamento ambiental, “com exigências mais rigorosas, mas que diminua ao mesmo tempo a burocracia”.
Esse detalhe causa temor em Elielson Ayres, Procurador da República. “É preciso ter cuidado com respeito às leis ambientais. Para isso, não pode haver precipitação e nem tempo certo, senão fica complicado. Quem realiza trabalho de campo e vistoria não pode pensar em tempo”, disse.
Desmatamento à espreita
Para coordenador da campanha de Amazônia do Greenpeace, Paulo Adário, Minc chega ao ministério em um momento extremamente delicado, com setor agropecuário em ascensão e período de seca se aproximando da Amazônia, quando a fronteira produtiva avança forte sobre a floresta. “Minha preocupação é de que o novo ministro encontra uma situação de ofensiva do agronegócio. Embates com o setor foram alguns dos motivos da saída de Marina Silva. Os ruralistas ganham força”, diz.
A situação nacional se complica e, na visão do ativista do Greenpeace, o desmatamento da Amazônia caminha para patamares maiores que os registrados no período anterior. Marina Silva deixou seu cargo em ano eleitoral e há poucos dias do período crítico do desmatamento. “Os meses cruciais, de junho a agosto, estão chegando, e ministro chega com um ministério desmontado. E Lula e Dilma querem um carimbador oficial da República. É uma boa casca de banana”, diz.
Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura – CNA, Assuero Veronez, a saída de Marina Silva deve facilitar o desenvolvimento de segmentos da agricultura que estavam sendo impedidos de crescer, “por conta de uma ação muito radical do Ministério do Meio Ambiente, que não debatia flexibilização de leis e empreendia uma campanha repressiva e punitiva muito severa a produtores na Amazônia”.
Sobre Minc, Assuero, da CNA, evitou comentários mais profundos, mas afirmou que a entidade tem boas referências sobre sua atuação. “Conheço pouco de sua história e atuação, mas temos boas referências, parece que é dinâmico. Tem feito um bom trabalho sem impedir que obras e outras atividades sejam impedidas por conta dessa questão ambiental”, avalia Veronez.
Para a ex-presidente do Ibama e colunista de O Eco, Maria Tereza Jorge Pádua, o grande desafio seria escolher uma pessoa com projeção internacional semelhante a de Marina Silva. “A área ambiental é como a medicina. É necessário ter preparo acadêmico, prática”, afirma. Em sua opinião, o ex-governador do Acre Jorge Viana seria um excelente nome justamente por ser engenheiro florestal. A Minc falta preparo, julga Maria Tereza..
Só elogios
Embora pairem algumas dúvidas sobre o trabalho do novo ministro, há quem esteja satisfeito com a sucessão. É o caso do ex-secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Fábio Feldman. O ambientalista diz que Minc foi um dos mais brilhantes deputados estaduais do Brasil, com importantes conquistas na área ambiental. “Ele foi um ótimo secretário de Ambiente para o Rio de Janeiro. Teve um excelente esforço de reformulação institucional, algo válido para a natureza”, diz.
Questionado sobre as pressões que o ministro encontrará na base governista, Feldman acredita que ele deverá negociar com o Lula a fim de saber as condições que terá para exercer bem a sua função. Ao contrário do que muitos pensam, o ambientalista confia que a demissão de Marina provocará um impacto positivo na nova administração. “O Lula terá que fazer um esforço adicional para mostrar que é preocupado com o meio ambiente, e isso inverte um pouco o jogo. O Minc saberá aproveitar isso”, diz. Sobre a possível distância do ex-secretário carioca com a agenda da Amazônia, Feldman foi enfático. “Ele conhece bem a região, mas os problemas ambientais do Brasil não se restringem a isso. Pode ser o principal, mas não o único”, conta.
O deputado federal Fernando Gabeira (PV) disse que acredita em um bom trabalho do novo ministro à frente da pasta. “Apesar de ter uma prática mais voltada para o Rio de Janeiro, ele sempre acompanhou o tema no Brasil e no mundo”, falou. Pelo visto, não é apenas o pré-candidato à prefeitura fluminense que crê em uma sucessão tranqüila.
O trabalho de Minc como chefe da secretaria de Ambiente do Rio de Janeiro mereceu elogios também de André Guimarães, diretor do Instituto BioAtlãntica. “Foi uma grata surpresa, e uma de suas principais virtudes foi comandar bem a sua equipe, traçar metas e cumprir prazos. Poucas semanas depois que ele assumiu, já sabíamos para onde o seu trabalho iria se direcionar. As pessoas podiam concordar ou não, mas todos podiam acompanhar sua agenda. Espero que ele faça isso à frente do MMA também”, diz. A respeito das seguidas críticas sobre o número de licenciamentos ambientais para obras no estado, Guimarães contou que é uma questão nacional. “No fundo, depende muito mais da qualidade do projeto e do Estudo de Impacto do que do cara que está sentado na secretaria”, completa.
Lizst Vieira, presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (instituição vinculada ao Ministério do Meio Ambiente) é outro que aplaude o período em que Minc esteve no comando da pasta de ecologia carioca. “O ponto mais importante de sua gestão, a meu ver, é a criação do Instituto Estadual do Ambiente, que deve sair em setembro”, diz. Neste órgão, estarão reunidos a Feema, a Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). “O trabalho será racionalizado, assim como o processo de licenciamento ambiental”, assegura.
Questões partitárias
Uma fonte que conhece bem os corredores de Brasília e preferiu não se identificar confirmou: um dos nomes preferidos de Marina Silva para substituí-la era mesmo o de Carlos Minc. Terá sido mera coincidência ou a senadora ainda consegue influenciar o presidente da República?
Na opinião do deputado-federal Fernando Ferro (PT-MG) a escolha de Minc agrada ao partido. “Sempre foi um militante, o ministério está em boas mãos”, disse, embora ainda lamentando a saída da Marina Silva . Segundo ele, nesta quarta à noite a ala ambiental do PT, conhecida como Smad, encontra-se para discutir as mudanças no Meio Ambiente.
Saindo de uma audiência no Ibama envolvendo obras no Porto de Rio Grande (RS), o vice-líder do governo na Câmara, deputado Beto Albuquerque (PSB/RS), comentou a O Eco que espera uma transição rápida e pacífica na substituição de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. Questionado sobre o nome do petista Carlos Minc, confirmado hoje como novo ministro, avaliou que não vê impasses políticos para a ocupação do cargo com nenhum dos candidatos. “Que o novo ministro dê continuidade ao que vem acontecendo de bom, com competência e representatividade. Não vejo dificuldades políticas ou partidárias para quem assumir a pasta”
Ao mesmo tempo, Albuquerque acha que não se resolverá nenhum problema envolvendo atraso na emissão de licenças ambientais em um País crescendo no ritmo do Brasil com troca de ministros. Segundo ele, está mais do que na hora de se anunciar mais recursos, pessoal e condições de trabalho para o Ibama. “É um órgão muito demandado e estratégico. Se queremos crescer 50 anos em cinco, o trabalho de cinqüenta não pode ser feito por cinco pessoas”, advertiu o parlamentar.
* Colaborou Gustavo Faleiros
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